A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais no meio da alegria. E inda mais alegre ainda no meio da tristeza!”
(Guimarães Rosa – Grande Sertão, Veredas)
“Não tem bom sem ruim, do jeito que não tem ruim sem bom”, diria um sábio matuto. Essa crise do coronavírus é um exemplo disso. No celular, na TV, não se fala noutra coisa. As pessoas estão vendo a morte já ali, dobrando a esquina. Fora o medo de ter de fechar o pequeno negócio ou do desemprego. Mas aí elas olham para a Presidência da República e o que elas veem? Um idiota incapaz de lhes defender. Daí para as panelas foi um pulo. Mesmo que, aqui acolá, sejam as mesmas panelas usadas contra Dilma.
Bolsonaro é um caso raro de alguém eleito para governar um país sem ter nenhuma qualidade pessoal. Nenhuma. Isso era mais comum em monarquias. Mas em governantes eleitos, de fato, é coisa rara. Seu governo pode ser resumido em ódio e mediocridade. Não há noção de direitos pras pessoas que vivem apenas da sua força de trabalho. Todos estão sendo condenados a trabalhar na hora, no lugar, no jeito e no ritmo que quem contratou quiser. É trabalhar até morrer. “É melhor um emprego sem direitos do que emprego nenhum!”, repete sempre o presidente.
Não há mais noção de nação. Pré-sal? Eletrobrás? Geração de energia? Vende-se. Entrega-se. O diferente é um estorvo. Índios, gays, mulheres, pretos. Todos podem e devem ser deixados à margem.
A democracia é um estorvo. O elogio é para a tortura, diz a promessa de um novo AI-5, caso o povo ameace levantar a cabeça. O meio-ambiente é um estorvo, com suas inúmeras regulações e queixas contra florestas pegando fogo e venenos de agrotóxicos nos alimentos. Também aqui o que importa é o lucro.
Com a crise do coronavírus, todas essas tragédias somadas e continuadas vão ganhar um peso ainda maior. Aqueles que foram ontem para suas janelas gritar “Fora Bolsonaro” querem outro país. Eles sabem que não dá para esperar mais 3 anos. Mesmo com certa ingenuidade, existe um senso prático que diz que esperar as eleições de 2022 é assistir diariamente se perder um pedaço do futuro de pelo menos 80% da população. Agora, a pergunta que tem ser respondida é: “o que colocar no lugar de Bolsonaro?”. Na resposta não cabe ingenuidade.
Assumindo o vice-presidente Hamilton Mourão ou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, seria continuada a mesma política, apenas de um modo mais civilizado. O impeachment puro e simples de Bolsonaro iria nos livrar de suas grosserias idiotas, mas manteria a mesma política econômica de redução de direitos e do papel do estado apoiada por Mourão e Maia.
Nossa necessidade é do “Fora Bolsonaro!” ser outra coisa, bem mais ampla. Um movimento que possibilite um confronto de visões de mundo, de valores, de sociedade e de estado.
Se eles defendem a ditadura, nós defendemos os mais amplos mecanismos de radicalização da democracia, de participação popular e de transparência. Se eles defendem a tortura, nós defendemos, a liberdade e os direitos de todos os seres humanos. Se eles endeusam o mercado, nós endeusamos a solidariedade. Se eles defendem o lucro, nós defendemos a vida.
Essa disputa global fica bem mais fácil de acontecer em um processo de realização de novas eleições presidenciais para escolha de um novo governo e na construção de uma nova Constituição através da eleição de uma assembleia constituinte.
O país seria passado a limpo. De alto a baixo. De cabo a rabo. Esse é o processo que nos interessa. Acabaria com a esperteza de se eleger representantes – executivo e parlamentares – sem se discutir previamente questões essenciais para todos como os direitos sociais, o papel do estado na economia, quem paga mais ou menos impostos, etc.
O debate global é o caminho trilhado no Chile. Lá o povo chileno que está indo às ruas aos milhões, reivindica uma nova constituição depois de décadas de sofrimento com a ditadura de Pinochet e com sua herança de privatizações até de bens essenciais como a aposentadoria e a água.
Cabe a nós fazer o mesmo depois de ter perdido até o direito de se aposentar.
Waldemir Catanho é militante da DS e da executiva do PT Fortaleza.
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