Dr. Rosinha*
Em bairros como Batel e Jardim Social, o rendimento médio dos chefes de família chega a ser até 15 vezes superior ao valor médio dos bairros mais pobres. Enquanto o do Batel recebe R$ 8.839 por mês, o do Tatuquara, por exemplo, dispõe de R$ 798.
Não fosse pelo processo de expulsão contínua de faixas de menor poder aquisitivo – cada vez mais empurradas para as cidades da região metropolitana – , essa incrível disparidade dos indicadores sociais entre os bairros de Curitiba seria ainda mais gritante.
Afinal, quantas Curitibas diferentes existem? Como se dá o acesso aos serviços públicos, aos bens culturais, aos bens de consumo, ao esporte, ao lazer, em cada região da cidade?
De “capital ecológica” à “cidade da gente”, passando pela “capital social”, o que vemos em Curitiba é uma gestão municipal dominada, há décadas, por um mesmo grupo político-econômico. Um grupo hoje já envelhecido que, com seus sucessivos slogans vazios, produziu o mito de “cidade modelo” ou “de primeiro mundo”. E não muito mais do que isso.
Um mito alimentado pela propaganda, materializada na figura de Jaime Lerner, desde quando prefeito biônico, durante a ditadura militar. Autointitulado “pai” de uma Curitiba supostamente “moderna”, nem mesmo as vias “rápidas”, no entorno das canaletas, foram uma obra de sua autoria. O projeto, na verdade, é da década de 1960, anterior à primeira gestão do ex-prefeito.
Desde quando uma cidade que detém os indicadores de violência de Curitiba pode se intitular “modelo”?
A taxa de homicídios por habitante em Curitiba (56,5 a cada 100 mil) é quase quatro vezes maior que a de São Paulo (14,8). E quase o dobro da do Rio de Janeiro (31).
Entre os anos de 1998 e 2008, o total de homicídios na capital do Paraná triplicou –passou de 352 para 1.032. Nesses dez anos, a cidade passou de 18ª para 6ª entre as 27 capitais do país com maior proporção de homicídios por habitante.
Pasme-se especialmente com este dado: Em 2008, morreram mais jovens de 18 a 24 anos de idade assassinados em Curitiba (428) do que em São Paulo (423), apesar de a capital paulista ter uma população mais de seis vezes maior.
Diante de tamanho quadro de degradação, é preciso envolver as universidades e o conjunto da sociedade de Curitiba para debater políticas públicas de segurança. Estimular a prática esportiva e o acesso à cultura nos bairros. Investir mais em educação, saúde e assistência social.
Além da segurança, a população de Curitiba sofre pela ausência de políticas públicas em uma série de outras áreas.
As mesmas estações-tubo e seus expressos bi-articulados, tão fotogênicos em cartões postais e propagandas, são demonstrações diárias de ineficácia, lentidão e superlotação para quem os usa.
Certamente a cúpula da Urbs não costuma (tentar) embarcar num Santa Cândida-Capão Raso às seis da tarde em plena Estação Central. Ou um Inter 2 às sete horas da manhã. Não precisa esperar, sob chuva, a fila do expresso ou do ligeirinho, do lado de fora do tubo. Ou se postar como verdadeira sardinha, isso tudo pagando uma tarifa de R$ 2,50, um verdadeiro assalto.
Na falta de uma integração inteligente, uma só pessoa paga até R$ 10 por dia para trabalhar, caso tenha que pegar dois ônibus fora de terminais. Com a bilhetagem eletrônica, como a prefeitura ainda cobra uma nova passagem de alguém que apenas atravessa a rua, de um tubo para outro, como no caso da praça Eufrásio Correia?
Até quando vamos esperar para abrir a planilha de custos da Urbs, colocar para funcionar um conselho de transporte, implantar uma integração temporal, instituir o passe-livre para os estudantes? Não queremos uma auditoria apenas nos radares, mas em toda a Urbs.
O déficit habitacional em Curitiba é estimado em 60 mil casas. Enquanto isso, dos 634 mil domicílios da cidade, apenas 565 mil estão ocupados. O ritmo de legalização das cerca de 200 áreas irregulares de Curitiba é lento. É preciso, entre outras coisas, destinar ao menos 2% do orçamento da prefeitura para a área. E desestimular cada vez mais a especulação imobiliária.
No serviço público, Curitiba precisa recuperar as perdas salariais dos seus servidores, realizar mais concursos, administrar com transparência, valorizar o funcionalismo. Acabar com o nepotismo — o direto e o cruzado. E combater as terceirizações. Quanto Curitiba gasta por mês com cada ambulância alugada, por exemplo?
Na educação, é urgente ampliar de 25% para 30% o percentual de verbas para a educação. Milhares de mães não conseguem vagas em creches. Além de construir novas creches, é preciso reduzir o número de alunos por sala, uma forma de melhorar a qualidade do ensino.
A Prefeitura de Curitiba fechou na última década quatro dos seus cinco cinemas públicos. Algumas reformas e promessas de reabertura já duram até sete anos, como no caso do Cine Guarani, no Portão. Aplicar 1% em cultura é o mínimo. E instalar equipamentos culturais nos bairros, uma necessidade urgente.
Curitiba é a capital do país com o maior percentual de moradores em situação de rua em relação ao total da população. Seriam cerca de 2,8 mil pessoas nessa condição, conforme o levantamento mais recente do Ministério de Desenvolvimento Social.
Com exceção talvez do Rio Passaúna, todos os rios da cidade estão mortos. Cadê a ênfase na coleta seletiva, com apoio a cooperativas de catadores? Cadê o estímulo ao uso de energias alternativas? A gestão transparente dos contratos e dos aterros sanitários?
Na saúde, o que se vê são filas e demora no atendimento nas unidades, consultas especializadas marcadas para depois de um ano, deficiência nos programas de saúde mental. É preciso democratizar os conselhos de saúde, hoje cooptados, implantar a jornada de 30 horas, ampliar o programa saúde da família.
Falta uma política pública em Curitiba voltada às mulheres, não apenas na área de violência, como na saúde e na geração de renda, entre outras.
No trânsito, o que se vê são congestionamentos e a falta de incentivo a transportes alternativos como a bicicleta. O pedestre não é prioridade. As calçadas estão abandonadas e as ruas de antipó, esburacadas. Por que não construir estacionamento públicos nos terminais de ônibus, para veículos e bicicletas? Por que as ciclovias e ciclofaixas não vão dos bairros ao centro, mas apenas entre parques? Cadê a fiscalização da emissão de gases poluentes, a começar pelos ônibus do transporte coletivo?
Se não é possível pensar Curitiba sem pensar a Região Metropolitana, tampouco é possível seguir administrando a cidade sem de fato ouvir e envolver os seus cidadãos em todos os processos de decisão.
Participação popular é algo que vai muito além do discurso fácil e das audiências públicas que, na verdade, não passam de formalidades legais que nada mais são do que meras caixas de sugestões.
No que um Legislativo submisso à prefeitura contribui com a participação popular? Reclama-se muito do Sarney, mas o que dizer de um Derosso que preside a Câmara Municipal há quase uma década e meia, de forma ininterrupta?
Curitiba precisa de uma boa dose de humildade, de renovação e vitalidade. Não se trata de negar os avanços, mas de denunciar os problemas e apontar soluções. Chega dos discursos fantasiosos de que estamos no topo de todos os rankings. Chega das mesmas famílias se alternando e colocando seus descendentes no poder. Chega dos cartéis e das máfias dos radares, dos táxis, do lixo, dos ônibus, dos carros alugados. Curitiba não é uma capitania hereditária.
Pés no chão mas com olhar no horizonte, do Cachoeira ao Caximba, da CIC ao Cajuru, os curitibanos querem políticas públicas universais, mais democracia direta, mais envolvimento, mais respeito. O futuro da cidade não deve mais ser planejado e construído entre quatro paredes, por equipes de pretensos iluminados, mas de forma compartilhada e coletiva. Sem mitos, por muitas mãos. Com pluralidade de vozes a participação efetiva dos trabalhadores, que são de fato quem constrói a cidade. Embora nem sempre usufruam dela.
* Dr. Rosinha, médico pediatra, é servidor da Prefeitura de Curitiba. Exerce o mandato de deputado federal. É pré-candidato a prefeito pelo PT. Fonte: http://drrosinha.com.br/curitiba318.