Rodger Richer
Rendel Porto de Moraes
O Brasil passa por um momento político peculiar, polarizado e tensionado, o qual já se desenhava desde a eleição de 2014. Naquele período estava em disputa dois projetos distintos. Ao fim da eleição, o projeto democrático-popular, defendido pela campanha de Dilma Rousseff, foi o escolhido pela maioria da população. O ano de 2015 foi repleto de surpresas negativas para a política brasileira, resultando, inclusive, na readequação do projeto eleito. Mas a polarização dada se mostrou além dos projetos em disputa, e o ódio pelo ódio prevaleceu. Hoje estamos assistindo ao desdobrar de todo esse processo, que parece encaminhar para o pior desfecho possível: uma iminente tentativa de golpe, a criminalização de um dos maiores líderes políticos da América Latina e o sentimento de ódio e autoritarismo desvelado e propagado como ação política. Mas a pergunta que se impõe nesse cenário é a seguinte: Esse é um golpe contra quem?
O Brasil passa por um momento político peculiar, polarizado e tensionado, o qual já se desenhava desde a eleição de 2014. Naquele período estava em disputa dois projetos distintos. Ao fim da eleição, o projeto democrático-popular, defendido pela campanha de Dilma Rousseff, foi o escolhido pela maioria da população. O ano de 2015 foi repleto de surpresas negativas para a política brasileira, resultando, inclusive, na readequação do projeto eleito. Mas a polarização dada se mostrou além dos projetos em disputa, e o ódio pelo ódio prevaleceu. Hoje estamos assistindo ao desdobrar de todo esse processo, que parece encaminhar para o pior desfecho possível: uma iminente tentativa de golpe, a criminalização de um dos maiores líderes políticos da América Latina e o sentimento de ódio e autoritarismo desvelado e propagado como ação política. Mas a pergunta que se impõe nesse cenário é a seguinte: Esse é um golpe contra quem?
Democracia ameaçada
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar: um golpe não nasce pronto. Faz-se necessário criar o cenário adequado e o contexto favorável. E os elementos necessários começaram a entrar em cena há muito tempo. Em 2014, fora eleito o Congresso mais conservador da nossa história. Em um ano de legislatura colecionamos retrocessos e afrontas públicas aos avanços sociais conquistados com tanto suor. Sob a liderança do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB – RJ), sucessivas derrotas foram organizadas contra a população brasileira: a aprovação da PEC 171 que prevê a redução da idade penal; a PL 4330 que amplia a terceirização e a PL 5069 que dificulta o acesso ao atendimento das mulheres vítimas de violência sexual no SUS, entre outras. Aliado à atuação conservadora do Congresso, viu-se uma mídia operante em construir consenso na opinião pública com o claro objetivo de legitimar os retrocessos em votação na Câmara (vide o grande número de matérias envolvendo assassinatos cometidos por jovens quando se discutia a PEC 171), além de buscar inflamar, a cada nova votação, o embate entre o presidente da Câmara e o Executivo, criando, assim, o melhor argumento para se alinhar à crise econômica já anunciada, a de uma crise política. Mas o cenário não está completo apenas tendo o Legislativo e o Executivo em embate, e o Judiciário entra a todo vapor nessa celeuma a cada novo factóide da lava-jato. Por fim, uma classe insatisfeita vai às ruas: sem projeto político, para destilar ódio de classe e incitar os desejos conservadores mais nefastos em nome da “moral”. A direita, que em um primeiro momento se viu titubeante em relação ao impeachment, percebeu o momento favorável e embarcou no objetivo de chegar ao poder sem voto, sem povo.
Entretanto, o período sombrio forjado desde o início de 2015 e que se escancarou no dia 16 de março, não é obra do acaso, mas uma reposta às políticas exitosas inauguradas pelos governos do PT: a inclusão social de classes mais pobres. E aí foi na ferida, na parte onde mais dói: nos privilégios de classe. Essa insatisfação ficou por tempo velada, ou melhor, não tão explícita. Mas o cenário criado desde o início do segundo mandato de Dilma fez a classe média perceber que as suas ideias têm coro e podem ser apresentadas publicamente sem maiores danos, vemos exemplos como estes nas declarações racistas, homofóbicas e misóginas de pessoas como Bolsonaro serem reproduzidas como forma de defender a moral e os bons costumes. Em resumo, é um grupo que sente seus privilégios ameaçados com os avanços conquistados através das políticas sociais implementadas no último período e não tolera que o país seja governado pela primeira vez na história por uma mulher. Misoginia e ódio de classe se somam nas tentativas golpistas.
Ampliação democrática
Desde 2003, profundas transformações democráticas foram implementadas no Brasil. Foi a partir dos governos Lula e Dilma que a classe trabalhadora, as mulheres, a população negra, indígenas e quilombola tiveram maiores possibilidades de viver melhor. É uma opinião majoritária entre a esquerda que nos últimos anos avançamos muito nas políticas públicas para os setores vulneráveis, a exemplo da criação do programa Bolsa Família; Minha Casa Minha Vida; do Estatuto da Igualdade Racial; do Estatuto da Juventude; das Conferências temáticas; dentre outros. Na Educação Superior os governos Lula e Dilma coordenaram um avanço nunca antes visto na história: expansão das Universidades Federais, através do REUNI; democratização do acesso, através da Lei de Cotas nas Universidades Federais; do Programa Universidade Para Todos (PROUNI); do FIES e do ENEM Sisu. A partir de tais políticas, a população pobre, que devido ao passado escravista é majoritariamente negra, passou a ter acesso a esses espaços até então reservados apenas para as elites econômicas do país. Agora o filho e a filha do pedreiro, da empregada doméstica, do pescador, têm maiores possibilidades de viver melhor e, inclusive, se tornarem doutores e doutoras.
As vozes democráticas nas ruas: qual democracia queremos?
Ao defender a democracia, não estamos apenas defendendo um sistema de governo. Mas estamos advogando a todos os direitos e conquistas sociais que estão sendo ameaçadas pela escalada fascista. O Brasil possui uma frágil e incompleta democracia que é altamente permeável tanto pelos interesses privados que financiam campanhas eleitorais e, portanto, influenciam nas decisões políticas; quanto por um Judiciário que toma posições políticas e por uma mídia que representa os interesses da classe dominante. O que está em jogo não é um projeto político partidário, mas todo conjunto de avanços conquistado a duras lutas nos últimos anos.
Se é verdade que este ano muitas mobilizações conservadoras e golpistas tomaram as ruas do Brasil, é certeza de que os movimentos sociais deram um show de defesa da democracia ocupando ainda mais as ruas brasileiras. Ao contrário de propagar o ódio, as marchas democráticas – Marcha das Margaridas; Marcha das Mulheres Negras; mobilizações coordenadas pela UNE; entre outros – apontaram uma agenda não apenas de defesa da democracia, mas em torno do seu aprofundamento. Em 2016 existem algumas agendas nacionais em defesa da democracia: a do dia 18 de março convocada pela Frente Brasil Popular nas diversas regiões do país; a do dia 20 em algumas cidades que realizarão atos artístico-culturais; e a do dia 31 em Brasília – resultado da unificação das frentes em luta – cuja meta são 100 mil pessoas.
Esse é um GOLPE contra nós!
O que está em jogo nesse atual cenário político não é um golpe contra a Dilma, contra o Lula, contra o PT ou contra o governo. Trata-se de um golpe contra aqueles e aquelas que conquistaram mais direitos através das políticas socias implementadas no último período – negros e negras, mulheres, indígenas, quilombolas e pessoas com vulnerabilidade social e econômica. A nossa tarefa é a seguinte: ir às ruas, defender com unhas e dentes os projetos que mudaram nossas vidas e o nosso país. Estaremos em permanente mobilização não apenas para barrar o golpe, mas lutar por mais avanços e democracia!
O AMOR VENCERÁ ÓDIO!
*Rodger Richer, 23 anos, é estudante do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Diretor de Combate ao Racismo da União Nacional dos Estudantes (UNE) e membro do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR)
**Rendel Porto de Morais é mestrando do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Comente com o Facebook