Entrevista realizada pelo Tribuna Universitária, a versão original pode ser encontrada aqui.
Em entrevista concedida ao Tribuna Universitária, a Profa. Dra. Margarida Salomão, Deputada Federal pelo PT de Minas Gerais, ex-Reitora da UFJF e atual presidente da Frente Parlamentar em defesa das Universidades Federais, falou sobre temas importantes para o ensino superior e para o Brasil.
De universidade ela entende. Margarida Salomão é professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com Doutorado e Pós-Doutorado pela Universidade da Califórnia, em Berkeley. Foi Reitora eleita e reeleita da UFJF entre 1998 e 2006, período em que também foi dirigente da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Atualmente é Deputada Federal iniciando seu segundo mandato e, dentre outras atividades importantes na câmara, preside a Frente Parlamentar Mista em Defesa das Universidades Federais.
Na segunda entrevista da série que pretende ouvir lideranças ligadas à educação superior no Brasil para ajudar os leitores compor melhor um quadro da conjuntura, a Deputada Margarida Salomão (PT/MG), muito gentilmente, respondeu às perguntas do portal Tribuna Universitária e falou sobre a nova legislatura, a correlação de forças na câmara, a pauta na casa voltada à educação e sobre os desafios dessa conjuntura adversa para os democratas, que inclui, principalmente, segundo a professora, barrar a reforma da previdência e defender a constituição de 1988.
Confira a entrevista abaixo:
Professora, qual sua avaliação sobre essa nova composição da Câmara? Houve uma renovação efetiva? Há uma nova política contra a velha política? O que se pode destacar de positivo e negativo nessa nova composição?
Houve, sim, renovação na nominata da Câmara, cerca de 47% em relação à legislação anterior. São 243 parlamentares no primeiro mandato. Em alguns casos, o primeiro mandato político, inclusive. Mas não podemos afirmar que há uma renovação política. Na verdade, muitos dos “calouros” vieram da negação da política e integram setores extremamente conservadores nos aspectos moral e social. Entre estes parlamentares, estão celebridades, lideranças evangélicas, policiais com posições radicais e, claro, parentes de antigos políticos. Portanto, temos aí um grupo de “novos políticos” que querem e defendem o que há de mais velho em termos de concepção da atuação do Estado sobre as liberdades individuais e direitos civis e sociais. Mas são liberais na economia, defendendo um Estado mais “enxuto” para os mais pobres, benevolente com os mais ricos e subserviente aos interesses especulativos. É a mais velha política travestida de novidade.
Por outro lado, temos novas e novos parlamentares comprometidos com a transformação da sociedade brasileira, que tem muita responsabilidade diante desse grande desafio. A correlação de forças não é favorável a pautas sociais, meio ambiente, direitos humanos e, menos ainda, aos trabalhadores. Mas a renovação na esquerda pode e está sendo positiva. Porque, junto a lideranças históricas desse campo, somam-se novos mandatos, principalmente de mulheres, e o melhor: diversas, jovens, negras e a primeira indígena a ser eleita deputada federal, Joênia Wapichana (Rede-RR). São 23 deputadas de esquerda. E as bancadas femininas que mais cresceram foram a do PT e a do PSOL.
Isso significa que, mesmo com Congresso e governo machistas, entreguistas e que pulverizam ódio e desinformação, existe um time de peso. Pode parecer pouco 134 deputados e deputadas à esquerda (26% das cadeiras), mas é um conjunto renovado de forças com muita disposição para a luta.
Como está a dinâmica na câmara após a composição dos blocos? A base governamental é estável? Que poder ela tem de aprovar as propostas do governo? E a oposição, tem força para barrar, obstruir propostas?
O Partido dos Trabalhadores compôs um bloco para disputar as eleições da Câmara como estratégia de plenário. Temos uma perspectiva de atuação em conjunto com os partidos que compõem nosso bloco, mas também com outros partidos que vão estar na oposição às medidas conservadoras do governo. Casos do PCdoB e do PDT.
Esperamos contar também com os demais partidos para barrar a agenda de retrocessos prevista para o ano de 2019, principalmente a reforma da Previdência.
O governo já demonstrou fragilidade na Câmara. Eu e outros parlamentares entramos com um Projeto de Decreto Legislativo (PDL), apensado a outros, para barrar uma medida vergonhosa, que era a legitimação da censura, com a ampliação do número de servidores, inclusive em cargos comissionados, que poderiam determinar o segredo de determinados documentos, alterando a Lei de Acesso à Informação (LAI). Essa foi a primeira derrota do governo, por ampla maioria. Outras virão, certamente.
Em que comissões a Senhora vai atuar nessa legislatura?
Este ano seguirei com minha atuação como titular na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática e como suplente nas comissões de educação e também na cultura.
Em relação à agenda legislativa para a educação superior… Qual sua expectativa para esse setor? Como a senhora vê essa guerra ideológica que o Executivo declarou às universidades federais?
Em relação às universidades federais, estamos alertas aos passos do governo que buscam enfraquecer as instituições. A última ação foi o Decreto 9.725, que “extingue cargos em comissão e funções de confiança e limita a ocupação, a concessão ou a utilização de gratificações”. Na estratégia dissimulada desse governo, ele divulga que a medida honra seu compromisso de campanha de “enxugar” a máquina pública. No entanto, entre as funções e gratificações extintas, foram escolhidas a dedo posições estratégicas para o funcionamento das universidades públicas, começando pela degola daquelas que interiorizam e ampliam o acesso ao Ensino Superior, algumas criadas o ano passado: Catalão (GO), Jataí (GO), Rondonópolis (MT), Delta do Parnaíba (PI) e Agreste de Pernambuco (PE). Já foram extintos 119 cargos de direção das IFEs e mais 1870 funções de coordenação. Mas, em julho, a degola será maior: mais 11 mil funções gratificadas serão extintas.
Outra ação, ainda mais descarada, fere a autonomia das universidades. O ministro da Educação nomeou para reitor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro o segundo lugar da lista tríplice. Pelo que o governo entende como democracia, não duvidamos que tente ignorar a lista e até reprimir as consultas públicas que são tradicionalmente realizadas.
Por isso, temos que nos organizar e apresentar propostas que invoquem à racionalidade. Eu tenho certeza que ainda existem parlamentares que compreendem a importância das universidades públicas para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação, para a economia. Nós contamos com isso, com a racionalidade, para que consigamos impedir a destruição ou a apropriação das universidades públicas pela anticiência, ignorância e obscurantismo.
Há projetos/temas importantes que a senhora e a bancada do setor vão tentar aprovar ou mesmo impedir modificações e aprovação?
Neste momento, a nossa atenção está voltada a impedir o desmanche da Seguridade Social, que está duramente ameaçada pela proposta da Nova Previdência. Esta não é uma proposta só do governo, mas do capital especulativo que, covardemente, pretende colocar as mãos na poupança dos mais pobres, caso se concretize a transição para o regime de capitalização. A concepção fiscal do governo é que direito é despesa, mas qual é a função do Estado senão garantir direitos? Seguridade é direito.
Ao mesmo tempo, estamos atentas e atentos e vamos agir para impedir os retrocessos em relação aos direitos humanos, ao meio ambiente e à educação pública. São muitas e graves as ameaças a direitos conquistados duramente pelos trabalhadores e trabalhadoras. E são, portanto, muitas as nossas bandeiras de luta neste momento.
“Escola sem partido”/”Ensino sem mordaça”
Especificamente sobre o Escola Sem Partido, mesmo com nossa vitória no último ano, provavelmente o tema volte à pauta no decorrer de 2019. Mas mantenho a esperança na racionalidade, com a composição da mesa diretora eleita para a Comissão de Educação. Acredito que o debate moral será diluído ou apenas servirá para alimentar a base eleitoral daqueles que foram eleitos com essa pauta, o que não significa que não teremos novas ameaças. Mas vamos resistir aos duros ataques que estão sendo feitos à Educação Pública, para que ela siga democrática e laica, como foi determinado pela vontade do povo expressa na nossa Constituição Cidadã de 1988.
Cobrança de mensalidades nas instituições públicas de ensino superior
No que diz respeito à cobrança de mensalidades em universidades públicas, somos completamente contrários. A Andifes tem um estudo que comprova o impacto sobre as universidades, a sua diversidade e à pluralidade, caso as instituições deixem de ser públicas e venham a exigir o pagamento de mensalidades.
Ensino Domiciliar
Sou completamente contra o ensino domiciliar porque essa proposta é totalmente desconexa da realidade das famílias brasileiras e, ainda, inibe o que é mais precioso e pedagógico, que são as interações sociais que existem no ambiente escolar. Isso prejudicaria a socialização e até o acesso das crianças a novas oportunidades e visões de mundo para que possam ampliar suas perspectivas de futuro.
Acesso, permanência e ampliação de matrículas
As cotas e as várias políticas sociais e incentivos implementados ao longo dos governos Lula e Dilma mudaram a cara das universidades públicas que, hoje, estão mais próximas da diversidade do povo brasileiro. Com isso, foram garantidos o acesso à formação profissional e o desenvolvimento de pesquisas mais vinculadas à nossa sociedade e aos seus desafios. Para que as universidades se mantenham assim, recursos para assistência estudantil e bolsas de pesquisa precisam ser mantidos e até ampliados, considerando a expansão e interiorização que foi realizada.
Quais suas prioridades de atuação em 2019? Considerando que deve haver muitas manifestações e pautas polêmicas que mobilizarão diversos atores sociais… Que mensagem a senhora pode deixar para os movimentos sociais e grupos de pressão que atuam na política através do parlamento, em relação às relações parlamento e sociedade?
Minha prioridade é defender a Constituição de 1988. O fogo cerrado travado agora é sobre direitos conquistados com muita luta da sociedade brasileira por um país mais justo, menos desigual e de todos. Sabemos que teremos um período de muitas batalhas pela frente, teremos um enorme trabalho para manter essas conquistas que sequer foram alcançadas na sua integralidade. Serão momentos difíceis, mas a árdua peleia nos define. Seguiremos lutando a luta justa e escolhendo o lado correto da história.
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