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Em Fortaleza, recuperação do Pirambu é emblemática

240669A revista Teoria e Debate publica uma série de reportagens sobre experiências inovadoras de administrações municipais petistas. Neste texto, o foco é a Prefeitura de Fortaleza, administrada há quase oito anos pela companheira Luizianne Lins.

A jornalista Cecília Figueiredo faz um resumo da administração petista tomando como exemplo a recuperação da região do Pirambu, projeto que conta com uma série de elementos do modo petista de governar, como a participação popular, a inversão de prioridades e uma política habitacional voltada para a população local e não para a especulação imobiliária. 

 

Por Cecília Figueiredo, publicado na revista Teoria e Debate

Numa das mais belas faixas litorâneas de Fortaleza (CE), encoberta por mais de cinco décadas de pobreza, descaso governamental, degradação ambiental e violência, vem se consolidando um dos mais emblemáticos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no país. O Projeto Vila do Mar, como foi batizado pela gestão da prefeita Luizianne Lins, com dimensões ambiental, social e econômica, reafirma a capacidade do modo petista de governar de inverter prioridades, por meio da urbanização e requalificação de 5,5 quilômetros do litoral oeste da capital cearense.

As obras de urbanização abrangem as praias da Barra do Ceará, Cristo Redentor e Pirambu, bairros que formam o Grande Pirambu. Aprovado em 2005 no Orçamento Participativo (OP), o projeto prevê investimentos de R$ 184,2 milhões, provenientes do PAC, do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e de uma parceria com o governo do estado. “Esse é um projeto grandioso, ousado e caro. Na verdade, estão sendo investidos R$ 101 milhões do governo federal (PAC e FNHIS), R$ 27,7 milhões de uma parceria com o governo do estado do Ceará e R$ 55,5 milhões de contrapartida da Prefeitura de Fortaleza. Já estamos com todos os recursos garantidos e assegurados”, detalha Luizianne.

A ação era esperada havia mais de cinquenta anos pelos moradores do Pirambu. “Era um grande trecho da nossa orla que estava invisível aos olhos do poder público. O que estamos fazendo com o Vila do Mar demonstra a opção do nosso governo de priorizar a população mais pobre e em situação de risco”, diz a prefeita. Há mais de setenta anos no Pirambu, o morador e conselheiro do projeto José Maria Tabosa afirma: “Antes, olhávamos o mar de costas, hoje podemos olhar de frente”.

O projeto vem sendo discutido com a comunidade desde o princípio. “Quando assumimos, em 2005, fizemos uma escuta da comunidade – donas de casas, jovens, pescadores, trabalhadores em geral – e preparamos um projeto que atendesse às necessidades reais daquela população, que lutava por moradia digna e qualidade de vida”, diz Luizianne. “Por isso, a metodologia e a concepção de intervenção utilizadas no Vila do Mar privilegiam o espaço para habitação popular, e não para especulação imobiliária. Além das casas, proporcionamos aos moradores infraestrutura urbana, opções de lazer e espaços de convivência.”.

A fase de planejamento e captação de recursos foi iniciada em 2006 e a previsão é de que o projeto seja concluído até o final de 2012. O projeto tem o acompanhamento de um conselho gestor, constituído por técnicos da prefeitura e representantes de diversos segmentos organizados dos bairros envolvidos. “O Conselho Gestor é formado por 25 representantes, doze governo e treze da comunidade. Em reuniões sistemáticas, a coordenação do projeto e o Comitê Gestor sugerem ajustes e implementam novas propostas de ação para atacar problemas históricos como segurança pública, desemprego e falta de qualificação profissional”, acrescenta Rocicleide Silva, coordenadora da ação de governo.

Maria Gesimar Brito de Oliveira, uma das primeiras moradoras da praia do Pirambu, destaca a característica humanizada do projeto. “Antes eles (governos) vinham, ofereciam o que queriam e jogavam as pessoas para longe. Muita gente acabou morrendo de tristeza. Hoje é diferente, esse projeto foi construído com o povo, o governo Lula, do estado e de Fortaleza. Foi a melhor coisa que aconteceu. É um projeto que está beneficiando todo mundo. A praia hoje é linda.”

De lixão e desova de corpos à rota turística

No território, segundo Rocicleide, não havia até 2008 beira de praia. A faixa litorânea era utilizada para jogar lixo e para a desova de até oito corpos por fim de semana.

As intervenções na infraestrutura de 3 dos 5,5 quilômetros de área propiciaram uma nova praia que vem ganhando espaço na rota turística da cidade e elevando a autoestima de quem vive no Grande Pirambu. Já foram entregues avenida em paralelepípedo, calçadão em pedra cariri, praça de convivência, quadra esportiva, mirante, iluminação pública, a reforma de quatro espigões e um quinto já está em construção.

Na opinião de Tabosa, o cenário do Pirambu começou a mudar a partir de 1958, quando os moradores, apoiados pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e pela Igreja Católica, passaram a se organizar. Mas o salto de qualidade só ocorreu no governo petista. Nascido e criado na região, como faz questão de frisar, o sapateiro aposentado, que participou da marcha de 1962 para impedir a expulsão dos moradores, liderou greves e ficou preso durante a ditadura militar, resgata em seu livro Vivências, Luta e Memórias: Histórias de Vida de Lideranças Comunitárias em Fortaleza um passado de muita pobreza e desprezo pelos governos.

“De 1958 até aqui nunca havíamos tido um olhar para nós. Com a administração de Luizianne tivemos o OP, que nos fez conhecer o que é orçamento federal, estadual e municipal, para onde se destinam as verbas. E foi nele que aprendemos a conseguir um projeto coletivo, que nos beneficiará com educação, cultura, esporte, emprego e renda. O OP foi a maior vitória, e por isso nós aprovamos o Vila do Mar e a regularização fundiária. Uma das maiores conquistas, porque, quem detém conhecimento, detém poder”, avalia.

Migrante de Massapê, que também marchou em 1962, Maria Gesimar reforça a ação corajosa da prefeita “de entrar de corpo e alma nas periferias” e inaugurar uma nova prática de ocupação da área litorânea, que considera a inclusão e promoção da população residente na área.

Operária aposentada da indústria de beneficiamento de castanha de caju, militante das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), ela lembra das dificuldades que viveu com a seca, a fome e a luta por moradia desde os anos 1940, quando chegou com a mãe e doze irmãos ao Pirambu. Embora tenha conquistado o Decreto Lei nº 1.058 de desapropriação das terras da região, aos 77 anos, a líder comunitária é também conselheira do Vila do Mar e segue na luta pela conquista do “papel da casa”.

Luizianne destaca ainda o caráter transversal dos diversos projetos e programas da Prefeitura de Fortaleza. “São muitas ações em conjunto, especialmente nas áreas de geração de renda, políticas habitacionais, acessibilidade, enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes. Cito ainda intervenções nos segmentos de segurança pública, saúde, meio ambiente, controle urbano, participação popular, assistência social, apoio às comunidades tradicionais e à cultura. É um projeto de imenso impacto social.”

Formação, geração de emprego e renda

O Vila do Mar vem beneficiando diretamente 35 mil pessoas e indiretamente cerca de 300 mil, na sétima região mais adensada do Brasil e a primeira do Ceará. De acordo com os moradores, também está abrindo um novo eixo para a geração de emprego e renda em Fortaleza.

As obras contam com 70% de mão de obra do próprio território e o projeto prevê ações de capacitação e qualificação profissional em vários segmentos. Nas reuniões do Conselho Gestor com moradores, pescadores, barraqueiros, surfistas, artesãs e culinaristas, entre outras categorias, são planejados cursos e projetos sociais voltados ao estímulo ao empreendedorismo e ao turismo comunitário. Para tocar essas ações complementares, a coordenação do projeto firmou parcerias com as Secretarias de Cultura, Direitos Humanos, Turismo, Assistência Social e Desenvolvimento Econômico do município.

Josenilda Silva de Morais conta que só a partir da iniciativa da prefeitura o grupo do qual faz parte, o Mulheres Empreendedoras, com mais de vinte anos de existência, passou a ser reconhecido. “Antes, tínhamos medo de expor nossa produção pela falta de licença. Constituímos a Associação de Mulheres Empreendedoras, obtivemos o apoio da prefeitura para trabalhar em todo o estado e hoje já somos reconhecidas em todas as feiras de Fortaleza, com o comércio de artesanato, confecção e gastronomia.”

Nilda também comemora o investimento na qualificação das mulheres do grupo. “Fizemos cursos de manipulação de alimentos, empreendedorismo e higiene. Agora estamos esperando o de cozinheira. Aprendemos como vender, como atender o cliente. Estamos nos qualificando.” Segundo ela, todo fim de semana há uma feira para participar em Fortaleza. “Essas mulheres que estavam desempregadas hoje ajudam na renda familiar”, acrescenta.

Para os pescadores artesanais foi construído um novo ponto de ancoradouro – espigão – para as jangadas. Os barraqueiros estão ganhando novos quiosques, que seguem as normas da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e da Vigilância Sanitária. Os surfistas já planejam uma oficina de produção de prancha e de confecção de roupas esportivas. “Estamos apoiando a articulação de uma cooperativa com 120 costureiras”, diz Rocicleide, que vê no surfe um apelo forte para o enfrentamento do tráfico, além do aspecto econômico.

Segundo Marcos Alexandre Nascimento da Silva, surfista e presidente da Associação do Surf da Praia do Mero, o Vila do Mar possibilitou retomar iniciativas abandonadas por conta do aumento da violência e uso de crack. “O projeto trouxe a proposta de trabalharmos o surfe, o turismo comunitário e a prática do mergulho. Um jovem que pesca lagosta pode se tornar um instrutor de mergulho. Nosso objetivo é trabalhar na comunidade e também despertar atletas que, a exemplo de outros que formamos nessa faixa litorânea, possam disputar campeonatos nacionais e internacionais”, esclarece Marcos. A associação tem em média cinquenta meninos, a partir dos 6 anos de idade.

Numa parceria com a Prefeitura de Fortaleza, o Instituto Camargo Corrêa e o BNDES, a Coopersurf recebeu um terreno para a construção da oficina de pranchas e roupas. Enquanto a obra é iniciada, o grupo de cooperados está se capacitando em cursos de produção, administração e comercialização, oferecidos pelo Sebrae. “No futuro queremos exportar profissionais para qualificar outros nessa área”, planeja Marcos.

Política habitacional

A prioridade do Vila do Mar é manter a população na área para que usufrua dos benefícios gerados pelo projeto. Apenas os habitantes de áreas de risco e de preservação ambiental permanentes serão reassentados. “Já iniciamos as obras do segundo trecho do Vila do Mar. São duas frentes de trabalho aceleradas! As obras dos conjuntos habitacionais, com 1.434 novas unidades, e as melhorias habitacionais para 1.650 famílias. Entregaremos ainda o ‘papel da casa’, de regularização fundiária, a 7.010 famílias”, pontua Luizianne Lins.

As famílias retiradas de seis áreas de risco, ao longo do litoral oeste da cidade, serão reassentadas em quatro conjuntos habitacionais, edificados na Avenida Francisco Sá, a cerca de 2 quilômetros das praias. Já foram transferidas 264 famílias residentes na área de risco do Cristo Redentor, cerca de 1.320 pessoas, para o primeiro conjunto habitacional do Projeto Vila do Mar, Padre Hélio Campos, construído próximo a hospitais, escolas e polos de comércio e serviços.

Segundo Rocicleide, outras 846 famílias foram indenizadas ou retiradas da faixa de praia. O critério para a melhoria do imóvel é a “habitabilidade. Para isso, uma equipe de pesquisadores realiza visitas domiciliares para reelaborar o Boletim de Informações Cadastrais (BIC) de 2007. Conforme as condições dos imóveis, aspectos urbanísticos da área e perfil sociocultural e econômico das famílias, são feitas intervenções na unidade habitacional.

Recomposição ambiental

A recuperação da faixa litorânea prevê praias com larguras adequadas à balneabilidade e ao lazer.

As encostas de praia vêm recebendo o plantio de vegetação, para combater a erosão, enquanto estruturas de pedras ajudam a estabilizar o terreno arenoso. Para a despoluição das praias e mananciais hídricos da região, estão em curso a ampliação da rede de drenagem e a desobstrução de canais e galerias pluviais, com implantação de 3 quilômetros de rede de esgotamento sanitário.

Valorização dos pescadores artesanais

O Vila do Mar dedica especial atenção aos 434 pescadores artesanais do litoral oeste de Fortaleza. O segmento é ouvido através de contato permanente com a Colônia Z-8 e suas capatazias das Casas Novas, Marinha e Arpoador. No diálogo, são partilhadas as ações do projeto que beneficiam diretamente esse segmento.

Para fortalecer a categoria, o projeto está construindo, na proximidade de cada atracadouro de jangadas, pontos de apoio para os pescadores abrigarem seus instrumentos de trabalho e realizarem reforma e manutenção de embarcações. Faz parte ainda do projeto a construção de três capatazias e a sede da Colônia Z-8 na Barra do Ceará.

Emblemático

No balanço de Rocicleide, o sucesso do Vila do Mar é maior que as dificuldades. “É um projeto emblemático, porque altera um lado de nossa cidade. Tradicionalmente, o lado leste é dos ricos e o oeste dos pobres.”

O ordenamento do litoral oeste da capital é considerado, por muitos especialistas, uma das maiores ações habitacionais e urbanísticas da história do Ceará. Na opinião do filósofo húngaro István Mészáros, que no final de fevereiro esteve em Fortaleza e visitou o Pirambu, “uma verdadeira revolução”.

Para a líder comunitária Gesimar, “é nossa história de luta. O Padre Hélio Campos dizia pra gente nunca deixar que nos tirassem daqui, e continuo defendendo nosso direito ao Pirambu.” E acrescenta: “Fico irritada quando chega correspondência com o nome do bairro Nossa Senhora das Graças. O nome daqui é Pirambu (do tupi-guarani, peixe-roncador).”

*Cecília Figueiredo é jornalista.

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