Partido deve quebrar teia de interesses ligada ao financiamento privado.
Coerente com a sua posição socialista e democrática, o PT sempre se definiu pelo financiamento público das campanhas. Mas a reforma política sempre foi adiada pelos partidos liberais e conservadores, e o PT nunca transformou esta proposta em um tema central de sua atividade política pública.
Na prática, o que veio acontecendo é uma progressiva adaptação do PT, à medida da sua penetração eleitoral, às regras vigentes do jogo eleitoral. Até as eleições de 1994 e 1998, segundo análise dos dados oficiais do TSE, os candidatos dos partidos de esquerda arrecadaram apenas cerca de 15% do montante doado pelas empresas aos candidatos de partidos liberais ou conservadores. Foi a partir da campanha presidencial de 2002, quando a candidatura Lula alcançou um favoritismo estável, que a relação do PT com o financiamento privado das campanhas alterou-se profundamente. Em 1998, o PT declarou ter arrecadado cerca de 3 milhões nas eleições presidenciais ao TSE; em 2002 este montante ascendeu a cerca de 40 milhões. Nas campanhas municipais de 2004, o PT já concorreu em um novo patamar de relacionamento com as doações empresariais.
Provavelmente, o esquema de “contribuições não contabilizadas” revelado pelo tesoureiro do PT e o operador Marcos Valério é justamente a expressão desta mudança de padrão. Ela seria a contra-partida, no plano sociológico, do rebaixamento programático que o governo Lula na prática impôs ao PT nestes dois últimos anos, diminuindo em grande medida a conflitividade com a teia dos grandes nichos empresariais potencialmente doadores.
Se isto é verdade, a renovação programática do PT depende da quebra desta teia de interesses. A defesa do financiamento público da campanha deve vir acompanhada de uma nova atitude do partido em relação à competição eleitoral.
A introdução do financiamento público de campanha nas eleições brasileiros depende de vencer a resistência liberal-conservadora (que defenderá a legitimidade do financiamento privado empresarial) e de uma pedagogia pública (a maioria da população não vê com bons olhos o financiamento de políticos corruptos). Ele só tem sentido se forem estabelecidas regras rígidas que imponham o rebaixamento do custo das campanhas eleitorais e com o investimento em uma estrutura de fiscalização de gastos que hoje não existem.
Há certamente um longo caminho até esta conquista. Até lá o PT deve ter uma atitude exemplar em relação à consciência democrática brasileira: reorganizar a sua base de filiados, para ser capaz de competir com a força do dinheiro; estabelecer critérios de total transparência pública de suas contas de campanha; e criar novos padrões de financiamento democrático que alterem profundamente a sua dependência das fontes empresariais de recursos.