Sabíamos que a primeira presidenta da história do Brasil teria uma tarefa árdua pela frente, mesmo se ganhasse com facilidade as eleições presidenciais. Substituir o presidente mais popular da história não é tarefa simples, mesmo que conte com total apoio deste líder.
No campo econômico e social, o governo Dilma não vem comprometendo os avanços conquistados no governo Lula. Mesmo a taxa de juros tendo aumentado no começo do governo, hoje apresenta uma tendência de queda e se dirige para a taxa média mundial. O principal problema do governo Dilma é a política. O país segue com muita lentidão na socialização do poder.
É preciso contextualizar essa dificuldade. Tivemos um segundo turno eleitoral com uma politização à direita através de uma pauta obscurantista e religiosa. Esse movimento dificultou a consolidação de uma agenda progressista do governo Dilma. O resultado disso foi que os representantes religiosos ganharam mais espaço. Por outro lado, a insuficiência de diálogo democrático do governo não conseguiu transmitir à sociedade um debate mais progressista sobre os grandes temas. Muito menos construir projetos nesse sentido.
Na sua estratégia institucional, o governo Dilma tenta diminuir a influência de caciques de partidos da base aliada. Ao que tudo indica, se trata de uma aposta política que altera a forma de relações entre governo e partidos da base. Algo que sempre desejamos que o governo Lula fizesse e que obviamente gera enfretamentos e retaliações.
A ousadia do governo Dilma é mais do que elogiável, devendo ser entendida e apoiada. Porém, o ponto problemático é não fazer o enfrentamento com os setores da direita no plano da cultura política e na afirmação de uma agenda nacional que contribua para isso.
É necessário debater a urgência de uma reforma política, da legalização do aborto, do combate à homofobia e principalmente deixar claro que o neoliberalismo é algo que deve ser rechaçado enquanto projeto. Apesar de ser importantíssimo, não basta dizer que 40,3 milhões de pessoas entraram na classe C e que os países centrais vão mal. É necessário dizer porque isto aconteceu, que a presença do Estado foi fundamental, que os mitos neoliberais da auto regulação do mercado, rechaçados no Brasil e adotados na Europa e Estados Unidos, levou a resultados tão dissonantes em um mesmo período.
A politização das pautas é fundamental, principalmente para se atingir um setor que não estava plenamente convencido da eleição de Dilma, em especial no primeiro turno: a juventude. Travar debates ideológicos e adotar medidas democratizantes nas políticas de livre sexualidade, de drogas e cultura (sexo, drogas e rock`n roll) que mais diretamente ganham a atenção da juventude, em especial a parcela progressista dela. Isso é algo que deveria ser central no governo Dilma e é justamente um dos aspectos mais negligenciados por ele.
Não me refiro especificamente à adoção de políticas públicas para a juventude. Apesar da conservadora adoção da política de internação compulsória de usuários de crack, no geral o governo vai bem nesta área. Trata-se na verdade de entrar com espírito valente para disputar os valores neoliberais hegemônicos desde os anos 90 e bombardeados cotidianamente em nossas cabeças.
Primeiramente é essencial que o governo considere os fatores de poder para além do poder institucional. Neste sentido, a mídia, os movimentos sociais clássicos e os novos movimentos progressistas são agentes fundamentais para esta disputa. Todos estes fatores nos levam claramente à pauta da democratização da comunicação e do acesso aos bens culturais, principalmente através da principal ferramenta de comunicação utilizada pela juventude: a internet.
A política de democratização da internet e o acesso de bens culturais através dela são fundamentais para a disputa de valores da juventude. Não só por quebrar o monopólio da grande mídia empresarial, o debate da democratização da internet, relativização dos direitos autorais e acesso ao livre conhecimento é um debate que em si próprio faz a disputa ideológica contra o neoliberalismo.
Nós jovens adoramos ter acesso a filmes e seriados na internet de graça, baixar músicas gratuitamente, ver clipes no Youtube e principalmente entendemos a tão falada cultura hacker, pois crescemos com ela. Ou seja, se nosso projeto é a democratização dos bens de comunicação e dos bens imateriais por ser claramente antineoliberal, ganhar a juventude para isto não é uma tarefa árdua.
No entanto, o exemplo mais desmobilizador vem justamente de dentro do governo. O Ministério da Cultura, que no governo Lula avançou consideravelmente à esquerda, acabou se tornando o grande defensor dos valores mais neoliberais e que atingem mais diretamente à juventude no governo Dilma.
A ministra da cultura Ana de Hollanda ao proferir a frase de que “a internet, a Pirataria, a circulação livre e sem rigor vai (Sic) matar a Cultura Brasileira” não traduz a verdade, bem como reforça os valores mais neoliberais, dignos do PSDB e do Senador Azeredo, autor do tão combatido projeto de controle da internet, que ganhou o apelido de AI-5 Digital.
A disputa de valores na sociedade – especialmente na juventude – só pode se dar mediante a politização do debate. Devemos reforçar as mídias alternativas e a rede de blogueiros progressistas que contrapõe o poder de legitimação midiática aos quais a direita tem acesso. A adoção pelo governo Dilma de uma nova tática para disputar esses valores deve acontecer imediatamente, antes que seja tarde. Um bom começo seria modificar radicalmente essa política do Ministério da Cultura.
*Clarissa Alves da Cunha é Vice-Presidenta da UNE.