Em 1990, após a queda do Muro de Berlim, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) desintegrou-se. A URSS era a união de quinze repúblicas, tecnicamente consideradas independentes, porém o poder político e a economia eram totalmente centralizados.
A queda do Muro pôs fim À Guerra Fria (disputa entre os EUA e URSS pela liderança mundial) e, consequentemente, à disputa mundial entre o bloco pró-EUA e o pró-URSS.
Francis Fukuyama considerou este fato como o fim da história. Segundo ele, não teríamos mais a bipolaridade (EUA x URSS-Rússia) e, daquele momento em diante, o ocidente, sob a batuta norte-americana, teria a hegemonia política, econômica, midiática e cultural. Era, enfim, a vitória do neoliberalismo.
Fukuyama fez a análise do mundo de uma maneira parcial e ideológica. Esse foi um dos seus erros. Pôs a vontade de seu pensamento acima da realidade do momento, impossibilitando-lhe enxergar o mundo que o cercava.
Entendia ele que, não tendo mais a resistência da URSS e contando com o apoio das ditaduras dos maiores países árabes, os EUA, graças à sua capacidade de intervenção econômica, militar e midiática, ditariam a sua vontade no mundo. Assim, seria o fim da história, ou talvez a história única, a dos EUA.
Contrário à sua vontade, a história continua: a Rússia pós-URSS segue seu destino autoritário; a China conquista cada vez mais espaços na economia e no mercado mundial; Brasil, Índia e África do Sul tornaram-se países influentes na economia e na geopolitica internacional; e, o mais importante, no mundo todo o povo vai às ruas e protesta, busca novos paradigmas.
Quando o tunisiano Mohamed Bouazizi, de 26 anos de idade, ateou fogo no próprio corpo num gesto de protesto, não sabia que este seu gesto acenderia as chamas de revoltas populares em vários países árabes. Tampouco sabia ele que algumas semanas após seu ato, à custa de mais de mil mortos, o povo de seu país (Tunísia) e o povo do Egito derrubariam suas respectivas ditaduras e ditadores.
Mohamed Bouazizi (Tarek al-Tayyib Muhammad ibn Bouazizi, 29 de março de 1984 – 4 de janeiro de 2011) era um vendedor ambulante na Tunisia. No dia 17 de dezembro de 2010, ateou fogo à própria roupa.
Mohamed, por não conseguir um emprego formal, vendia frutas e legumes para manter sua família. Em protesto ao confisco que a policia fez de seus produtos, ateou fogo em si próprio.
Na ocasião deste ato, Ben Ali era o ditador da Tunísia, e estava havia 23 anos no poder. Era um dos ditadores árabes que seguia os ditames do pensamento único, ou seja, do modelo neoliberal, que tem como um de seus resultados o alto desemprego. Bouazizi era um dos desempregados.
Após a queda de Bem Ali, o povo do Egito iniciou um movimento contra a ditadura de Hosni Mubarak. Clamava por liberdade política, emprego, melhor qualidade de vida para os pobres e contra a corrupção. Depois de três semanas de manifestações de rua, tendo como símbolo a Praça Tahrir, o ditador Mubarak deixa o poder depois de 30 anos.
Animados pelo fim destas duas ditaduras, o povo do Bahrein pede a renúncia da ditadura familiar que governa este pequeno Estado desde a década de 1780 (não errei: há mais de 220 anos a dinastia Khalifa governa este pequeno país do Golfo).
Este movimento ficou conhecido como a “Primavera Árabe” e se estendeu para a Líbia, Síria, Argélia, Iêmen, Marrocos e Jordânia. Em alguns países, foram ou estão sendo violentamente reprimidos, como é o caso da Síria.
Como se fala muito em primavera, fui atrás de informações: quis saber qual a flor ou a planta típica do Egito. Na internet, descobri que uma da plantas místicas do Egito foi o papiro (mehyt). Acreditava-se que pilares de papiro sustentavam o céu.
Outra planta simbólica deste país é o lótus, uma flor que fecha a noite e se afunda debaixo d’água. Ao amanhecer, sai e floresce novamente.
O papiro é milenar e espero que seja um dos pilares desta primavera e que os jovens egípcios sejam como a flor de lótus, submerjam no iminente perigo e que, no alvorecer seguinte, deem as flores da liberdade.
Fukuyama errou principalmente por ignorar o poder popular, que, mesmo que submerso pelas ditaduras, um dia floresce.
* Dr. Rosinha, é deputado federal (PT-PR), militante da DS e ex-presidente do Parlamento do Mercosul.