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É preciso reinventar o socialismo do século XXI”

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

COMO FOI FAZER PARTE DA EXPERIÊNCIA DA REVISTA PENSAMIENTO CRÍTICO?

Um grupo de jovens se dedicou ao estudo do marxismo nos anos 60. O leninismo como doutrina oficial do Partido Comunista soviético não correspondia com a produção de um pensamento à altura de nossas experiências revolucionárias.

APÓS A QUEDA DA UNIÃO SOVIÉTICA, VOCÊS PENSARAM QUE O SOCIALISMO PODERIA CAIR EM CUBA?

O grupo foi bastante coerente. Foram poucos os dissensos que se produziram tanto nos anos 70 como mais adiante, nos anos 80 e 90. Todos pensamos que a queda socialista coincidia com algumas de nossas inquietudes, não presumimos que tenhamos prognosticado o que iria acontecer, mas nossas inquietudes eram quanto ao caráter excessivamente escolástico do marxismo soviético implantado a partir dos anos 70 como doutrina oficial. Aí é que desaparece o pensamento crítico e nosso grupo. Não nos reprimiram, mas nos impuseram um limite para exercer o pensamento crítico. Tinha que ser um pensamento único.

E VOCÊS JÁ ERAM MUITO CRÍTICOS DA URSS.

Sim, nosso grupo, que se formou em um departamento de filosofia. Através da reflexão criticando a União Soviética. O Che criticou o modelo de modo mais integral por meio da prática e da política econômica. Não pudemos ter uma vinculação com o Che, porque este já estava envolvido no processo de saída, de dedicação às lutas guerrilheiras. Depois da desintegração do socialismo soviético, desse modelo, há um impacto muito forte no nível mundial nos países que pertenciam a esse sistema. No caso de Cuba é um impacto muito forte em muitos sentidos, em primeiro lugar, no econômico. Demonstrou-se que havíamos desenvolvido uma conexão que nos tornava mais dependentes. A partir de 1986, Cuba não pode honrar seus compromissos de dívida com os países credores ocidentais e se fecharam os créditos em divisas convertíveis, que implicavam 15% dos créditos e se paralisava 30% da economia. Isso fez com que a curva de crescimento cubana fizesse um planalto. A queda cubana começa com a queda do socialismo soviético; por conta disso, aumentou a dependência ineficiente. A capacidade importadora cubana no período 1991-1993 havia caído 80%. Esta queda também implica uma crise de paradigma. Qual é a hipótese do senso comum?

Que o socialismo fracassou.

Que fracassou no centro e que aqui não tem futuro. Há uma crise de paradigma e se suscita um debate sobre a questão de como salvá-lo.

COMO SE PODE RESGATÁ-LO?

É preciso reinventar o socialismo do século XXI. Primeiro, destaco que a solução para os problemas do mundo não passa por outro caminho que não seja o socialismo, o mundo do capital, não. Não pode ser um socialismo construído sobre os padrões do século XX. É preciso repensá-lo sobre a realidade que estamos vivendo. Retornar a Marx e estudá-lo criticamente. Mas Marx não nos dará a resposta a esta problemática,   nem Fidel. A nova geração tem a obrigação de reagir diante dos desafios que a história coloca. Temos que viver o socialismo sobre uma base de reinvenção contínua, e estar dispostos a aplicar correções e experimentos.

QUE DIFERENÇA DE LIDERANÇA HÁ ENTRE OS IRMÃOS CASTRO?

Não há diferença ideológica, os dois são afins a um mesmo projeto de transformação revolucionária. A revolução cubana teve quatro figuras: Fidel, Raúl, o Che e Camilo Cienfuegos. Raúl talvez não tenha o gênio político de Fidel, mas é mais pragmático e mais administrativo. Raúl está disposto a avançar em um processo de reformas que flexibilize a estrutura da economia.

RAÚL DISSE HÁ POUCO QUE O GOVERNO QUER REDUZIR O EMPREGO PÚBLICO E FOMENTAR O TRABALHO POR CONTA PRÓPRIA. PODERIA HAVER MUDANÇAS SUBSTANCIAIS NA ILHA?

Houve muita reticência em avançar em um processo de reformas para um padrão de eficiência socialista. O padrão capitalista, pelo contrário, submete tudo ao lucro. Às vezes, há um excesso de prudência nos dirigentes cubanos.

PRUDÊNCIA NAQUELES QUE FIZERAM A REVOLUÇÃO FRENTE AO IMPÉRIO? A PRUDÊNCIA LHES VEIO COM OS ANOS?

Creio que sim. Dez anos me separam dos protagonistas. Teria que ter havido um processo mais seguro, mais confiável, mais sistemático de relevo geracional que não houve. Vemos que os mesmos líderes seguem governando e que continua se armando o aparelho sobre a base de uma presença muito forte da liderança dos anos 60.

QUANDO APARECEM JOVENS, SÃO AFASTADOS. O EX-CHANCELER FELIPE PÉREZ ROQUE E O EX-VICE-PRESIDENTE CARLOS LAGE FORAM OBRIGADOS A RENUNCIAR NO ANO PASSADO…

Essas decisões estiveram vinculadas a atos de corrupção ou enriquecimento indevido.

CUBA CONTINUA A TER PROBLEMAS ECONÔMICOS FUNDAMENTAIS. POR QUE NÃO PODEM SER RESOLVIDOS?

A economia cubana tem um problema de desestruturação muito forte que é resultante da queda do campo socialista gerado pelo desamparo e o isolamento, combinado com as reformas que ao mesmo tempo geram correção e se superpõem com as anomalias. Tudo aquilo que possa não ser administrado pelo Estado tem que começar a encontrar as formas de outras estruturas. Vai-se rumo à racionalização de postos de trabalho na administração pública e à abertura de setores de pequenas e médias empresas, a formalizar tudo aquilo que não tem por que estar nas mãos do Estado. Isso vai contribuir para balancear o desemprego. Creio que é preciso avançar em processos mais efetivos de cooperativização. Propriedade familiar em alguns casos, cooperativas em outros.

No interior do país é preciso desenvolver as vias de uma propriedade comunitária local que também seja descentralizada e permita que os lucros fiquem e contribuam para o Estado com os impostos. Deveria se gerar um sistema de impostos com espírito socialista, conseguir que os que geram mais ingressos contribuam mais. O contrário do que acontece no capitalismo, onde o Estado costuma não tocar nos ricos para que se mantenham felizes e aperta os de baixo. Até que ponto Raúl tem um leque de soluções? Isso não sei. Até que ponto vai ter margem e tempo para aplicá-las? Também não sei.

PARA UM CIDADÃO CUBANO, O QUANTO DÁ UM SALÁRIO PARA VIVER?

A economia cubana é muito sui generis, tem virtudes e irregularidades. Cria muitos amparos. O salário cubano significa muito pouco em termos monetários. Para ter uma alimentação básica existe uma cobertura, que diminuiu com as limitações produtivas. O cubano vive com 30 ou 40 dólares por mês, mas não tem que pagar nem se preocupar com a saúde e a educação; os serviços básicos como a água e o gás custam muito pouco. E penso que as gratuidades poderiam ser diferenciadas. E que alguns serviços, por exemplo, uma cirurgia estética como a implantação de mamas, poderia ser paga. O Estado criou um procedimento que é muito difícil de custear. Mas agora, dar marcha à ré é algo que a população não vai querer: não pagar a saúde ou a educação é visto como um direito inquestionável.

POR QUE NÃO É POSSÍVEL LER MEIOS ALTERNATIVOS DE COMUNICAÇÃO NA ILHA?

Não estou de acordo em que não haja outras vozes, não é preciso ter medo do confronto. Deve-se poder defender as posições que se tem. Os cubanos se inteiram às vezes do que passa no país pela imprensa estrangeira. Mas os dirigentes não veem as coisas dessa maneira. É uma política que eu mudaria.

O QUE ACHA DO SOCIALISMO DO SÉCULO XXI VENEZUELANO?

São os dez primeiros anos em que Chávez faz um esforço para manter sob controle do Estado os setores empresariais, para afirmar um esquema de apoio popular para o sistema que está aplicando e para aplainar um caminho para uma possível sucessão. O projeto venezuelano está em uma fase inicial, não é exato, não se parece com outros, como os projetos que há na Bolívia e no Equador.

 

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Às pessoas que desejam acompanhar os debates travados em Cuba sugerimos os seguintes sites cubanos:

Granma – Saite do órgão do Comitê Central do PC de Cuba
http://www.granma.cu/
Cuba Debate – Contra o Terrorismo Midiático
http://www.cubadebate.cu/
La Ventana – Portal Informativo da Casa de las Americas
http://laventana.casa.cult.cu/
La Jiribila – Revista de Cultura Cubana
http://www.lajiribilla.cu
Cuba Siglo XXI – Informação e Analise da Realidade Cubana
http://www.nodo50.org/cubasigloXXI/
Ocean Sur – Una Editorial Latino-americana
http://www.oceansur.com/
Centro Memorial Martin Luther King Jr.
http://www.cmlk.com/

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