Notícias
Home / Conteúdos / Artigos / Guerra contra a revolução

Guerra contra a revolução

Em abril de 1918, as forças políticas derrotadas pela Revolução de Outubro deflagraram uma guerra civil contra o governo soviético. Os contrarrevolucionários contaram com apoio e participação ativa dos exércitos dos países imperialistas envolvidos na Grande Guerra. A Rússia revolucionária permaneceu literalmente isolada, cercada por frentes de batalha em grande parte de seus territórios de fronteiras.
 
Lenin encarregou a Trotsky a organização da defesa militar da revolução. Trotsky criou de zero o Exército Vermelho, combinando a formação político ideológica comunista dos combatentes com a técnica militar mais avançada. Mobilizou a vanguarda operária que tinha feito a revolução e convenceu a importantes quadros do exército czarista a se incorporar às fileiras do exército revolucionário.
 
A guerra civil desangrou um país já exausto pela sua participação na Primeira Guerra Mundial. E fez com que as opções para os revolucionários fossem ainda mais dramáticas que o previsto. Não somente a Alemanha que tentou uma revolução operária socialista em 1918-19 não venceu para vir em ajuda à Rússia revolucionária, mas esta teve que defender-se sacrificando o melhor de sua vanguarda revolucionária nas trincheiras da guerra civil.
 
A vitória completa do Exército Vermelho em 1921 mostrou a potência de um povo em armas frente aos exércitos tradicionais.

A CIÊNCIA COMO INSTRUMENTO DA REVOLUÇÃO – POR MARGARIDA SALOMÃO 

Não era de pouca monta o desafio dos revolucionários russos, vitoriosos em 1917. A Rússia de então era um país eminentemente agrário, quase feudal, ainda distante da escala de produção industrial que movimentava seus vizinhos europeus ao ocidente.

O quadro econômico se repetia nos campos da educação e da ciência, fortemente defasados frente aos avanços ocidentais. A nobreza russa enviava seus filhos para estudar na Inglaterra e na França. Toda a grande literatura russa pré-soviética (de Tolstoi a Turgueniev, todos nobres por sinal…) relata isso.

Líder dos sovietes, Lênin sabia que o então emergente país comunista nunca iria conseguir alcançar os níveis de desenvolvimento econômico das nações capitalistas se permanecesse como um país tecnologicamente atrasado. Daí a decisão de, em curtíssimo prazo, investir pesadamente em educação e em melhores condições para os pesquisadores russos.

A primeira linha de atuação deu-se no campo da educação. Cada uma das principais cidades russas receberia uma universidade de significativo porte, a mesma sendo dividida em inúmeros institutos de educação setoriais e dedicados. Segundo o professor Dmitri Gitman, hoje pertencente ao Instituto de Física da USP, apenas a universidade localizada em Moscou chegou a ter mais de cem dessas unidades; outras 500 espalharam-se pelo restante do país, com quase 6 milhões de estudantes matriculados.

O segundo passo foi fortalecer a Academia de Ciências das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Mais do que a incorporação de pesquisadores, esse esforço buscava oferecer condições para que seus cientistas se dedicassem exclusivamente à tarefa da pesquisa científica, sem ocupações outras, como lecionar. Cada pesquisador praticamente possuía um instituto próprio, com liberdade para avançar em seus próprios projetos.

Ambos os esforços permitiram diversos avanços. Um deles, pouco conhecido, o de uma significativa abertura para que mulheres pudessem consolidar sua trajetória acadêmica e científica. Apenas no campo da química, por exemplo, cerca de 40% dos Ph.D. eram de mulheres (contra 5% nos Estados Unidos, por exemplo).

De outro modo, tais políticas também permitiram aos soviéticos consolidarem campos de pesquisa com significativo avanço, particularmente nas áreas de matemática, física e química. Daí a fabulosa atuação dos cientistas russos, muitos deles posteriormente agraciados com premiações de relevância. Nikolay Semyonov, físico-químico, foi o primeiro cientista soviético a ser agraciado com o Nobel. Incorporado à Academia de Ciências da URSS na década de 1920, acabou premiado por suas pesquisas no campo da química, que levaram ao entendimento dos fenômenos associados com os períodos de indução nos processos de oxidação. Seis outros prêmios Nobel seriam concedidos nos anos seguintes, desta vez na área de física.

Parte significativa do avanço científico soviético esteve ligado a esforços militares, ou motivados pela guerra fria. Duas das principais realizações dos pesquisadores russos estiveram associadas a essas causas: a Rússia foi o primeiro país a investir fortemente na conquista espacial, sendo responsável pelo lançamento do primeiro satélite em órbita, o Sputnik; logo, enviaram também o primeiro cachorro, o primeiro homem e a primeira mulher ao espaço. Também no campo da energia nuclear os russos deram passos decisivos, ainda que com atraso frente aos americanos, que levaram para os EUA toda a física da Alemanha derrotada.

Também não é conveniente disfarçar o quanto as distorções do regime soviético atrapalharam o progresso da ciência no país. Em particular, nota-se a perseguição institucional direcionada a alguns campos científicos, ou mesmo a interferência sobre outros, em geral sob a acusação de os mesmos serem “pseudociência burguesa”. A sociologia foi uma das principais vítimas. E os soviéticos ainda tem de amargar o repúdio stalinista à maravilhosa contribuição de Vygostsky, Luria, Leontiev nos campos da psicologia e das neurociências, com descobertas que precederam em muito as investigações ocidentais.

De outro modo, o regime apoiou teorias pseudocientíficas, como as do agrônomo Trofim Lysenko (cuja linha passou posteriormente a ser chamada de lysenkoismo), que rejeitavam conhecimentos científicos consolidados, como a genética de Mendel.

“O que a revolução de outubro deu às mulheres” (creches, escolas, bibliotecas)

Todos os fatos considerados nessa brevíssima recensão, concluímos pelo êxito soviético nas ciências duras (mesmo com a abominável perseguição a cientistas dissidentes), êxito explicado pelo investimento estratégico e sustentado ao longo da vida do regime. A origem militar desse investimento pode ser deplorada, mas espelha o mesmo procedimento do lado ocidental: afinal travava-se a Guerra Fria.

Por outro lado, a relativa improficiência do lado das ciência humanas, sociais e cognitivas, explica-se pela aversão stalinista à liberdade.

O que nos leva à lição inescapável: progresso científico e tecnológico tanto requer (pesado) investimento público como (absoluta) autonomia do pensamento. Só assim é possível imaginar uma resposta decente ao repto kantiano: ousai saber!

Para saber mais:
Gagarin: O Primeiro no Espaço (filme)

Veja também

Paineis reúnem especialistas para explicar avanço da extrema-direita no mundo | Henrique Nunes

Iniciativa do Centro de Análise da Sociedade Brasileira da FPA, o CASB, terá quatro mesas …

Comente com o Facebook