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Diálogos na esquerda | Raul Pont

A análise de Juliano Medeiros, presidente nacional do Psol, em “O que está em jogo em 2018?”*, termina com um chamamento: “Reconhecendo avanços e limites em outras experiências, construindo pontes para enfrentar a agenda do golpe, fortalecendo a unidade democrática com outros partidos, buscaremos ir além”.

O texto é um desafio ao diálogo. Não apenas em relação ao Psol, mas ao PT, ao PcdoB e a outras forças políticas que estão no campo popular e socialista. O companheiro Juliano, na presidência do Psol, abre um processo de debate pertinente e oportuno, mesmo considerando o momento eleitoral em curso.

O texto apresenta a conjuntura como inédita em suas indefinições e que o processo eleitoral ocorrerá “sob o signo da incerteza”. Haveria um esgotamento da polarização PT X PSDB que marcou as últimas décadas, agora, inclusive, sem a figura de Lula presente na disputa pela ação judicial e esse esgotamento marcaria, também, o “fim de um ciclo na política brasileira”.

Esta afirmação está alicerçada na avaliação de que o golpe não significou apenas o fim dos governos petistas mas, “a interdição por tempo indeterminado da estratégia de pacto de classes construída a partir da chegada de Lula ao governo, em 2003”.

O texto reconhece, no entanto, que se esta periodização de fim de ciclo é verdadeira, isso estimula uma luta aberta diante do novo ciclo que se iniciaria. Este, inequivocamente, começaria com muitas dúvidas. Lula impugnado por uma condenação sem provas? A direita superará sua fragmentação atual na construção de nova hegemonia? Com que discurso, com que projeto? Qual a nova etapa de acumulação capitalista na periferia do sistema?

Pensar, portanto, o que está em jogo em 2018 só é possível em diálogo com essas questões, afirma corretamente, ao nosso ver, o texto de Juliano Medeiros.

Raul Pont, ex-prefeito de Porto Alegre e membro da Direção Nacional do PT e da tendência Democracia Socialista

 

O fim de um ciclo

Algumas avaliações no texto são polêmicas mesmo no interior do PT. E não de hoje, mas ao longo da história do partido. Em 2003 não foram apenas os companheiros que saíram do Partido para formar o Psol que tinham críticas duras ao governo de coalizão.

Não só havia críticas aquela alternativa aprovada por maioria no PT, mas haviam experiências municipais e estadual de governar com minoria no parlamento e aprofundar a participação popular através de conselhos setoriais, do orçamento público e de conferências e congressos com caráter deliberativo para não ficar refém das maiorias conservadoras nos parlamentos e ampliar nossa base de sustentação. Existiram, foram exitosas e deixaram muitos exemplos de políticas públicas futuras.

O desafio naquele momento era impositivo. Não havia como recuar e era preciso viver a experiência, criticamente, pois as expectativas abertas pela vitória eram muito superiores aos problemas que surgiriam. A culpa não era do eleitor que dava ampla maioria ao Executivo e uma minoria legislativa para sustentá-lo. Já era o sinal evidente da urgência da reforma político-eleitoral, assim como do funcionamento das instituições burocratizadas e que existem para domesticar e/ou cooptar representações de esquerda.

O problema existia ali e continuará existindo para o conjunto das organizações de esquerda que chegam na institucionalidade.
Essa é uma polêmica presente e que exige um programa de luta por uma nova institucionalidade superior e muito mais democrática e não burocrática do que temos hoje nos sistemas representativos capitalistas.

Pensamos que é possível unificar a luta contra o sistema representativo atual baseado no voto nominal (não programático) e no financiamento privado que tornam qualquer, repito, qualquer processo eletivo despolitizado,
concorrencial no interior dos próprios partidos e irremediavelmente corruptor.

Entendemos, no entanto, que é possível construir esse projeto no interior de um Partido socialista e democrático ou no interior de uma frente política de partidos de esquerda que pactuam a mesma avaliação crítica dos limites da democracia representativa burguesa alicerçada no poder econômico e na burocratização das instituições da ordem burguesa. E isso vale para os Executivos e para o Judiciário, com suas vitaliciedades, privilégios e corporativismos.

Da mesma forma, temos avaliações comuns e críticas sobre outros momentos cruciais vividos recentemente. Seja com os limites do “reformismo fraco” e da visão idílica de um capitalismo tipo “correntes da felicidade” onde todos ganham.

O importante é garantir reformas e avanços sociais que sejam acompanhados de novas relações de força e de conscientização popular que as sustentem. Sabemos todos que isso não é fácil numa sociedade como a nossa onde a desigualdade social, os monopólios sobre a informação e o saber estão na mão de poucos.

Para efeito de registro, de recomposição histórica, é necessário recordar que a relação partido-governo não é sem contradições, marchas e contra-marchas e ritmos distintos.

Por exemplo, não havia unanimidade, nem concordância majoritária, na composição do 2º governo de Dilma Roussef sobre Joaquim Levy no comando da economia. No V Congresso do Partido, na direção nacional e, mais ainda, nas bases partidárias havia uma contrariedade a sua indicação e às políticas de austeridade fiscal e outras que pôs em prática.

Prova disso são os documentos do V Congresso do PT, a crise na equipe econômica do 1º governo. Sobre isso pode-se consultar o texto de Arno Augustin, ex-secretário do Tesouro Nacional, “Os fatos são teimosos”, publicado na Revista Democracia Socialista nº4, São Paulo, dezembro de 2016.

Os ritmos e os tempos na relação Partido-Governo não são automáticos, nem simples correia de transmissão. Principalmente na realidade concreta dos governos no Brasil.

Mas é claro que estas são questões polêmicas, que permitem outras interpretações, pontos de vista e ênfases diferenciadas. O que importa é compreender se podem ou não ser tratadas dentro de um mesmo campo político, fora do anátema da traição ou da ruptura com uma visão de classe. É o grande desafio quando somos governo e queremos permanecer nele pelos ganhos e conquistas sociais que representa em inúmeras áreas de atuação das políticas públicas.

A instabilidade como norma

Se apostamos na busca do diálogo e da unidade para o campo da esquerda, o importante é ressaltar os elementos de convergência e de avaliação comum para transformar em força material nossa indignação e oposição ao que ocorre no país.

Nesse sentido, o documento de Juliano Medeiros identifica que o governo atual, o golpista governo Temer e seus aliados, representa o conjunto das frações da classe dominante (Cunha, Temer, PMDB, mais PSDB e DEM, a “ponte para o futuro”) sob hegemonia absoluta do capital financeiro para acabar com o pacto de 1988 (direitos sociais e trabalhistas, previdenciais, empresas públicas) e com a entrega vergonhosa e corrupta (ver, por exemplo, as vendas de ativos da Petrobras sem licitação) do país ao capital internacional.

Temos identidade com isso e estamos junto com as forças populares na resistência ao golpe e sua caracterização. Mais. Concordamos que a situação internacional não ajuda uma recuperação rápida via o choque de austeridade. A crise, o desemprego, a marginalização das pessoas só cresce e o governo golpista afunda e desagrega na instabilidade política e na conivência com o aumento da violência e da intolerância.

O resultado disso é a explosão de manifestações, lutas e greves inesperadas em suas consequências como ocorreu com os caminhoneiros em justas reivindicações ou no oportunismo do locaute das grandes transportadoras.

O texto compara essa realidade com a situação mundial, analisando, positivamente, situações que expressam a crise mas que não possuem um desdobramento semelhante com os casos da França (polarização eleitoral), Espanha (surgimento de novos partidos), Grécia (chegada ao poder do Siryza), Inglaterra (nacionalismo e a saída da zona do euro), Portugal (governo socialista com apoio do PC e do Bloco Esquerda) e nos EUA (vitória de Trump e um novo pólo à esquerda com Bernie Sanders).

O reconhecimento da diversidade dessas situações bem como o que ocorre na América Latina, onde a nova onda de direita neoliberal alcançou vitórias mas está longe de uma nova hegemonia, aponta para a necessária abertura de aprender e retirar lições destas experiências e não descartá-las simplesmente.

Esse é outro importante sinal de necessidade do diálogo e do trabalho comum entre as forças de esquerda no Brasil.
Se o inimigo interno e externo são comuns: a quadrilha de Temer e do PSDB/DEM no Brasil e o rentismo hegemônico internacional do neoliberalismo, não há razão para que não atuemos de forma unificada na defesa do povo trabalhador, da democracia e na defesa da soberania nacional.

A esquerda como esperança

Concordamos com Juliano Medeiros quando aponta para o surgimento de novas forças de esquerda, em várias partes do mundo, substituindo as organizações tradicionais da esquerda européia, por exemplo, os partidos socialistas e comunistas. Essa crise agônica não é de hoje e começou antes da queda do Muro de Berlim e da dissolução da União Soviética.

Não concordamos, é claro, com a identificação do PT como um simples partido social-democrata no estilo dos modelos europeus criticados. Há aí um exagero na crítica.

O PT é um partido relativamente novo, não chegou ainda aos 40 anos mas, desde seu surgimento foi uma referência de democracia interna, direito de tendências organizadas em seu interior e com garantia de proporcionalidade em todas as suas direções. Da mesma forma é pioneiro no Brasil ao garantir 50% de representação de gênero em suas direções e cotas de idade e raça para fomentar permanentemente a renovação partidária bem como está em vigor a regra estatutária que passou a limitar o número de mandatos de seus eleitos. Está entre as maiores bancadas federal e estaduais, conta com milhares de vereadores e no período de maior massacre antipartido pela Globo e suas afiliadas, teve milhares de novas filiações, ultrapassando os 2,2 milhões de filiados no país. Tem uma relação profunda com fortes movimentos sociais como a CUT, o MST e um conjunto de movimentos urbanos, culturais e da agricultura familiar e cooperativa. A rica experiência administrativa nos municípios, estados e União permitiu uma formação de milhares de quadros partidários na administração pública que tornam o PT uma referência inquestionável para qualquer retomada de governos progressistas e transformadores no país. E esteve presente em todas as lutas sociais e políticas no país nesses 40 anos.

Mas, voltando ao texto de Juliano Medeiros, este aponta que o conjunto das formas mais recentes desses movimentos na Europa teriam uma característica básica: a crítica aos limites da democracia representativa e administração das crises e do sistema capitalista que essas forças políticas tradicionais aceitariam. A alternativa predominante nessa tendência seria a luta por uma democracia radical que fosse além dos limites do possível.

Outra identificação dessa tendência é ser fruto menos de deslocamentos de forças políticas pré-existentes, como ocorreu entre a II e a III Internacionais, mas pela eclosão de processos sociais críticos e com novos agentes históricos.
Se fossem apenas esses elementos: novas forças sociais, limites do sistema de representação, eclosão de novos movimentos e menos deslocamentos por ruptura e a busca de uma democracia radical, facilmente se justificaria a unidade ou a frente política de forças que se reivindicam dessa compreensão.

Avaliamos que o quadro não é tão simples assim. São processos que interagem e geram novas condições.

A profunda crise de referência que vive a esquerda mundial, mesmo antes da dissolução da União Soviética, explica a derrocada ao longo da segunda metade do século passado dos Partidos que se reivindicavam do socialismo da II Internacional e dos Partidos Comunistas alinhados com a burocracia stalinista soviética.

Por isso, essa reconstrução hoje é complexa, desigual e de grande diversidade a partir das realidades locais onde ocorrem. Não é suficiente restringirmos esse processo por deslocamentos ou eclosões, pois em ambos os casos, assim que adquirem alguma dimensão regional ou nacional de peso, precisam incorporar rapidamente elementos de construção partidária ou de frentes políticas que garantam, também, uma outra concepção de construção orgânica democrática, plural. Elementos que respeitem e incorporem questões que eram completamente secundarizadas nos modelos antigos, tradicionais: gênero, raça, cultura, espaços comportamentais e geracionais.

Apesar da maior complexidade defendemos que por isso mais se justifica o trabalho comum no campo da esquerda brasileira pois precisamos ter a humildade de aprendermos entre nós, democraticamente, os avanços, os erros e acertos de cada uma das nossas forças políticas.

Se hoje vemos como positivas e necessárias experiências que forças políticas como o Bloco de Esquerda (Portugal) dê sustentação parlamentar, junto com o PCP, para garantir um conjunto de políticas contra a Troika que comanda a União Europeia, temos que tirar daí todas as consequências.

O Podemos (Estado Espanhol) após a eclosão marcada pela espontaneidade e por novos atores, hoje vive a complexa tarefa de participar de governos, ter que garantir democracia interna, aceitar tendências anti-capitalistas e responder, nos governos, por temas e assuntos que não estavam no horizonte dos que ocuparam a Porta do Sol.

A experiência dos nossos irmãos uruguaios, a Frente Ampla, caminha para seus 50 anos como frente política de Partidos e movimentos políticos organizados, com Mesa Diretiva, com programa comum e, certamente, também com um conjunto de problemas daí decorrentes. Mas, governam o país e a capital numa perspectiva distinta do neoliberalismo predominante. Não há como negá-la como uma rica experiência a ser conhecida profundamente.

Neste momento, em Cuba, mais uma edição do Foro de São Paulo reúne dezenas de Partidos e forças políticas da América Latina e do Caribe que certamente festejam a vitória de Lopez Obrador no México com uma frente política do MORENA, PT e Encontro Social. O Movimento de Regeneração Nacional (MORENA) liderado por Lopez Obrador surgiu de uma cisão do PRD, que por sua vez rompeu com o velho PRI.

Agora, no Brasil, vivemos um processo de polarização de projetos fruto do golpe que derrubou o Governo Dilma e prendeu, como preso político, o ex-presidente Lula e da radicalização do ataque que MDB, os tucanos e seus aliados realizam contra o povo e o país, que não sobra espaços para outras alternativas viáveis. Mesmo na condição de preso político Lula lidera as pesquisas eleitorais de todos os institutos de opinião.

Lidera porque o povo trabalhador vê nele um símbolo de um projeto vivido de melhores políticas públicas no emprego, nos salários, nos serviços e obras públicas. No campo popular, é quem pode barrar a destruição do país pelo rentismo neoliberal. Essa é a questão concreta que temos que enfrentar no país e na maioria dos Estados sob governos alinhados com a mesma política de Temer, como é o nosso caso do Rio Grande do Sul com Sartori (MDB) e seus aliados.

O sistema eleitoral de dois turnos, criado para barrar vitórias populares e permitir arranjos eleitorais na direita, exige de nós uma resposta unificada desde o primeiro turno e/ou o compromisso aberto e franco de identidade comum de programa e de apoio mútuo no segundo turno.

Nesse momento, esse é o sentimento e a reivindicação dos movimentos sociais e dos lutadores sem partido que estão conosco nas frentes de luta sindical e de outras lutas. Esperam de nossos partidos essa ação construtora de unidade.

As frentes políticas, assim como os partidos do campo da esquerda que possuem direito de tendência, proporcionalidade de representação, etc…, devem ser democráticas e profundamente respeitosas pela pluralidade e pela garantia de representação proporcional na composição das chapas, na sustentação material das campanhas e na participação dos governos, como expressão da unidade programática alcançada na campanha eleitoral.

O importante aqui é sinalizar o objetivo do diálogo e da disposição de construirmos uma unidade política seja para o processo eleitoral, seja para um programa comum de lutas permanente na sociedade. Este, inclusive, já está sinalizado e comprometido pela Frente dos partidos do campo popular e socialista no Congresso Nacional.

Nesta conjuntura, essas questões se misturam porque a disputa do poder político esta embasada em um programa, em um conjunto de interesses e reivindicações que os trabalhadores tem frente ao Estado. As diferenças de avaliação ou de propostas de políticas públicas melhor se expressam na materialidade de suas consecuções.

Aceitamos o desafio do diálogo com a certeza de que é necessário e urgente avançar na construção de um novo patamar de unidade na esquerda brasileira. Do nosso ponto de vista, os pontos programáticos acordados na Frente Política no Congresso Nacional: democracia, direitos sociais dos trabalhadores e soberania nacional são um bom ponto de partida. E, certamente, não conflita com a democracia radical apontada por Juliano Medeiros em seu texto.

É claro que essas bandeiras necessitam ser desdobradas e precisadas, em especial, quando chegamos em governos com condições de materializá-las.

Nossa corrente, a Democracia Socialista (DS), dentro do PT, contribuiu para o debate ao aprovar em sua última Conferência Nacional esse desdobramento programático com elementos para um programa de transição para o socialismo na conquista e na transformação em realidade nos governos que alcançarmos (Sobre isso ver: Pontos para um Programa de Transição, Revista DS, nº 6, outubro de 2017, página 54).

É uma base para continuar o debate mas, principalmente, para darmos sustentação programática para a construção da unidade política, da ação política de uma frente partidária que dê outra dimensão muito mais vigorosa e de esperança ao povo brasileiro.

Raul Pont é membro da Direção Nacional do Partido dos Trabalhadores

* Raul Pont tomou contato com o artigo “O que está em jogo em 2018” de Juliano Medeiros, Presidente Nacional do Psol, com o qual dialoga nesta reflexão durante o Colóquio “A luta democrática e o futuro da esquerda no Brasil: estratégias comuns de enfrentamento” realizado pelo Instituto Novos Paradigmas, em Porto Alegre, no início deste mês de julho. O artigo em questão segue inédito e deve fazer parte do próximo número da Revista Socialismo e Liberdade, editada pela Fundação Lauro Campo do PSOL. Veja mais aqui

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