Lula aprendeu nas épicas assembleias massivas dos peões, no simbólico estádio da Vila Euclides, o valor que soma ao bom senso e à coragem – a igualdade.
Luiz Inácio Lula da Silva já mereceu biografias muito bem documentadas que enfatizaram, ora as dificuldades ligadas à sua origem social e sua trajetória de vida (Fernando Morais, 2021), ora as relações entre seu desenvolvimento político pessoal e o das próprias classes trabalhadoras no estado de São Paulo (John D. French, 2022). Em seu robusto currículo constam mais de cinquenta títulos Doutor Honoris Causa, concedidos pelas mais importantes universidades do globo.
Lula é o maior presidente da história do Brasil. Sua liderança extrapola as fronteiras internas e se projeta no cenário internacional, com respeito e autoridade, há mais de duas décadas. Na atual conjuntura, o prócer age em defesa da democracia e do Estado de direito democrático contra a ascensão da extrema direita, por um lado e, de outro, contrariamente à resposta insensata de Israel ao promover um incansável genocídio palestino na sofrida Faixa de Gaza.
As características marcantes da personalidade do filho de dona Lindu são o bom senso e a coragem. Aliás, dois valores que muito admirava em sua mãe e amiúde cita em discursos. Não confundir com o senso comum, o qual espelha na subjetividade a justificativa das classes dominantes e da mídia corporativa para iniquidades produzidas pelo status quo, naturalizando-as.
Diante da desrazão que toma conta do imperialismo estadunidense, em uma transição do mundo unipolar para uma realidade multipolar, tratam-se de traços morais de utilidade na luta pela paz, a justiça social e a superação das discriminações. Bom senso para interpretar as situações concretas e coragem para construir soluções são virtudes em falta nesse momento.
Se intelectual é quem elabora uma Weltansschuung (visão de mundo), como diz Antonio Gramsci, então pertencem ao grupo os dirigentes políticos e sindicais, independente da educação formal que serve sobretudo para crivar uma divisão social do trabalho, na sociedade. Lula foi um dos principais mentores da criação do Partido dos Trabalhadores (PT, 1980) e da Central Única de Trabalhadores (CUT, 1983). Em uma ordem social dividida em classes, estes eram e são órgãos de representação do trabalho capazes de organizar e elaborar a cosmovisão de um dos polos de combate do sistema capitalista – o que vende sua força laboral em troca de um salário.
O ex-metalúrgico que, agora, exerce o terceiro mandato na Presidência da nação não precisa de títulos, tão caros à tradição bacharelesca, para estabelecer uma distinção demarcatória com os batalhadores braçais, tidos na condição de gente de segunda categoria. Lula aprendeu nas épicas assembleias massivas dos peões, no simbólico estádio da Vila Euclides, o valor que soma ao bom senso e à coragem – a igualdade. Programaticamente seus governos sempre se pautaram por um alargamento igualitarista dos direitos sociais, de gênero e de raça.
A institucionalização do espaço para a participação dos comuns na elaboração de políticas públicas, através de Conferências Municipais, Estaduais e Nacionais, no âmbito do Estado, parte do princípio de que a igualdade deve começar pela elaboração das leis para estender a todas e todos o “direito a ter direitos”, a substância por excelência de uma democracia. O tratamento de “companheiro(a)” entre correligionários(as) do PT, da CUT e do conjunto das organizações progressistas antecipa o que pretendem, socialmente, no futuro próximo – a utopia de iguais.
O carisma do líder nascido em Pernambuco é visível por onde circula, com as pessoas querendo tocar sua mão, dirigir-lhe uma palavra de afeto, fazer uma selfie. A foto tirada por Ricardo Stuckert, em que Lula aparece no centro de uma multidão circundando-o, defronte a sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, é a prova de amor. Os seguidores enxergam no guerreiro do povo, perseguido pela plutocracia, os valores que podem substituir a guerra de todos contra todos instituída pela lógica hiperindividualista do neoliberalismo.
O bom senso, a coragem, a igualdade e a solidariedade tecem o elo que une os liderados e o líder. Na verdade, porque se deixam ensinar nas piores adversidades, recarregam a energia dos lutadores sociais e políticos. “Passa a outras mãos a invisível bandeira”, resume o poema de Bertolt Brecht para o filme Hangmen Also Die / Os carrascos também morrem (1943), dirigido por Fritz Lang, sobre a heroica resistência da cidadania tcheca ao terror hitleriano.
A postura de Lula, altiva e digna, durante a prisão injusta que durou 580 dias em uma cela solitária, combinada com o acampamento da militância que nunca o abandonou nas imediações da Polícia Federal, em Curitiba, cimentou o parecer dos melhores juristas e furou o bloqueio midiático que em tudo via uma normalidade democrática, desde os embustes judiciais da Lava Jato até o golpe contra a presidenta honesta. A verdade vencerá: o povo sabe por que me condenam, é o título do livro de Luiz Inácio Lula da Silva, publicado pela editora Boitempo, em 2018.
Vencemos em 2022 o pleito mais aparelhado pela máquina do Estado em nossa história, graças a quem no iluminado 27 de outubro comemora mais um aniversário de vida e luta. Não devemos pedir de niver nenhum resultado nas urnas das cidades em que ocorrem ainda uma disputa eleitoral. O maior presente aos cidadãos e cidadãs brasileiras já foi dado quando, sob a inspiração de Lula e o apoio dos poderes republicanos, o putsch de 8 de janeiro de 2023 foi derrotado.
Feliz aniversário, companheiro presidente!
Luiz Marques é docente de Ciência Política na UFRGS; ex-Secretário de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul.