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Fundações Estatais: Uma Releitura das Organizações Sociais?

O presente texto tem a pretensão de apresentar uma posição em relação ao debate sobre Fundação Estatal. Não queremos tergiversar sobre o tema e sim reapresentar nossa opinião, consolidada desde 1995, em relação a propostas de descentralização da gestão pública que incluem no seu centro a instabilidade na relação de trabalho e a desresponsabilização do Estado com a materialização dos direitos sociais.

CELSO CARVALHO e VERA MIRANDA

O PT e a DS tiveram uma postura de oposição a Reforma Administrativa de Bresser Pereira. Portanto, para nós, que compreendemos as Fundações Estatais como releituras das Organizações Sociais, não temos dúvidas de que a Fundação Pública de Direito Privado é corolário da emenda constitucional 019/98, por conseguinte, mantemos nossa mesma posição de 1995.

Fomos radicalmente contra por razões que feriam nossa concepção de Estado (DS) e nosso programa político partidário (vide Programa de Governo do PT de 1994) para as áreas sociais, sobretudo às da educação e saúde.  Cremos que as premissas encontradas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado são as mesmas que fundamentam a “nova” tecnologia de gestão.

Neste sentido queremos demonstrar que a lógica e as premissas básicas usadas por Bresser (e mesmo nas anteriores reformas administrativas como foi a reforma de 1967) são as mesmas que sustentam a proposição das Fundações Estatais. Premissas como: o Estado não sabe gastar; o Estado é ineficiente; as funções públicas precisam ser classificadas para uma melhor gestão; a Constituição de 1988 emperrou o Estado; os servidores públicos são, por natureza, ineficientes; uma boa gestão precisa de autonomia em relação a força de trabalho, etc…

A Esquerda, o Estado e as Fundações Estatais.

Ainda que pareça panfletário ou principista, não podemos nos furtar no debate, no interior da DS e da CSD, e resgatar o porquê da disputa nos espaços institucionais sob o olhar da luta pelo socialismo. A razão é sintetizada na estratégia da pinça, formulada por nossa corrente.

O duplo movimento de inserção no Estado e nas lutas sociais obedece a um elemento programático: a construção da democracia socialista através da ruptura com o Estado, superando a institucionalidade burguesa e construindo formas de poder popular.

Um exemplo claro desta política é o projeto de Economia Solidária que gesta, de forma silenciosa, centros de poder econômico popular. Nossa participação, dentro do Estado, está conectada com o movimento real de emancipação dos trabalhadores, dando conta, portanto, do nosso objetivo estratégico. Para nossa não surpresa, a condução desta política é feita por camaradas da DS.

Entendemos que nossa participação dentro do Estado só tem sentido se estiver sob o olhar da política da “pinça”. Estamos lá para impulsionarmos o processo de transformação social e, portanto, necessariamente, fazermos, dentre outras coisas, o enfrentamento com a burocracia que está a serviço da burguesia.

Ora, em nossa compreensão, a “nova tecnologia de gestão”, denominada Fundação Estatal, opera a partir de premissas liberais (apresentadas com propriedade por Bresser Pereira no seu Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado), portanto, não é através dela que vamos desconstituir o estado burocrático-burguês.

Destacamos duas visões liberais que aparecem explicitamente no debate de hoje e que queremos dialogar neste texto: o Estado é ineficiente na prestação de serviços e a estabilidade do servidor público contribuiu para esta ineficiência.

Socorremos-nos em Maria Lúcia Miranda Álvares, analista judiciária, assessora jurídico-administrativa da presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, em Belém (PA), para a identificação de que a premissa da eficiência tem sido trabalhada ao longo da história das proposições de “necessidade” de “eficiência no setor público” (o que temos concordância a partir do conceito de eficiência social, o que nada tem haver com a eficiência do setor privado, embora, esta última é que prevaleceu no debate de Bresser e é reapresentada no diálogo da Fundação Estatal):

“…No Brasil, a paternidade da implementação da eficiência no setor público foi reivindicada por muitos governos. Em 1964, o Presidente Castello Branco já ressaltava que o setor público deveria operar com a mesma eficiência das empresas privadas, o que acabou por gerar a primeira grande Reforma Administrativa, que teve no Decreto-lei nº 200, de 1967, o seu ponto culminante, com a proclamação de princípios elementares para a organização da Administração Pública: o planejamento, a descentralização, a delegação de competência, o controle de resultados e outros…”

Ela mesma que, através de Alex Fiúza de Mello, desmistifica o conceito de eficiência no setor privado, apresentando com nitidez a quem serve a “eficiência do mercado”:

“…Em pleno Século XXI, o modelo privado da eficiência continua a ser a voga da modernidade da máquina estatal. Não houve mudança de paradigma. O novo tempo tem o condão de quebrar, tão-somente, as estruturas que se enrijeceram, proporcionando novos olhares sobre o mesmo fundamento. Mas há que se indagar, diante de tantas formas de produção (em essência, a eficiência está vinculada às formas de produção), o porquê da insistência em se buscar no setor privado a fórmula para se incrementar a máquina administrativa. Sob esse contexto, faz-se necessário, em primeiro plano, conhecer um pouco da realidade e das necessidades das empresas privadas, o que ora se faz sob o enfoque da exploração capitalista haurida da obra “Marx e a Globalização” (3), de Alex Fiúza de Mello:

            “Por outro lado, o anunciado espírito universal e inovador da ‘revolução Toyota’ – saudado por muitos como um novo ‘modo de regulação’ da economia capitalista mundial – com todo o seu aparato de ‘qualidade total’, não deixa dúvidas quanto aos objetivos máximos de sua política: empregar um mínimo de trabalhadores, cobrando-lhes o máximo de produtividade; o que se traduz em dados bastante concretos: enquanto um operário de uma montadora na Bélgica (Ford-Genk, General-Motors-Anvers, Volswagen-Forest, Renault-Vilvorde e Volvo-Gand) trabalha em média 1.550 a 1.650 horas/ano, seu correspondente Toyota fica na fábrica cerca de 2.300 horas/ano, fazendo com que, no Japão, um veículo seja produzido numa média de 19 horas, contra as 36 da média européia” (grifos nossos)…”

A Eficiência e a Estabilidade

Diante disto perguntamos: de que eficiência nós estamos falando? Neste debate não encontramos conceito de eficiência pública, que deve ser intrínseca a função pública. Ora, Bresser Pereira, deixou bem claro que o conceito de eficiência era o privado. Para ele o setor privado é eficiente por natureza e o Estado é ineficiente na prestação de serviços. Foi com base neste conceito que o Governo Fernando Henrique introduziu a eficiência como princípio da função pública no artigo 37 da Constituição Federal.

É desta eficiência que estamos falando no debate sobre Fundação Estatal? Esta é a razão pela qual queremos quebrar a estabilidade do servidor público? Tornar o Estado eficiente quando administrado com flexibilidade, podendo remunerar força de trabalho referenciado no mercado e demitir quando “tal” servidor se tornar “ineficiente”?

Vejamos o que diz no documento “Projeto FUNDAÇÃO ESTATAL – Principais Aspectos”, no título “Gestão de Pessoal”, sub-título “Ausência de estabilidade”:

“…Muito embora a relação jurídica trabalhista que se estabelece entre a fundação estatal e seus empregados sofra influência de algumas normas de direito público, como, por exemplo, a exigência de concurso público para a investidura, o certo é que a garantia da estabilidade não incide na referida relação, o que possibilita assegurar a agilidade e flexibilidade necessárias aos processos de contratação, remuneração e dispensa de seus empregados, mediante adoção de políticas de avaliação de desempenho…”

E na nota de rodapé de número 14, explicita qual o objetivo da quebra da estabilidade, e o renascimento do “emprego público”, ambas encaminhadas pela Reforma Administrativa de Bresser Pereira na Proposta de Emenda à Constituição nº 19/98 que motivou os Partidos Políticos  PT, PSB, PDT e PCdoB a demandarem ao Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no ano de 2000:

“…Por outro lado, nas áreas em que atua de forma concorrente com a iniciativa privada, é indispensável que o Estado possa aplicar o regime de emprego celetista, mais flexível e aberto à inovação e à especialidade, atributos essenciais a quem atua em ambiente concorrencial e precisa garantir a qualidade dos serviços e a incorporação de novas tecnologias geradas para o setor. O conceito de postos profissionais, remunerados com base nos valores praticados no mercado, concede maior eficácia e eficiência gerencial a essas organizações, além da possibilidade de cooptação e manutenção de quadros qualificados de profissionais…” (grifos nossos).

Se formos ao texto de Bresser intitulado “A Reforma do Aparelho do Estado e a Constituição de 1988”, no título “O núcleo Burocrático, os Serviços e os Objetivos”, encontraremos uma “similaridade” espantosa com o raciocínio apresentado, em diversos documentos e textos, sobre a sustentação das Fundações Estatais:

“…Por isso, enquanto no núcleo burocrático o princípio administrativo fundamental é o da efetividade, é o da capacidade de ver obedecidas e implementadas as decisões tomadas, no setor de serviços o princípio correspondente é o da eficiência, ou seja, de uma relação ótima entre qualidade e custo dos serviços colocados à disposição do público…”

Ora, nos parece bem claro de que os fundamentos apresentados até agora pelo Ministério do Planejamento, e demais camaradas nossos, passa por alguns axiomas que aparecem em ambos os textos: o Estado tem déficit fiscal, portanto tem pouco recursos para a geração de educação, saúde, cultura, etc. Por conclusão,  o Estado na prestação de serviços precisa ser “eficiente” como o setor privado, otimizando recursos  e, por conseqüência, precisando ter autonomia na gestão da força de trabalho, na gestão patrimonial e financeira. Parece-nos que estão colocados os mesmos pressupostos da Reforma Administrativa de Bresser Pereira. Ou não?

Descentralização: porque Fundação Estatal?

O que nos parece incompreensível é o discurso confuso em relação a natureza jurídica da Fundação Estatal e o porquê de utilizá-la. Já existem modelos de descentralização, com flexibilidade administrativa, no direito público, como as Autarquias, criadas justamente com estes propósitos no Decreto Lei 200/67.

Temos acordo de que o Estado Burocrático concentra suas atenções nos processos, esquecendo qual o objetivo social da função pública. Temos consciência de que na prestação de serviços, sobretudo na saúde e educação a burocratização, é inimiga da qualificação. Esta é a razão pela qual lutamos por democratização no Estado com participação popular nas formulações de políticas públicas. A descentralização é aproximar o usuário da oferta de serviços públicos, permitindo uma maior participação e controle social.

O modelo do SUS responde com grande propriedade a visão de descentralização e controle social que defendemos. E nesta visão está colocado a lógica sistêmica que devemos ter em relação as políticas públicas. Descentralização não é sinônimo de atomização.

As Fundações Estatais na medida em que prevêem política remuneratória por instituição, referenciada pelo mercado e estabelecem um Contrato de Gestão entre a Fundação e o Estado (este contrato de gestão foi introduzido por Bresser na Reforma Administrativa, artigo 37, § 8º) sem diretrizes nacionais (cada contrato encerra-se em si mesmo, conforme a realidade de que órgão), a bem da verdade não descentraliza serviços, mas fragmenta o Estado e precariza as relações de trabalho no seu interior. Lógica esta, antagônica ao SUS que debate na “Mesa Nacional de Negociação do SUS” diretrizes nacionais para carreiras no Sistema Único de Saúde”. Além disso articular as ações em saúde entre União, Estados e Municípios, hierarquizando-as e, promovendo uma brutal participação e controle sociais através dos conselhos municipais, estaduais e nacional da saúde e das conferências, também municipais, estaduais e nacional.

Talvez a confusão jurídica seja resultante de uma visão pragmática que, implicitamente, concorda com a tese de que não há recursos suficientes para as áreas sócias e que o SUS não dá conta de um modelo de gestão “eficiente”.

O Foco Saúde

Também nos parece inadequado o foco da saúde para sustentar esta Política de Estado, quando este “mecanismo de gestão” serve para diversas áreas do Estado e nos seus diversos níveis de governância. Portanto, o debate deveria ser primeiramente conceitual. Ele está sendo feito sob um olhar pragmático, sustentado com muito mais ênfase pelos gestores públicos na área de saúde, ou por atores ligados a gestão, ou ex-gestores desta área. Por conseguinte, esquecemos, por exemplo, qual o impacto desta Política de Estado para a gestão das florestas (algo que já está posto pela Fundação Estatal Chico Mendes). Aliás, porque a imposição de cima para baixo, sem um debate profundo na sociedade? Porque o envio do PLP 92/07 ao Congresso Nacional? Porque tanta afobação? Estamos falando de uma Política de Estado para as próximas décadas, que poderá mudar radicalmente a silhueta do Estado brasileiro nas áreas sociais.

Se pensarmos a médio e longo prazo, sobretudo na gerência desta política por futuros governos conservadores, podemos visualizar um caos no aparelho e na gestão do Estado Brasileiro. O próprio SUS, como modelo de gestão pública para a saúde, e como referência para outras áreas, como a educação, por exemplo, será duramente golpeado. Haverá a fragmentação do Estado, propiciando maior facilidade da introdução da lógica privada na coisa pública. E lembremos que a máquina estatal, hoje, é cortada por interesses privados e, os resquícios do patrimonialismo e do clientelismo estão presentes em todas as dimensões do Estado Brasileiro.

Conclusão

Para concluirmos, precisamos entender melhor o porquê dos nossos camaradas estarem defendendo esta política, com nítido corte bresseriano. Estes mesmos camaradas não tiveram dúvidas em combater a Reforma do Aparelho de Estado de Bresser Pereira, no ano de 1998.  Os argumentos apresentados são muito frágeis para sustentar uma mudança de olhar (argumentos tipo: é preciso responder as demandas urgentes do povo brasileiro, os gestores operam na realidade e debates conceituais não transformam o Estado, etc.)

As Fundações Estatais estarem na Administração Pública Indireta, no campo do direito privado, não é uma diferença consistente, por exemplo,  em relação as Organizações Sociais, que eram classificadas como entidades da sociedade civil. Aliás, como entidades da Administração Indireta, as Fundações Estatais estão sujeitas a controles públicas e, em grande medida, suscetíveis ao Estado Burocrático.

Portanto, estes argumentos, e outros, são muito pouco para diferenciar uma coisa da outra. Até porque a Fundação Estatal se sustenta na quebra da estabilidade, na possibilidade de gestão de força de trabalho por fundação, na carreira por instituição, na remuneração referenciada no mercado, etc. Estes elementos, e outros, estavam colocados também para as Organizações Sociais.

A bem da boa reflexão, acreditamos que a “força da burocracia estatal” está fazendo nosso Partido, responder administrativamente as demandas reprimidas do povo brasileiro. Só este raciocínio nos parece adequado para justificar os vacilos de nossos camaradas e de nosso Partido. Neste sentido o camarada Juarez Guimarães, em texto escrito à Revista Teria & Debate, no ano de 1990, pode nos conduzir à compreensão deste aspecto. Diz ele:

“…O peso das nossas indefinições estratégicas atravessa hoje todos os planos de nossa atividade na luta de classes: está rigorosamente expresso nas administrações populares, cujas intenções políticas transformadores estão soterradas pelo peso das opções administrativistas…”.

Encerramos dizendo que devamos travar o bom debate. Infelizmente o PLP 92/07 já está no Congresso e isto impõe ao diálogo uma iniqüidade. Mas uma vez estamos submetidos a “Razão de Estado”. E desta vez, estamos no Estado…

Vera Miranda é Diretora da Fasubra e Celso Carvalho é Coordenador do Sintest/RS – Aptafurg

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