Democracia Socialista

FSM indica agenda de lutas na América Latina

Movimentos sociais estabelecem calendário comum para 2005.

 

A organização das esquerdas para a luta contra o neoliberalismo na América Latina passa por desafios como a construção de novas relações entre movimentos e partidos políticos e a redefinição de estratégia frente à institucionalidade estatal. Um dos dilemas vividos é que não basta “ter propostas”, é preciso construir força política para implementá-las. No enfrentamento ao imperialismo, o continente tem tido um desempenho singular, refletido no Fórum Social Mundial. Além dos avanços nas mobilizações populares, também governos de países como Venezuela e Brasil estão engajados nessa luta. A Assembléia dos Movimentos Sociais realizada ao final do FSM determinou uma agenda militante para 2005.

América Latina à procura de sua síntese

Livre e unida. Fórum Social Mundial aponta caminhos para organização da esquerda.

 

Os resultados do FSM recentemente realizado em Porto Alegre permitem múltiplas “leituras”. Não poderia ser de outra forma em um evento que reuniu mais de 150 mil pessoas, em mais de duas mil atividades organizadas pelas próprias entidades participantes. Sem perder de vista essa preliminar, no entanto, é possível arriscar alguma conclusão mais geral.

 

No âmbito mundial, os movimentos sociais altermundialistas estão em uma fase nova. Passada a forte arrancada, ocorrida de 1999 a 2003, enfrentam-se dilemas políticos de difícil solução. Um desses dilemas é o de construir força política para impulsionar as demandas e propostas formuladas desde a sociedade civil. Isto é, não basta “ter propostas” (e, ao contrário do que a imprensa conservadora gosta de afirmar, no FSM há muitas propostas). É necessário ter força política para implementá-las.

 

Em vários casos nacionais, inclusive, já se demonstrou haver capacidade política para impedir a aplicação de alguma medida neoliberal específica. Mas, passados os protestos, a política conservadora se reacomoda nos mecanismos do poder para tentar repor o que o povo acabou de repudiar. Como o pano de fundo do período de que estamos tratando também é o reforço dos mecanismos do poder imperial unilateral dos Estados Unidos, a questão suscita ainda mais angústias e dúvidas.

 

No plano regional

Nesse cenário, no entanto, América Latina tem um desempenho singular – que o FSM refletiu. Aqui, o poder imperial norte-americano não somente é questionado pela população, como a partir de diversos países se busca conscientemente erguer uma arquitetura regional alternativa e de resistência às iniciativas do governo Bush. Governos de países de peso, como Venezuela e Brasil, estão engajados nessa perspectiva, o que dá uma outra consistência às tentativas. O fracasso da tentativa norte-americana de assinar o tratado da ALCA até janeiro 2005 é um sintoma dessa nova conjuntura.

 

Nesta região, registram-se avanços tanto nas mobilizações populares como na ocupação por forças progressistas de espaços políticos estatais. Há, é verdade, ritmos desiguais, assim como muitos desencontros nacionais. Mas o rumo geral é o mesmo, e há uma persistência nos objetivos comuns.

 

O grau de articulação conseguido entre movimentos sociais na região também é um diferencial. A Campanha Continental contra a ALCA, articulada no marco do FSM 2002, converteu-se em uma abrangente coalizão de movimentos, presente com peso em todos os países, com uma clara orientação antiimperialista.

 

Mas o êxito dessa coalizão deve se buscar na presença e atuação de diversas redes e organizações continentais, setoriais ou temáticas, tais como a Aliança Social Continental, o Grito dos/as Excluidos/as Continental, a Marcha Mundial de Mulheres / Rede de Mulheres Transformando a Economia (REMTE), o Jubileu Sul Américas, a Via Campesina / Coordenação Latino-americana de Organizações do Campo (CLOC), a Frente Continental de Organizações Comunitárias (FCOC), entre outras.

 

Eco bolivariano. Participantes de todo o mundo assistem ao discurso de Hugo Cháves no FSM.

Expressões e redefinições

A conferência com o presidente venezuelano Hugo Chávez, no Gigantinho, convocada pelos movimentos sociais, foi a expressão maior dessa perspectiva dentro do FSM, mas não a única. Nem se tratou de um evento isolado dentro da programação que desenvolveram no FSM os movimentos sociais que impulsionam a Campanha contra a ALCA.

 

A opção de construir força política para impulsionar as demandas e propostas formuladas desde a sociedade civil não encontra na esquerda apenas adeptos. As posições sectárias e dogmáticas na esquerda brasileira e latino-americana são incapazes de enxergar esse processo e de participar nele, porque se trata de uma conjuntura inédita, muito distante dos seus “manuais”.

 

Já para as forças sociais e políticas que estão fortemente engajadas naquela perspectiva, está posto o imenso desafio de como avançar na discussão estratégica. O FSM 2005, através das diversas assembléias que as campanhas realizaram e cujos resultados convergiram na declaração final da Assembléia dos Movimentos Sociais, foi um momento importante de reafirmação da perspectiva de mobilização.

 

Mas diversos debates realizados apontaram para novos desafios. Construir novas relações entre movimentos e partidos políticos, instrumentos esses que devem, por sua vez, ser repensados. Redefinir a estratégia das esquerdas sociais e partidárias frente à institucionalidade estatal do poder. Atualizar a agenda antiimperialista no nosso continente. Construir uma articulação mais forte entre as diversas lutas setoriais. Reconstruir uma visão programática de esquerda sem que seja mera repetição das bandeiras do passado, nem assimilação pela ordem burguesa. São temas que estarão naturalmente colocados no FSM 2006, que terá uma de suas sedes em Caracas, Venezuela.

 

Quando comparamos com o cenário de início dos anos 1990, nos últimos cinco anos houve avanços gigantescos na perspectiva da reconstrução internacional e continental das esquerdas. O FSM tem sido um dos palcos principais desse processo. Isso não significa, contudo, que os principais problemas deixados pelas experiências do século anterior estejam resolvidos. Mas é certo que hoje estamos sim, em nossa região, em melhores condições para resolvê-los.