O acesso dos jovens brasileiros ao ensino superior é sem duvida nenhuma uma das principais preocupações para fazer do Brasil a potência econômica, científica e tecnológica que se espera para o próximo milênio. Entretanto, este é um debate cheio de controvérsias e, infelizmente, não se dá o destaque ao que realmente deve ser o principal objeto de discussão.
Ana Maria Ribeiro *
Poucos sabem que existem hoje 2,8 milhões de vagas no ensino superior para apenas 2,2 milhões de jovens que concluem o ensino médio (dados Censo INEP/MEC 2007), sendo que nas instituições de ensino superior públicas são ocupadas 91% das vagas, e apenas 47% nas privadas, ou seja, 1,5 milhão de vagas ociosas. Das 4 milhões de crianças nascidas no Brasil – matrículas em 2007 na 1ª série(2º ano) – perderemos metade ao longo do processo educacional, com apenas a outra metade concluindo o ensino médio e, portanto, apta ao acesso ao ensino superior, se medidas concretas não forem adotadas. Projetar o Brasil do futuro é dobrar o contingente de vagas no ensino superior, mas com políticas de permanência de nossos jovens nas escolas que garantam a obrigatoriedade escolar, pública e gratuita, até os 17 anos (EC 59/2009).
Apesar de o sistema de ensino superior brasileiro oferecer mais vagas do que a demanda, verificamos que a mesma não é atendida. Diferentemente do que se pregou ao longo das últimas décadas com relação à educação básica, no ensino superior é a escola pública que detém a qualidade e a confiança da população para uma formação capaz de possibilitar uma real qualificação e posição na sociedade. Sem investimento concreto em ensino, pesquisa, extensão, assistência estudantil e pessoal qualificado, e bem remunerado, não se constrói ensino superior para uma nação. Outra questão importante é a concentração de vagas em cursos como administração, Direito, pedagogia, ciências contábeis e uma forte concentração de candidatos em cursos ditos imperiais – medicina, Direito e engenharia. Há um enorme desconhecimento dos jovens das inúmeras alternativas de atuação profissional e necessárias para uma sociedade, pelo distanciamento do ensino médio do mundo do trabalho, voltado que é para passar no vestibular – teoria distante do mundo real.
No atual contexto em que o governo Lula tem investido concretamente no resgate da educação superior pública com o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e recuperação salarial do pessoal docente e técnico-administrativo, a proposta do Novo Enem se apresentou como um processo importante de constituição do sistema público superior. A existência de um exame aplicado nacionalmente, mesmo dia/hora, sem as características dos tradicionais testes múltipla escolha (decoreba de fórmulas e macetes), acenou para a maioria das instituições federais de ensino superior com a possibilidade de ter um padrão nacional. Em vários países na Europa há um exame nacional coordenado pelo respectivo ministério e cada universidade apresenta seus pré-requisitos para acesso exigindo uma nota mínima e máxima de acordo com o curso procurado (vide http://www.dges. mctes.pt). Portanto, por mais contratempos que a adoção desse processo em 2009 tenha trazido aos jovens brasileiros, não temos dúvida de que este processo conduzirá a uma maior transparência dos cursos, das vagas e das possibilidades de acesso a todos os jovens. De norte a sul do país, um jovem poderá saber suas reais possibilidades de acesso a um curso superior público e, através da pagina do Ministério da Educação, conhecer todo o sistema publico de ensino.
Entretanto, erra o Ministério da Educação em fazer o papel da universidade pública que pela Constituição e pelo previsto nos seus estatutos é quem deve selecionar seus alunos, realizar sua matrícula. A criação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) extrapola as funções do ministério e pode trazer sérios prejuízos ao sistema como um todo.
A primeira grande preocupação é questão regional. Com mais de 40% dos concluintes do ensino médio na região Sudeste, com maioria esmagadora no estado de São Paulo, corre-se o sério risco de a maioria das vagas dos cursos mais procurados, como medicina, ser ocupada por jovens de São Paulo. A experiência no Rio de Janeiro quando o acesso era unificado e organizado pela Cesgranrio, era de que metade dos alunos do curso de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro era de São Paulo.
A outra é a ocupação das vagas em função de as diferentes universidades terem processos de acesso que não se limitam ao Enem. Concretamente, a UFRJ, que ousou em 1988 construir um processo de seleção totalmente discursivo que influenciou positivamente o ensino médio do Rio de Janeiro, garantindo uma juventude que dá as maiores notas do Enem no país, decidiu por usar o Enem como uma primeira etapa, mas continuará aplicando suas provas discursivas – apenas as específicas. Os processos de escolha pelo Sistema de Seleção Unificada – UNI-Rio e UFRRJ – poderão sofrer sério revés quando da divulgação da classificação da Universidade Federal Fluminense e da UFRJ.
Independentemente dos problemas com calendário que ocorreram este ano (gripe H1N1 e adiamento do Enem), não temos duvidas sobre a importância que o Novo Enem tem para a democratização do ensino superior a médio e longo prazos. Infelizmente, o Sistema de Seleção Unificada poderá ser um freio nesse processo, criando distorções.
Uma alternativa importante seria a criação de banco de dados com a nota máxima e mínima (corte) de ingresso em todos os cursos das instituições federais de ensino superior, possibilitando aos jovens melhor dimensionar suas chances de acesso nos mais variados cursos oferecidos pelo país a fora.
* ANA MARIA RIBEIRO é presidente da Comissão de Vestibular do Conselho de Ensino de Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Artigo publicado no jornal “O Globo”.