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Dr. Rosinha: “Estamos perdendo a disputa ideológica na questão da saúde”

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Uma das pautas que mais movimentou o Congresso Nacional e as rodas de debate na sociedade brasileira depois das manifestações de junho foi a da Saúde. Nesta entrevista, publicada originalmente no site do Cebes, o deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), que também é médico pediatra, fala sobre a vinda de médicos estrangeiros ao Brasil, o Ato Médico, o projeto da “cura gay” e os desafios para o desenvolvimento pleno do SUS.

Para ele, é preciso “fazer também uma disputa ideológica, pois estamos perdendo ideologicamente, não só na questão de modelo de estado neoliberal ou não, mas nós estamos perdendo ideologicamente a questão da saúde pública, tanto no quadro público quanto no privado”, afirmou.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

A saúde como pauta da sociedade durante as manifestações e a posição do governo federal

Dr. Rosinha: Antes de tudo, uma premissa: acho que a maioria que está na rua tem razão de estar, mas não tem a mínima noção daquilo que lhe dá razão. A razão para ele estar na rua se chama sistema capitalista – e o próprio modelo eleitoral brasileiro. Ele sofre todas as consequências do capitalismo, mas ele não tem uma formação para interpretar as consequências desse sistema. E ele também sofre as consequências do modelo político de representação. Ele não se sente mais representado por nenhum de nós. E ele vai à rua justamente pra protestar contra essas duas coisas sem ter a noção de como ele pode superar uma ou outra. Mas isso não significa que ele não tem razão de estar na rua. Ele tem razão, e várias razões, e uma dela é a saúde.

Se nós observarmos, em 88, quando aprovada a nova constituição brasileira, e 89, o mundo já discutia o modelo neoliberal e avançava pro neoliberalismo e nós estávamos criando um sistema estatal de saúde. De lá pra cá, é uma luta presente: o papel do estado mínimo ou aquele estado com a capacidade de atender aos direitos do cidadão?  E, nessa disputa toda, nós, defensores do SUS, em algum momento, chegamos a perder e muito. Em outros, nós achamos que estava empatando, mas eu acho que ainda continuamos perdendo essa disputa. Por que não é uma disputa simplesmente de economia, mas ideológica.

Essa moçada que está na rua talvez não compreenda essa disputa, mas ele é vítima do resultado dos vencedores, no caso, o modelo neoliberal. Ele necessita de ter atendimento a saúde, ele tem direito a atendimento a saúde e ele não tem atendimento como ele necessita, sem saber por que ele não tem, então ele passa a cobrar. É lógico que quando você não sabe por que não tem, mas cobra, a cobrança se torna mais difícil e a resposta será mais lenta.

A gente está vendo que a questão hoje não é de gestão, mas financeira. Nós precisamos de mais recurso para a saúde para fazer o atendimento. Mas nós temos que fazer também uma disputa ideológica, pois estamos perdendo ideologicamente, não só no modelo de estado neoliberal ou não, mas nós estamos perdendo ideologicamente a questão da saúde pública, tanto no quadro público quanto no privado. Estamos perdendo ideologicamente no sentido de direita e esquerda. Nós estamos perdendo isso e acho que, nos últimos anos, a geração que está sendo formada é uma geração do individualismo, na disputa do mercado, e não uma geração na construção de cidadania. Então o próprio profissional formado, não importa se médico, enfermeiro ou engenheiro, esse profissional vem com uma visão individual e não coletiva. Não com uma visão da construção da coletividade, e sem imaginar que só com o individual jamais terei um bom estado social. Isso tudo levou o descontentamento pra rua e a solução não é fácil não, na minha opinião. Eu tenho que ter tempo, mas só que o primeiro ponto pra eu ganhar nesse tempo é o financiamento. E nesse financiamento é que eu vou fazer financiamento público para servidores públicos para fazer disputa do privado e fazer disputa ideológica do modelo.

A vinda de médicos estrangeiros para o Brasil e o Ato Médico

Dr. Rosinha: Quando o povo foi pra rua, um dos primeiros anúncios que da presidente Dilma foi a questão da vinda de médicos estrangeiros. Eu sou médico profissionalmente e sempre debati a questão da distribuição de médicos no Brasil. Acho que, num dado momento, pelo próprio modelo de sistema de saúde que nos tínhamos, nós tínhamos médicos suficientes. Hoje, pelo modelo, se eu quiser fazer um sistema único de saúde, um bom atendimento na base, um bom atendimento universal, colocando à disposição profissionais pra atendimento universal, está faltando médico no Brasil – e está faltando médico no interior. Acredito que, com um bom programa de interiorização de médicos brasileiros, nós podemos suprir parte dessa falta de médicos, mas é muito difícil suprir tudo. Acho que ao apresentar uma proposta de levar médicos brasileiros pro interior – e eu estou falando disso antes de tomar conhecimento da proposta que o governo vai fazer – essa mesma proposta tem que ser feita para o estrangeiro, caso tenha vaga pra preencher.

Agora, só o médico não resolve, mas ele é a principal pessoa dentro de uma equipe de saúde, principalmente agora, se for a provada a lei do Ato Médico – aí é impossível ter uma equipe sem o médico. Acho que nós teríamos que ter hoje, além do médico, em todos os municípios uma boa equipe multiprofissional de saúde, porque só o médico não vai resolver.

Quanto à questão do ato médico, como foi aprovado no senado, eu entendo que necessita de alguns vetos. Só pra se ter um exemplo muito tranqüilo: para fazer prescrição, por exemplo, olhar pra pessoa e entender que ela é portadora de uma deficiência que vai precisar de uma cadeira de roda, precisar de um médico pra fazer isso, sinceramente, é muita coisa. Eu, aqui na Câmara, me coloquei contrário ao projeto do Ato Médico, que acabou sendo aprovado por acordo de lideranças. Não quero dizer que não precisa de uma lei para dar algumas funções ao médico, podemos precisar desta lei, ou precisamos dessa lei, mas ela não pode ter amplitude que eu impeça outros profissionais de trabalhar ou que outros profissionais só trabalhem se eu o autorizar. Tem que ser feita uma boa análise do projeto pra que todos os profissionais possam trabalhar, até porque nenhum profissional sozinho vai conseguir dar conta daquilo que apresentado pra ele.

Alterações na Lei que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e a internação compulsória

Dr. Rosinha: O Brasil não precisa de nenhuma nova lei ou qualquer tipo de lei para o atendimento à saúde mental a nenhum dos seus cidadãos. A nossa legislação, na minha opinião, já é completa e suficiente. O que falta no Brasil é oferta de serviço e não de lei. Do que me adianta eu dizer: “olha, agora vou criar internamento compulsória pra tirar da rua o usuário de drogas” se, bom, eu não tenho onde levá-lo? Todo e qualquer discurso hoje de internação compulsória, e eu sou contra a ação, é pra tirar das ruas as pessoas, e não pra fazer o tratamento, até porque eu não tenho os espaços adequados para o tratamento. Quando se fala em espaços, como, por exemplo, as comunidades terapêuticas – e existe comunidade terapêutica que pode estar fazendo bom trabalho, mas a informação que tenho é que boa parte delas sequer tem profissionais de saúde pra atender.

Resumidamente, sou contra a internação compulsória, sou favorável ao serviço público de CAPS em todos os sentidos, e que nos pontos de atendimento tenham profissionais preparados pra atender àquele cidadão e cidadã que está em crise e que necessita, seja crise pelo uso da droga ou pelo seu sofrimento mental. Ele tem que ser atendido e que tenha, na retaguarda, alguns leitos para aqueles que precisam do internamento por mais tempo. E, fora isso, quanto ao tratamento, só nos CAPS há o atendimento completo e muito presente. Porque a ideia que se tem é que eu internando vou compulsoriamente curar. O internamento compulsório não é sinônimo de cura. O projeto de lei que está tramitando agora de origem do deputado Osmar Terra é um projeto de lei de punição, de mais punir o usuário do que estar preocupado em recuperar o usuário.

O Estatuto do Nascituro

Dr. Rosinha: Tem parlamentar, independente do partido, que faz da verdade dele a verdade absoluta. Ele vem para o parlamento brasileiro com uma verdade que, na opinião dele é irretorquível e absoluta. E a partir dessa verdade absoluta ele quer fazer dela lei para que todas as pessoas cumpram essa lei. É o caso do estatuto do Nascituro. Aquilo que ele tem como verdade pra ele num relacionamento dele, na família, ele quer que aquilo vire lei e verdade pra todo mundo. Eu sou contra esse tipo de postura parlamentar. Eu não venho ao parlamento para legislar sobre a minha concepção e sobre as minhas verdades. Eu venho ao parlamento para legislar para a construção de cidadania e em busca de justiça. No momento em que se coloca o estatuto do nascituro, ele não constrói justiça, não constrói cidadania, mas sim afronta princípios e concepções de outras pessoas que pensam diferente que ele. Ele tem toda uma verdade e não uma lei, e ao impor a verdade dele, tem que ser questionada, pois não é aquilo que pensa a maioria das pessoas.

O estatuto do nascituro pra mim é fazer com que a mulher seja violentamente agredida. Quer dizer, ela já sofre um estupro, que já é uma violência, se engravidar, essa lei obriga essa mulher, caso identificado o estuprador, a conviver a vida inteira com o criminoso que cometeu o crime contra ela. Livra o criminoso de ser punido e dá a ele um presente que é a liberdade que ele não merece e, enquanto isso, dá à mulher a obrigatoriedade de cotidianamente ser recordada do crime do qual foi vítima. Eu acho isso de uma desumanidade. É desumano o parlamentar que apoia isso.

Projeto de cura gay derrubado nas últimas semanas

Dr. Rosinha: Sobre o projeto da cura gay, eu quero até lembrar que, um deputado um dia – não vou falar o nome -, virou pra mim e disse assim: “Dr. Rosinha, me diga uma coisa: tem como curar imbecis? Se tiver, também vou apresentar um projeto de lei nesse sentido”. Eu acredito que esse deputado quis dizer o seguinte: que esse é um projeto que é uma verdadeira imbecilidade. Além disso, é um projeto que estimula ainda mais a homofobia e o preconceito contra essas pessoas de orientação sexual distinta da minha. É o que eu disse antes: é o deputado que quer fazer da verdade dele a verdade absoluta. Eu olho às vezes com muita tristeza pra esse tipo de deputado, porque penso como deve ser difícil a vida da família dessas pessoas, porque, se ele quer impor pro coletivo maior o que ele tem como verdade, ele deseja muitas vezes impor pra um coletivo menor. Não vou falar de deputado, nem de ninguém, mas há na sociedade muita hipocrisia.

O legislativo e a saúde

Dr. Rosinha: Hoje o legislativo brasileiro tem debatido basicamente, em uma linha horizontal de todos os partidos, a questão do financiamento da saúde. Nenhum dos partidos hoje esquece de fazer esse debate. Acho que esse é o tema predominante. O segundo tema predominante aqui na câmara é a questão da vinda ou não de médicos estrangeiros. Mas eu acho que nos últimos dois meses já diminuiu bastante a resistência sobre este, até porque muitos prefeitos do interior apoiam deputados e tem conversado com esses deputados: “olha, deputado, me arrume um médico, venha ele de onde venha”. E, no Brasil, geralmente não se consegue médicos brasileiros pra ir. Esses dois debates são os mais presentes hoje.

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