Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o chefe da Casa Civil do governo paraense, Cláudio Puty, fala da importância do Fórum Social Mundial, da relação com os movimentos sociais e dos principais desafios colocados para a administração estadual, além de rebater as críticas à organização do evento. “Queremos criar uma cultura de esquerda renovada em Belém e em todo o Estado, onde as pessoas se sintam envolvidas com o Fórum”, resume Puty.
Maurício Thuswohl
BELÉM – Mais do que a organização de um grande evento internacional, a realização da próxima edição do Fórum Social Mundial em Belém (27 de janeiro a 1º de fevereiro) representa para o Governo do Pará a possibilidade de dar visibilidade às políticas públicas desenvolvidas nos últimos dois anos em nível estadual. Muitas vezes criticado por problemas que, na verdade, antecedem sua chegada ao poder, o governo do PT pretende mostrar durante o Fórum suas ações em pontos sensíveis como desmatamento, regularização fundiária, direitos humanos e participação popular, entre outros.
Chefe da Casa Civil do governo paraense, o economista Cláudio Puty é um dos que trabalham para o sucesso do FSM. Em entrevista exclusiva à Carta Maior, ele revela como foi a relação do governo com os movimentos sociais durante o processo organizativo do Fórum, cita os principais desafios que vêm sendo enfrentados pela administração da governadora Ana Júlia Carepa e fala de suas expectativas para o pós-FSM. Puty também rebate as críticas recebidas pela organização do Fórum no que se refere às verbas repassadas pelo governo federal e à suposta falta de condições logísticas de Belém para receber as 100 mil pessoas que chegarão à cidade. Leia abaixo a íntegra da entrevista;
Carta Maior – Como o Governo do Pará está se preparando, do ponto de vista político, para receber o Fórum Social Mundial em janeiro?
Cláudio Puty – A nossa primeira reação ao receber a bela notícia de que o Fórum Social Mundial seria realizado em Belém foi de alegria e preocupação, pois a cidade tem características próprias, com a estrutura urbana muitas vezes precária. Temos áreas alagadas e uma população muito mais empobrecida do que, por exemplo, a população de Porto Alegre. A primeira ação do governo foi propor ao comitê organizador um território para o Fórum. Nós propusemos a Terra Firme, que é uma área de habitação popular próxima ao campus da Universidade Federal do Pará. Isso pra gente foi uma oportunidade de fazer o território do Fórum numa área em que o governo está investindo muito. Quando o PT estava na Prefeitura de Belém, iniciou o processo de dragagem de um igarapé em Terra Firme. Essa obra parou, mas agora foi retomada como parte do PAC, numa ação gigantesca de urbanização, saneamento e construção habitacional.
Estamos fazendo vários outros investimentos na área, como a construção de um parque tecnológico em parceria com a universidade e a duplicação de uma via. Existem também ações, com o envolvimento da comunidade, associadas ao desenvolvimento urbano. Criamos comissões de fiscalização e temos um processo de orçamento participativo no qual elegemos conselheiros naquele bairro. Temos o fomento à legalização e à capacitação das várias rádios comunitárias existentes na região. Enfim, o governo trata aquele território com muito carinho, no sentido de o usar como exemplo de que uma nova cidade é possível. Isso é uma sinalização de gestão do governo no que se refere à política.
CM – Como está a relação entre o governo e os movimentos sociais nesse processo de organização do FSM?
CP – No que se refere à pauta específica do Fórum, nós, como militantes vindos dos movimentos sociais e hoje no governo, tivemos no início do processo algumas dificuldades com a organização. Talvez, por estarmos muito afoitos. Isso criou uma tensão com o comitê organizador do Fórum, mas que foi logo resolvida. Ficou estabelecido na nossa cabeça que o comitê organizador é o grande responsável pelo evento. Ao governo, mesmo que sejamos militantes políticos, cabe ficar no apoio. Obviamente que existe uma pauta extensa de temas associados ao desenvolvimento da região amazônica e também associados aos debates que dividem ou unificam a esquerda, ou separam a esquerda da direita no mundo, da qual estamos muito animados em participar.
No que se refere à Amazônia, existe uma série de problemas que nós estamos enfrentando com políticas públicas, algumas bem sucedidas e outras com limites associados ao tamanho do desafio. Além das ações concretas do governo, estamos tentando pautar essas discussões no Fórum e em seus eventos preparatórios para colocar de forma bem clara qual é a nossa concepção para a solução dos problemas da região, o que estamos fazendo e o que nos separa de outras percepções sobre os mesmos problemas.
CM – Quais são os principais problemas identificados pelo governo?
CP – Existem problemas associados ao ordenamento fundiário da Amazônia, à posse da terra e à viabilidade dos assentamentos da reforma agrária. Temos problemas associados à extensa agenda ambiental. Para combater o desmatamento, o governo criou o ambicioso projeto de um bilhão de árvores para a Amazônia, que é também uma forma de se instigar o debate sobre o reflorestamento tanto junto aos agricultores familiares quanto junto às grandes empresas. Temos uma série de questões associadas ao desenvolvimento urbano e à necessidade de a gente fomentar um novo modelo de desenvolvimento para a região que não seja somente baseado no extrativismo ou no uso pouco qualificado dos recursos naturais.
O governo criou uma secretaria de ciência e tecnologia, que aqui não existia, está construindo o Parque Tecnológico do Guamá na área do Fórum Social Mundial, criou bolsas de doutorado e o fomento a atividades produtivas que possam conseguir se complex ificar e agregar valor em torno de uma economia florestal. São símbolos e ações concretas com os quais nós esperamos pautar a agenda do Fórum.
Além da agenda da Amazônia, existe toda uma outra agenda associada à crise financeira internacional, e nós esperamos também participar, sob a orientação da governadora, desses debates concretos junto aos movimentos sociais para colocar no centro do Fórum a discussão sobre o desenvolvimento mundial, que também é ligado à Amazônia. Nós não compramos a visão conservadora e xenófoba, difundida por ruralistas e madeireiros mais atrasados, de que as ONGs representam interesses estrangeiros, são contra o desenvolvimento e querem transformar a Amazônia num zoológico.
Na nossa visão, o problema do desenvolvimento da Amazônia, pelo contrário, foi criado pela ocupação desordenada, pela grilagem e pelo desrespeito aos direitos humanos. É verdade que em alguns ciclos internacionais, e inclusive nacionais, existe uma visão simplória do que é a Amazônia. A visão de que é um inferno verde e um vazio populacional não corresponde à verdade, já que são cerca de 30 milhões de habitantes e essas pessoas estabelecem relações sociais entre si. A solução para os problemas do desenvolvimento não pode ser encontrada se não forem levadas em conta essas relações sociais. Temos que envolver as pessoas em discussões sobre temas como hidrelétricas, estradas, ocupação fundiária, etc. Tudo isso nos leva a discutir como a Amazônia se insere no desenvolvimento nacional.
CM – O governo estadual segue uma linha política diferente daquela observada na maioria das prefeituras paraenses, inclusive a de Belém. Como está se dando a participação das prefeituras no processo de organização do FSM?
CP – Olha, as prefeituras foram muito tímidas até agora. Os prefeitos, que tem outras agendas e preocupações, ainda não estão totalmente mobilizados para o Fórum. Nós tivemos uma reunião com os prefeitos na semana passada, com a presença de representantes de 143 prefeituras, sendo 115 prefeitos, onde foi feita uma apresentação sobre o Fórum. Eles começaram a entender melhor, mas, você pode imaginar, o Pará tem municípios em locais muito isolados. Talvez o Fórum, mesmo sendo realizado em Belém, pareça para alguns uma realidade muito distante.
Existem prefeitos do PT que estão se mobilizando para o Fórum Social Mundial. O prefeito de Parauapebas, por exemplo, está organizando um fórum em Carajás, na região de Marabá, e outros prefeitos estão organizando caravanas para vir ao Fórum. Em relação a Belém, nós repassamos recursos para que a prefeitura fizesse o asfaltamento de áreas ligadas ao FSM e estamos aguardando a resposta da prefeitura no que se refere ao restante do apoio para a estrutura local do Fórum. Existem questões que dependem da prefeitura, como, por exemplo, a saúde, que é municipalizada. Estamos aguardando para ver o que acontece.
CM – Têm surgido na grande imprensa do sul do país críticas à organização do FSM. Dizem que o governo federal está colocando dinheiro demais para ajudar o Governo do Pará e também que Belém não terá condições logísticas de receber as 100 mil pessoas ou mais que devem chegar à cidade para o Fórum. Quais seus comentários sobre essas afirmações?
CP – Não acho que o governo federal esteja colocando dinheiro demais. Eu, como membro do governo estadual, jamais reclamaria. Houve um aporte significativo de recursos que é muito bom, mas não são recursos para o evento. São recursos para a estruturação de uma área pobre da cidade. Urbanização, recursos para a estruturação da segurança pública, para a construção do parque tecnológico, para a capacitação de agentes de turismo, para estruturação das universidades, etc. Eu arriscaria dizer que 90% dos recursos são para ações estruturantes que serão úteis para a cidade também no pós-Fórum. Porto Alegre não tinha no primeiro FSM a mesma estrutura que tinha no quarto. O que o governo federal está fazendo é ajudar um município importante do Brasil para que ele possa se estruturar. Parte das habitações de Belém é considerada precária. Então, nada como uma demonstração concreta de apoio por parte do governo federal a um evento cuja pauta política é afinada com seus interesses.
No que se refere à capacidade de Belém, é muito natural que enfrentemos gargalos, pois chegará uma quantidade grande de gente. Nós temos experiência aqui no trato com milhões de pessoas, com alojamentos. Nós temos todo mês de outubro aqui em Belém uma procissão onde a cidade dobra de população, temos experiência de hospedagem solidária nas casas de pessoas. Isso não nos assusta, estamos preparados. É claro que teremos problemas, assim como todas as cidades que receberam o Fórum tiveram problemas. Houve dificuldades nos fóruns realizados na Índia, na África, na Venezuela, o primeiro fórum em Porto Alegre deve ter encontrado problemas de logística. O planejamento está à disposição, e acho que cabe às pessoas avaliar. Nós do governo estadual estamos muito alertas e muito preparados para receber o FSM.
CM – O FSM deu nova dinâmica política às cidades por onde passou. Qual será a herança política que o Fórum deixará para Belém?
CP – Esperamos que a herança política seja a mais progressista possível. Por isso, nós escolhemos um bairro da cidade aonde tradicionalmente os votos vão para a esquerda, pois houve muitas ações da prefeitura do PT lá. Então, estamos querendo marcar território mesmo. Depois de doze anos de administração do PSDB aqui no Estado do Pará, a concentração de investimentos para obras suntuosas na capital foi muito grande. Isso foi uma marca da gestão do PSDB, pela concentração de investimentos na capital e pela construção de algumas ‘pirâmides de vidro’, obras para os turistas e para a classe média alta. Nossas prioridades são outras.
Esperamos também, após o fórum, recuperar o tecido das organizações dos movimentos sociais no Pará, que foi um pouco esgarçado nos últimos anos. Queremos criar uma cultura de esquerda renovada aqui na cidade e em todo o Estado, onde as pessoas se sintam envolvidas com o Fórum. Queremos que as pessoas percebam que o Fórum trouxe melhorias para a cidade, e que tudo isso esteja associado aos ideais libertários e de esquerda.