Marco Aurélio Weissheimer
O projeto de desenvolvimento em curso no Brasil baseia-se em três pilares: inclusão social, preservação dos recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa. Isso é o que o governo entende por desenvolvimento sustentável e é com essa posição que o Brasil participará da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. A avaliação é do ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, que rejeita a ideia de que o Brasil chegará numa posição defensiva e recuada a Rio+20.
Na entrevista, Pepe Vargas defende que o Brasil ocupa uma posição de ponta hoje no debate ambiental mundial, prevê que a presidenta Dilma Roussef vai vetar pontos da proposta de mudança do Código Florestal (como a anistia aos grandes desmatadores) e fala dos planos de sua gestão para as políticas de Reforma Agrária e de fortalecimento da Agricultura Familiar no país.
Um dos principais objetivos do governo federal para os próximos anos é acabar com a pobreza extrema no meio rural. Considerando a atuação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, quais são as políticas que já existem hoje para travar esse combate?
A principal política do governo federal para atingir essa meta é o Brasil Sem Miséria, plano coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social. Segundo os dados oficiais, cerca de 16 milhões de pessoas vivem hoje abaixo da linha da pobreza no Brasil. Deste universo, aproximadamente a metade vive no meio rural. Então, há um conjunto de ações que dizem respeito diretamente à atuação do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Nós temos algumas metas que estamos antecipando. Cerca de 180 mil famílias estão sendo atendidas pelo Brasil Sem Miséria, incluindo ainda agricultores familiares, comunidades e povos tradicionais e assentados da reforma agrária. Até 2014, devem ser atendidas 250 mil famílias. No caso do MDA, esse atendimento ocorre de diversas formas, incluindo serviços diferenciados de assistência técnica e extensão rural, entrega de sementes e tecnologia apropriada para cada região. As nossas políticas para novos assentamentos também caminharão nesta direção.
O Brasil Sem Miséria prevê um acompanhamento continuado dessas famílias. O programa iniciou o ano passado na região Nordeste e, este ano, vamos começar a trabalhar nas regiões Sudeste e Sul, por meio de convênios com os governos estaduais. No Rio Grande do Sul, por exemplo, cerca de 6 mil famílias serão atendidas. A assistência técnica será feita pela Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) e nós entraremos com a parte do fomento. Cabe destacar que o Brasil Sem Miséria identifica e inscreve pessoas que precisam e ainda não recebem o Bolsa Família. Além disso, no meio rural, os agricultores recebem um fomento (não-reembolsável) no valor de R$ 2,4 mil, destinado a melhorias nas propriedades, além dos serviços de assistência técnica. As nossas políticas de Reforma Agrária se inserem nesta estratégia geral.
Falando em Reforma Agrária, o MST desencadeou recentemente o Abril Vermelho, realizando uma série de protestos contra o que chama de lentidão no processo de Reforma Agrária. Como foram as negociações com o movimento, que chegou a ocupar a sede do ministério, e qual sua avaliação sobre as críticas dirigidas ao governo?
O papel dos movimentos é esse mesmo, mobilizar, pressionar para que os governos sejam mais céleres. Não podia ser diferente. Mantivemos uma mesa de negociação quase que permanente neste processo. Cabe lembrar que, além do MST, existem outros movimentos que lutam pela Reforma Agrária, que também têm suas mobilizações e demandas. No marco dessa mobilização do MST, nós já anunciamos algumas medidas. Em primeiro lugar, não haverá contingenciamento de recursos para a obtenção de terras. Em segundo, encaminhamos 15 novos decretos de desapropriação de terras. Também liberamos 250 milhões de reais para o Incra em TDAs (Títulos da Dívida Agrária ). Além disso, liberamos outros 44 milhões de reais para pagamento de benfeitorias em processo de desapropriação. Somente essa última medida beneficiará cerca de 11 mil famílias.
O mais importante aí, do ponto de vista estrutural, é que vamos mudar a forma pela qual o Incra trabalha hoje. Hoje, o Incra vai na terra fazer a vistoria e, se constata que a área é passível de desapropriação, encaminha o decreto para este fim. Depois tem que voltar à área e fazer a avaliação do imóvel. Isso vai mudar. A mesma equipe que fizer o laudo de vistoria fará também a avaliação do preço da terra.
Temos um outro problema a resolver relativo ao preço das terras em caso de desapropriação. A MP 2183, de 2001, estabeleceu um texto de 6% para os juros compensatórios a serem pagos em caso de desapropriação. Uma decisão posterior do STJ suspendeu essa medida e fixou esse índice de juros compensatórios em 12%. Cabe lembrar que estamos com uma taxa Selic de 9%. Não há nada hoje no sistema financeiro brasileiro que remunere a uma taxa de 12%. Isso eleva o valor das desapropriações às alturas, cerca de 50 ou 60% a mais, provocando um forte impacto no orçamento do Incra. O assunto está no Supremo aguardando decisão final há vários anos. Trata-se de uma amarra importante no processo de Reforma Agrária.
Voltando ao tema das nossas ações, nós estamos implantando uma nova política para os acampamentos e assentamentos. A tendência é que, em 2012, atinjamos a universalização do Bolsa Família. Nós temos hoje um número “x” de acampados, um número que é sempre muito volátil, cada movimento trabalha com um número. Mas independente de qual seja esse número, todos serão inscritos no cadastro único do governo federal que dá acesso ao Bolsa Família. Assim, essas pessoas ingressarão no primeiro piso de acesso a direitos sociais, elas sairão da situação de marginalidade e passarão a ter uma relação com o Estado brasileiro. O segundo passo será tratar de assegurar a inserção produtiva dessas pessoas.
No que diz respeito aos assentamentos, estamos implantando novas formas de fomento. A habitação, por exemplo, hoje está dentro do crédito de instalação. O assentado recebe 15 mil reais com três anos de carência e 17 para pagar, um empréstimo indexado pela Selic. Já o programa Minha Casa, Minha Vida prevê um crédito de 25 mil que é 96% subsidiado. O crédito de instalação do Incra não tem esse subsídio. Agora, ela passará a ter os mesmos critérios do Minha Casa, Minha Vida. Teremos também um novo crédito de fomento, mais subsidiado, para os assentados, pois a inadimplência hoje é enorme. Além disso, vamos implementar um processo de assistência técnica mais continuado.
Se fizermos tudo isso, teremos uma política de Reforma Agrária mais global, articulada com outras políticas já existentes do governo federal, como o Água para Todos, o Luz para Todos e o Pronacampo, para citar três exemplos. Os assentamentos hoje estão fora desses programas e iremos mudar isso. O assunto “assentamento” não é só de responsabilidade do Incra, mas sim de várias áreas do governo. Trata-se de um universo muito expressivo. Nós temos hoje 8.864 assentamentos no país, abrigando 931 mil famílias em uma área total de 87 milhões de hectares, o que representa cerca de 10% da área agricultável do país.
A Rio+20 representa um grande desafio para o governo brasileiro, que está sendo pressionado em temas como o do Código Florestal. Qual deve ser, na sua opinião, a estratégia do Brasil para a conferência mundial da ONU?
O Brasil está numa situação muito melhor do que a maioria dos outros países nesta área. Em 2011, tivemos o menor índice de desmatamento dos últimos 20 anos. Há muita gente falando sobre esse tema e que passou por governos anteriores, inclusive no governo Lula, sem obter esse resultado. Acredito que, em 2012, seguiremos essa tendência de queda. No tema do Código Florestal, a posição do governo brasileiro é progressista. Não foi o governo, mas o Congresso, que produziu a lambança. Tenho convicção de que a presidenta Dilma vetará itens como o da anistia para grandes desmatadores e preservará o que é positivo. E, é importante destacar, há pontos positivos e avanços no texto. Pelo Código Florestal atual, os assentamentos de Reforma Agrária e 90% da agricultura familiar estão na ilegalidade. Não podemos tratar igualmente os desiguais. O menor módulo fiscal hoje no Brasil é de 5 hectares. O que mais aparece é o de 20 hectares. Ora, não podemos tratar da mesma maneira quem tem entre 5 e 20 hectares e quem tem 100 ou 200 módulos fiscais.
Por outro lado, a ideia do veta tudo, que não põe nada no lugar, expressa o ponto de vista de um conservacionismo elitista. Essa não é a nossa posição. O Brasil vai chegar muito bem na Rio+20. É o governo que mais combate o desmatamento, é um dos poucos países do mundo que está cumprindo a proposta de redução de emissão de gases do efeito estufa. Precisamos ter em mente que o conceito de desenvolvimento sustentável tem componentes econômicos e sociais. Não podemos aceitar que a ideia de economia verde se torne um substituto do conceito de desenvolvimento sustentável.
Por que não?
Qualquer economia hoje, não importa o nome que demos a ela, deve visar inclusão social, preservar os recursos naturais e reduzir as emissões de gases. Se cumprirmos esses três critérios, estaremos construindo um desenvolvimento sustentável. Esse conceito não pode significar barreiras comerciais ou exclusão de países de linhas de financiamento internacionais. O conservacionismo elitista vai se manifestar na Rio+20, assim como também vão se manifestar aqueles que querem transformar a natureza em mercadoria. Nós não estamos em nenhuma dessas posições. O Brasil está numa posição de ponta hoje neste debate.
Já há previsão de data para uma decisão em relação sobre vetos à proposta do Código Florestal aprovada na Câmara dos Deputados?
O projeto chegou ontem (7) à Presidência da República. A decisão final, obviamente, é da presidenta, mas tenho convicção de que haverá vetos, mas não o veto total que faça todo esse debate voltar à estaca zero. Tem gente neste debate que está usando os pequenos agricultores como bucha de canhão. Como disse antes, não podemos tratar igualmente os desiguais. Fazer isso é seguir uma política conservadora.
O MDA vem implementando nos últimos anos uma série de políticas voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar. O que ainda precisa ser feito nesta área para que o Brasil caminhe na direção de um novo padrão de desenvolvimento rural?
Nós temos hoje uma agricultura familiar de ponta no Brasil, uma outra em fase de desenvolvimento e uma outra que vive em situação de extrema pobreza. Para esta última, foi criado o Brasil Sem Miséria, como referimos anteriormente. Para os setores já desenvolvidos ou em fase de desenvolvimento estamos procurando estimular o fortalecimento das organizações econômicas, sejam cooperativas ou associações. É claro que aquele que quiser se desenvolver individualmente tem todo o direito de fazê-lo. Na Rede Brasil Rural, lançada este ano, os primeiros que estão sendo cadastrados são as cooperativas e associações de produtores.
Estamos procurando também dar um foco de sustentabilidade a nossas políticas. Isso vale não somente para a agroecologia (via tratamento tributário e fomento diferenciados), mas também para quem produz de forma tradicional. Para estes, nosso objetivo é que tenham um manejo mais adequado no uso de agrotóxicos, no cuidado com a situação de erosão em beira de rios, etc. Para tanto, dispomos de um conjunto de instrumentos de crédito, de assistência técnica, de estímulo à produção e de qualificação da gestão da propriedade, seja ela individual ou não. O fortalecimento econômico desse setor passa por essas condições: crédito, seguro, política de preço mínimo, apoio à comercialização e assistência técnica.