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Feminismo socialista e democrático: a politica para os 99% | Sarah de Roure

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O caos autoritário em que vive os Estados Unidos sob a gestão Donald Trump não é a única informação relevante sobre aquele país. A violência da atual gestão tem sido acompanhada pela emergência de importantes movimentos por direitos civis trazendo ares de novidade e esperança. Desde Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) à juventude nas ruas exigindo mudanças na lei de acesso às armas após os massacres em massa em suas escolas. A novidade passa ainda pelos movimentos pelos direitos das pessoas migrantes e os que defendem um sistema de saúde universal – em um país onde o SUS não existe.

Nesse contexto de efervescência política é que a imprensa local e internacional tem dado atenção ao crescimento do número de jovens mulheres socialistas que concorrerão pela primeira vez as eleições ao Congresso Americano (Câmara e Senado) pelos Socialistas Democráticos da América (DSA).  Summer Lee de 30 anos, Sara Innamorato, 32 anos, Elizabeth Fiedler, 37, Alexandria Ocasio-Cortez, 28 anos –  em diferentes estados, cada uma delas disputou as primarias contra homens que já tinham uma trajetória consolidada e foram vencedoras. Elas vêm de trajetórias distintas, mas todas vivem ou viveram os problemas produzidos pelo sistema capitalista naquele país: endividamento da juventude pelos empréstimos estudantis, racismo institucional, desemprego, sobrecarga do trabalho doméstico das mulheres frente a ausência de um sistema público de saúde e cuidados. Não é de estranhar que sejam as mulheres que emergem como lideranças desse processo, já que a violência institucional contra migrantes e a população negra, a crise econômica, os programas de ajustes, e os altos níveis de endividamento da população têm em seu centro as mulheres.

Os movimentos Anti-Trump têm crescido criando um ambiente fértil as ideias socialistas. Mais do que isso, a denúncia de que o capitalismo falhou em suas promessas e de que esse não é um problema só da administração Trump, tem reunido milhares de pessoas em torno a um projeto alternativo de sociedade. Nesse contexto o DSA é a maior organização parte desse processo (entre outras[1]) e tem atraído milhares de novos militantes.

Há quase um ano o The Guardian registrou  o crescimento do DSA desde as eleições de 2016 quando o socialista democrático Bernie Sanders concorreu as primárias do Partido Democrata. O DSA que já era a maior organização socialista nos EUA e filiou cerca de 30 mil novos militantes, saltando de 7 mil para 37 mil filiados.  A organização tem hoje cerca de 105 grupos de base atuando como capítulos locais ou em torno a temas como justiça reprodutiva, direitos trabalhistas até os que lutam por justiça para as vítimas da brutalidade policial, para citar os mais visíveis.

Muitos tem apontado que esse crescimento, e mesmo a candidatura de Bernie Sanders para presidente, só foi possível pelo imenso isolamento sentido pela classe trabalhadora americana e suas famílias em relação a política institucional naquele país. Os EUA detêm um sistema eleitoral com base em sua federação, onde o voto de um eleitor pode valer mais do que o de outro, e a vitória presidencial pode ser de um candidato que não somou o maior número de votos. No caso da eleição dos representantes no congresso essa funciona por distrito o que com frequência leva ao desrespeito ao voto das minorias.

A liderança política das mulheres socialistas nesse contexto não só produz maior diversidade da representação partidária, mas principalmente radicaliza a noção de participação política em toda sua profundidade. O caso de Alexandria Ocasio-Cortez nesse sentido é emblemático. Sua vitória nas primárias internas mostra que há uma transição em curso, que desafia os antigos atores da política que se dedicaram a sua manutenção em estruturas de poder. Sobretudo sua vitória manda uma mensagem a Democratas e Republicanos: “o eleitorado progressista cresce em bloco, e participará das eleições, quem lhe der as costas correm um grande risco político” [2].

Outro elemento é a própria trajetória militante. É na luta concreta que se constrói a consciência e compreensão das desigualdades. Originária do Bronx, em Nova York, e filha de mãe porto-riquenha. Engajou-se na militância em defesa da qualidade da educação e posteriormente participou da campanha do senador Bernie Sanders para as primárias dos Democratas. Ela apresentou uma plataforma eleitoral centrada em três eixos: seguro de saúde público e universal; garantia federal de emprego para todos/as; a abolição da ICE (Agencia de Controle de Imigração). Além disso suas intervenções têm dado destaque a crise habitacional de Nova York, tema sensível a população daquela cidade.

A ideia tão difundida no contexto americano de um sistema econômico que não seja para os 1% desafia a política a refletir a necessidade das maiorias e sua organização. Na trajetória do feminismo a radicalização da noção de participação política sempre foi um valor importante que precisa ser parte de qualquer projeto alternativo.  A experiência de mulheres socialistas e democráticas dos EUA tem apontado que para repartir as riquezas também é necessário transformar as estruturas de poder.

Sarah de Roure é militante do movimento de mulheres e da Democracia Socialista-PT.

[1] Para citar algumas, Philly Socialists, o Mobile Bay Socialist Collective no Alabama, e o grupo de resistencia armada Redneck Revolt.

[2] http://vientosur.info/spip.php?article13965

Publicado originalmente em 07 de julho de 2018.

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