Dia 24 de dezembro de 2021 amanhecemos com a notícia da morte do Flávio. A seguir, nossas fraternas homenagens.
Do Raul Pontt:
Com muita tristeza recebemos a notícia do falecimento do Flavio Andrade, um dos fundadores da DS e do PT. Há anos vinha lutando contra a doença e o avc que agravou ainda mais sua situação de saúde. Flávio foi da geração dos anos 70 que resistiu a ditadura, reorganizou o m.e. e ainda construiu uma brilhante carreira academica na área da Economia. No final da década, ele e Virginia, sua companheira, e junto com outros compas de MG não vacilaram em ir para São Paulo para ajudar a construir o projeto do periódico EM TEMPO. Um jornal na luta contra a ditadura na perspectiva da classe trabalhadora. Sua participação foi decisiva para garantir que o ET assumisse editorialmente o projeto do Movimento PRO PT.
Foi um dos fundadores da nossa corrente Democracia Socialista e durante vários anos um de seus dirigentes. Perdemos um grande companheiro, com profunda dedicação militante e grande parceiro, fraterno, leal e solidário. Nós, que convivemos longos e difíceis anos na sustentação do ET e na construção do PT, somos testemunhos dessa dedicação militante. Nesse momento tão triste, queremos abraçar e ser solidários com seus familiares, com a Virginia, sua companheira naquele período, e aos filhos Felipe e Júlia.
Em nome de todos nos do RS que partilhamos essa história de construção de conquistas e sonhos com o Flávio e tantos outros compas nosso profundo pesar por sua morte. Não o esqueceremos.
Do Juarez Guimarães:
Para sempre Flávio Andrade
Se a tradição do socialismo democrático é nosso corpo imortal, a trajetória militante de cada um é sempre este singular encontro entre a vontade personificada de mudar o mundo e a circunstância histórica na qual ela se inscreve.
A militância socialista de Flávio Andrade, na força de sua plenitude, vai dos anos setenta aos anos oitenta, dos anos mais difíceis de resistência à ditadura militar à primeira década de fundação e expansão luminosa do PT. Não seria possível contar os anos de fundação da Democracia Socialista, do jornal EM Tempo sem a presença central de Flávio Andrade. Como editor do Em Tempo, transformou o jornal em uma referência fundamental de cobertura das grandes greves do ABC e dos anos de formação do PT. Todo o movimento de passagem do movimento classista para a fundação de um Partido dos Trabalhadores está ali ricamente documentado e programatizado.
Saído de uma família que frequentava os círculos restritos do poder e da riqueza, sua trajetória lembra a de Caio Prado Jr. Para os que com ele conviveram, nunca se flagrou um gesto de preconceito ou revelador de privilégio. A sua busca do sentido da vida em uma direção socialista revolucionária não foi um devaneio de juventude: havia ali certamente uma moralidade libertária e igualitária. Mesmo no período em que a militância deixou de ocupar o centro de sua vida, continuou sempre solidário, fraterno, com o sentimento à esquerda.
Guardamos dele a memória de uma inteligência aguda, uma certa ânsia de rigor, no sentido de que a cultura do socialismo democrático em tempos difíceis requer também sempre uma vontade realista. Certamente esta exigência de rigor e a reiteração de impasses políticos do PT a partir dos anos noventa foram motivo de um grande sofrimento existencial.
Guardamos dele, dos tempos de sua militância heróica e de seu amor por Virgínia, uma memória comovida mas feliz. Obrigado companheiro Flávio, por tudo o que você construiu e que continua em nós!
Do Carlos Henrique Árabe:
Flávio Andrade teve enorme importância na fundação e na formação da Democracia Socialista. Foi Flávio quem propôs o nome Democracia Socialista, no congresso de 1979. Naquele momento circulava entre nós o documento “Ditadura do Proletariado e Democracia Socialista”, elaborado por Ernest Mandel, que organizava uma alternativa teórica e programática ao modelo estalinista do “socialismo” num só país, sem democracia e sem internacionalismo. Flávio, como sempre, era radical na definição do desafio socialista da época, do sentido de vanguarda marxista e, consequentemente, do nome que deveria chamar a nova organização.
Antes da fundação da DS, Flávio teve enorme papel na crítica ao jornal Movimento por sua plataforma de aliança histórica com a burguesia nacional e pela falta de democracia na sua condução interna. O jornal Em Tempo nasce com base nessa ruptura e em torno da consigna central da hegemonia da classe trabalhadora na luta democrática contra a ditadura. Seu passo seguinte foi o engajamento na defesa do Partido dos Trabalhadores, da organização operária nas fábricas e das greves do ABC (temas que o jornal refletiu em páginas memoráveis). A ousadia de Flávio, outra de suas características, se lia no jornal que enfrentava a ditadura com o listão dos torturadores, com a história da esquerda brasileira, com os debates sobre o caráter do Partido dos Trabalhadores e sobre o seu programa.
Em torno desse jornal — cujo desenvolvimento orgânico lembra, guardadas as proporções, o Que Fazer, de Lenin — uniram-se as organizações regionais de Minas Gerais (então autodenominada O., mais conhecida pela sua expressão estudantil, a Centelha) e do Rio Grande do Sul (a Tendência Socialista do MDB, com sua expressão no movimento estudantil, a Peleia). Progressivamente novos agrupamentos e a militância surgida em torno ao próprio Em Tempo e ao seu programa, criaram as bases para formar uma organização nacional cujo objetivo central era construir um partido de massas da classe trabalhadora, o PT. O jornal construiu uma organização. Flávio era um dos dirigentes centrais do jornal e da organização que nascia com ele.
Sua militância revolucionária foi e é um exemplo para nossas próprias trajetórias.