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Entreguismo sem limite | Mateus Mendes de Souza

O desgoverno Temer é um crime continuado de lesa pátria. Do ponto de vista interno, destruição econômica, privatizações, retorno da escravidão, contrarreformas, repressão. Do ponto de vista externo, entrega do pré-sal, destruição do programa nuclear e o pior dos pesadelos de todos que, comprometidos com o Brasil, pensaram política externa e defesa: a presença militar dos EUA na Amazônia brasileira.
 
A mais recente página infeliz de nossa história está sendo escrita essa semana. Esta semana ocorre o Amazonlog17. Um exercício militar em solo brasileiro mas cujo nome já entrega que não se trata de algo nosso.
 

Amazonlog17, a fábula

O Amazonlog17 é um exercício militar conjunto das FFAA de Brasil, Colômbia, Estados Unidos e Peru na tríplice fronteira entre os países amazônicos, no coração da Amazônia. Haveria 30 militares estadunidenses desarmados, observadores.
 
Seu objetivo oficial é montar “uma Base Logística Internacional composta por Unidades Logísticas Multinacionais Integradas (ULMIs) que serão adestradas no apoio à civis e efetivos militares empregados em regiões remotas e desassistidas, como, tipicamente, ocorre em Operações de Paz e de Ajuda Humanitária”[1].
 
O evento é apresentado como uma ótima oportunidade de negócios e tem entre seus patrocinadores e palestrantes gigantes da indústria bélica nacional e internacional: Taurus (Brasil), CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos), IAI (Israel Aerospace Industries), Norsafe (EUA), Sigma Consulting (Itália).
 

O lugar da Amazônia na política externa e defesa brasileiras

A Amazônia sempre figurou entre as prioridades estratégicas do Estado brasileiro, fosse nos assuntos de relações exteriores ou de defesa.

Para não recorrer à consolidação das fronteiras – que perpassam desde o período pombalino e todo o Império, chegando até a República –, sempre com enorme zelo pela nossa fronteira amazônica, vale a pena observar os casos mais notórios da República. Nesse caso, o caso do Acre é, sem dúvida, o mais emblemático.
 
A visão historiográfica dominante, mesmo em setores da esquerda, trata a questão acreana como um caso de imperialismo brasileiro, no qual o território teria sido tomado violentamente da Bolívia. Não obstante, a questão de fundo não era com a Bolívia, senão com os Estados Unidos.
 
No final do século 19 teóricos geopolíticos estadunidenses produziam teses nas quais defendiam que Washington considerasse o Amazonas como extensão do Mississipi. O que significaria usar a Bacia Amazônica como vetor para um novo ciclo expansionista. Foi nesse contexto que La Paz assinou, em 1901, um contrato com o Bolivian Syndicate, empresa que tinha entre os sócios um primo do presidente Ted Roosevelt (1901-09). Por esse contrato, a Bolívia concedia ao Bolívian Syndicate o direito de administração, colonização e exploração da região do Acre por trinta anos.
 
Acertadamente, o Brasil fechou a navegação desde a foz do Amazonas, o que sufocou e inviabilizou a realização do contrato. Não podendo pagar a multa contratual com o Bolivian Syndicate e tampouco solucionar o impasse por meios diplomáticos ou militares, a Bolívia pediu ajuda dos EUA para garantir o contrato. O resultado é conhecido de todos: o Acre passou a integrar o território nacional. Não foi, portanto, contra a Bolívia que o Brasil empenhou-se diplomática e militarmente. A questão substantiva opunha interesses do Brasil – em se salvaguardar contra a criação de um enclave dos EUA no coração da Amazônia – e os interesses dos EUA – em criar uma cabeça de ponte para aventuras imperialistas na América do Sul.
 
Em 1983, foi a vez do General João Batista Figueiredo, ocupante ilegítimo da Presidência entre os anos 1979-85, frustrar movimentações dos EUA na região. Foi-lhe proposto uma intervenção conjunta Brasil-EUA no Suriname devido à aproximação do governo do presidente surinamês Desi Bouterse (1980-88) com Cuba.
 
Figueiredo não só recusou envolver tropas brasileiras na aventura como obstou a intervenção. Não se tratava, pois, de proximidade ideológica, afinal o general Figueiredo era um direitista que declaradamente preferia cavalos ao povo e o general Bouterse, um socialista. Sobre a mesa estavam os interesses brasileiros. Para Brasília era preferível um governo socialista em Paramaribo ao desembarque de Washington em país amazônico.
 
Manter os EUA e qualquer potência extrarregional longe da Amazônia sempre marcou as estratégias diplomáticas e estratégicas do Estado brasileiro mesmo em governo que se notabilizaram por não ter muito apreço pela defesa do patrimônio nacional. É o caso do convite recebido para uma série de exercícios conjuntos com os EUA durante o governo FHC. Os exercícios ocorreriam na Amazônia e em um bioma estadunidense. O Estado Maior declinou ao convite argumentando que não faz sentido exercícios militares em terrenos onde não se pretende atuar. A mensagem era clara.
 
No governo Lula houve a institucionalização dos mecanismos de integração regional, que evoluíram até a União das Nações Sul-Americanas (Unasul). Um dos órgãos mais destacados da Unasul é o seu Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), criado na esteira da crise boliviana de 2008. Uma das funções é “consolidar a América do Sul como uma zona de paz, criando condições para a estabilidade política e o desenvolvimento econômico-social; bem como construir uma identidade de defesa sul-americana, gerando consensos que contribuam para fortalecer a cooperação no continente” [2]. Uma das finalidades do CDS é manter afastadas de nosso continente – em especial da Amazônia – quaisquer potências extrarregionais – com destaque para os EUA.
 

Amazonlog17, a farsa

Em que pese a defesa e luta pelos direitos humanos e pelo direito humanitário, as ações humanitárias (um dos objetivos do Amazonlog17), via de regra, tornaram-se o biombo para práticas imperialistas. A seletividade dos alvos e os resultados das operações falam por si.
 
Os Estados africanos e do Oriente Médio são alvos diletos da sociedade internacional para esse tipo de operação, como se eles devessem ser tutelados. Não se pode negar que lá ocorra desrespeito sistemático à condição humana. Mas será que os crimes contra direitos humanos e as crises humanitárias ter preferência geográfica?
 
O que dizer do racismo estrutural e institucional e o consequente extermínio e encarceramento da população negra que ocorre no Brasil e nos Estados Unidos? O que dizer do massacre ao qual estão submetidas as populações autóctones do Canadá à Patagônia?
 
Essas operações de paz e intervenções humanitárias, quase sempre, subordinam-se a interesses geopolíticos. A partir da metade da década passada, elas ganharam musculatura teórica e institucional por meio da doutrina responsabilidade de proteger. Segundo esse princípio, a sociedade internacional tem responsabilidade de proteger os direitos humanos e humanitários em qualquer lugar onde esses estejam sendo desrespeitados. Foi sob esse guarda-chuva que se destruiu o Estado líbio. Tenta-se fazer o mesmo com a Síria.
 
Nesse sentido, é importante denunciar que uma possível ação humanitária na região amazônica tem como foco a Venezuela. É de conhecimento até do reino mineral que a escalada da guerra assimétrica e não convencional no país vizinho é orquestrada desde Washington. A novidade seria a extensão desse conflito para as áreas rurais da Venezuela a partir da infiltração de sabotadores como foi feito na Líbia e na Síria.
 
O acirramento das tensões na Venezuela poderiam se dar de várias formas, sendo as mais comuns e já testadas com sucesso: tráfico de drogas, tráfico de armas e a criação de grupos paramilitares. Independentemente, o resultado é o mesmo. Essas atividades levedariam de tal forma a crise que o Estado venezuelano teria que reprimir. Com o auxílio da mídia internacional, está pronto o caldo para a uma campanha global para uma intervenção humanitária na Venezuela em defesa dos sublevados.
 
Finalmente, há que destacar que observadores nem sempre só observam e que consultores nem sempre só prestam consultoria. O atoleiro do Vietnã começou com o envio de consultores estadunidenses. Que tipo de atividade extraoficial farão esses militares é uma pergunta que assombra a mente de todos que têm o mínimo de conhecimento de como esses conflitos são insuflados e agravados. Não custa trazer novamente o exemplo da Líbia e do que se está tentando na Síria.
 
Não obstante, não é só a estabilidade venezuelana que está em jogo. O entreguismo do desgoverno Temer não encontra paralelo na história. Não é uma questão de direita ou esquerda; nacionalismo ou cosmopolitismo. Trata-se segurança e defesa nacionais. Nem Castelo Branco, o mais submisso dos ditadores, deixou que coturnos estadunidenses pisassem em nossa Amazônia. Muito pelo contrário, evitar a presença dos EUA na Amazônia brasileira tem sido um mantra da política externa brasileira há mais de 115 anos porque esta é representa mais da metade do território nacional e é extremamente estratégica: baixa densidade demográfica, elevada biodiversidade, fronteira com mais da metade dos países do continente, riqueza mineral, maior bacia hidrográfica do mundo.
 
Não sejamos ingênuos, espionagem, guerra híbrida e guerra não convencional são executadas independente de consentimento. O problema é que se um exercício desse tipo ocorre às claras, o que mais está sendo realizado fora dos olhos da população?
 
Às vésperas do golpe, o (sic.) chanceler Aloysio Nunes estava nos Estados Unidos. Será que na ocasião ele ofereceu esse exercício na Amazônia como retribuição ao apoio ao golpe? Além da entrega da Amazônia, do pré-sal e da base de Alcântara, autossabotagem do programa nuclear e da hostilidade aberta ao bolivarianismo, o que mais esse desgoverno negociou em troca do apoio ao golpe?
 
Mateus Mendes de Souza é bacharel em Geografia e militante da CSD (CUT Socialista e Democrática) Rio de Janeiro.
 
[1] SOBRE O AMAZONLOG 2017. http://amazonlog.net/sobre-o-amazonlog-2017.html. Acessado em 03.11.17
[2] Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). http://www.defesa.gov.br/relacoes-internacionais/foruns-internacionais/cds. Acessado em 05.11.17.

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