Em entrevista ao Valor, diretor do Instituto Fome Zero avalia que políticas macroeconômicas para gerar renda ajudarão país a sair do Mapa da Fome mais rapidamente: “O salário mínimo é um farol para todos os salários”.
A retomada da política de valorização do salário mínimo pelo governo Lula, após sete anos sem reajuste, é um dos principais instrumentos de superação da miséria, aliada a outras políticas macroeconômicas para gerar renda e emprego, aposta o diretor do Instituto Fome Zero, José Graziano da Silva. Em entrevista ao jornal Valor, nesta quarta-feira (1º), Graziano, que comandou a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), afirma que o governo está no caminho certo para erradicar a fome no país ao investir na recuperação de poder de compra do salário.
Graziano admitiu que eliminar a fome não será uma tarefa fácil, dado o nível de desmonte de políticas públicas e que levaram a um quadro mais grave e complexo do que quando Lula assumiu a Presidência pela primeira vez, em 2003. Mas, desta vez, deve levar menos tempo, uma vez que o governo possui a experiência de programas e ações que já deram certo no país, a exemplo da retomada do Bolsa Família, com condicionalidades como freqüência escolar e vacinação, e a vontade política para restaurar a renda do trabalhador.
“Isso é central”, confirma Graziano. “O salário mínimo é um farol para todos os salários. Quando puxa o salário mínimo, puxa todos os salários de baixo e melhora a distribuição da renda”, argumenta.
“As políticas de segurança alimentar e nutricional não acabam com a fome”, explica Graziano. “O que acaba com a fome é crescer, melhorar salário mínimo, gerar emprego. São as políticas macroeconômicas. As políticas de segurança alimentar e nutricional são coadjuvantes, evitam a situação mais grave, que é morrer de fome, ficar subnutrido”.
Além da destruição de políticas públicas, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), reinstalado nesta semana pelo governo, o congelamento da merenda escolar e a quase eliminação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Graziano estima que o Brasil retrocedeu ainda por causa do aumento da informalidade no trabalho, o que agravou a pobreza.
“O Brasil viu a deterioração da distribuição da renda pelo aumento do trabalho precário, do desemprego, da miséria. Fome é sinônimo de miséria no Brasil. Enfrentar a fome é enfrentar a miséria”, ressalta.
Situação grave de fome e insegurança alimentar
“A situação hoje é muito mais complexa do que a que enfrentamos em 2003”, compara Graziano. “Do ponto de vista quantitativo, eram cerca de 40 milhões de pessoas, não chegava a 9,5 milhões de famílias [em insegurança alimentar]”.
“Hoje falamos de 65 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave ou moderada e outros 65 milhões que comem mal ou que têm insegurança alimentar leve. Isso dá mais da metade da população, 60%”, lamenta um dos criadores do Fome Zero.
“Voltar a fazer o que dá certo”
Para Graziano, o governo Lula acerta em investir na reconstrução do Cadastro Único para atender de forma emergencial as famílias mais necessitadas. “O governo está limpando os cadastros e deve retirar cerca de 2 milhões de pessoas. Vai ajustar o programa para ter proporcionalidade ao tamanho da família e, principalmente, à presença de crianças”, lembra.
“[O governo] claramente tem acertado ao refazer o caminho que conhecemos. Vamos voltar a fazer o que dá certo”. Segundo Graziano, politicas sociais como os programas de transferência de renda devem ser uma ação permanente do Estado.
“Acabar com a fome exige uma política permanente, de atenção, de vigilância e de programas ativos. Não pode fazer programa de transferência de renda por um, dois anos e depois voltar para trás”, diz, em referência ao governo Bolsonaro, que suspendeu o auxílio emergencial no auge da pandemia.
Propostas do Instituto Fome Zero
O ex-diretor da FAO aponta ainda caminhos para a reconstrução do tecido social brasileiro e a superação definitiva da miséria no país. “Nós, do Instituto Fome Zero, temos algumas propostas em debate”, anunciou. “Uma é a mudança tributária, para olhar alimentos além da cesta básica”, diz Graziano.
“Precisamos incentivar o consumo de produtos saudáveis. A FAO recomendou incentivos fiscais para a produção e distribuição de alimentos saudáveis”. Para ele, um dos maiores problemas hoje no país é a falta de acesso a produtos saudáveis e o aumento do consumo de ultraprocessados, o que agrava problemas como diabetes e obesidade, em especial em crianças.
“Produtos ultraprocessados pagam menos imposto do que os pouco processados, in natura. Precisamos fazer com que a comida saudável seja mais barata”, justifica. “Essa é uma regra em países desenvolvidos. Isso ajuda a combater a obesidade, principalmente entre crianças. Não usamos armas econômicas para combater a fome e a má nutrição”.
Da Redação pt.org.be, com Valor
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