Leonardo Padura*
Apenas oficializada as primeiras medidas da “atualização do modelo econômico cubano”, que ganhará sua forma e projeções definitivas nas sessões do congresso do Partido Comunista, este mês, os efeitos da nova política começaram a mudar, de maneira acelerada, a aparência de uma cidade que, nos últimos 50 anos, parece ter parado no tempo (e inclusive retrocedido com o avanço da deterioração).
Até este instante, a abertura mais contundente e visível é a da revitalização do trabalho por contra própria, com ampliação de suas categorias e atividades (nada espetacular, pois está centrada nos ofícios e em pequeníssimos negócios, mais do que nas profissões). Para exercer as diferentes possibilidades de trabalho privado já foi concedido no país um número notável de novas licenças, apesar de, em seu próprio nascimento, se estabelecer um forte sistema tributário que faz duvidar da capacidade de muitos interessados de poderem cumprir cabalmente os compromissos fiscais.
Esta alternativa de trabalho independente, por muitos anos proibida e depois estigmatizada, cumpre diversas missões, entre elas absorver parte dos empregados estatais e governamentais que ficarão “disponíveis”, segundo a retórica cubana. O número das demissões é calculado em mais de um milhão quando o processo estiver concluído, embora sua execução já tenha sido desacelerada diante da evidência de que a sociedade e a economia não têm muitas alternativas profissionais para tantas pessoas. Por sua vez, o trabalho por conta própria tenta dar um leve, mas necessário, impulso de baixo para cima à descentralização das estruturas econômicas de um modelo no qual, até hoje, a presença do Estado é como o da essência divina: brilha em todas as partes, embora nem sempre visível ou tangível. No mercado de trabalho, naturalmente, a presença estatal e governamental era absoluta e hegemônica, embora desde a crise dos anos 1990 tenha sofrido muitas deserções, considerando que os salários oficiais são insuficientes para os níveis de gastos do empregado médio e muitas pessoas em idade produtiva preferiram passar à atividade do “invento”, termo cubano que engloba as mais diferentes estratégias de sobrevivência.
Entre os “novos negócios” aos quais se voltaram os cubanos sob as condições legais recentemente aprovadas, dois setores são mais procurados: a gastronomia e a venda de produtos agrícolas em todos os pontos da cidade. A avalanche de cafeterias, pequenos restaurantes e vendedores de rua e ambulantes (que necessitam de mínimo ou nenhum investimento) introduziram um ambiente de criatividade e mobilidade, que, no aspecto físico, vai criando no entorno urbano uma imagem de feira dos milagres, na qual cada um vende o que pode e como pode: as centenas de cafeterias (e pode-se perguntar se haverá clientes para todas elas, em um país onde a maioria dos salários, como já disse, apenas garante a subsistência?) brotadas em cada esquina, em portais, ou locais rústicos, quase sempre surgem sem a menor sofisticação e com as características de que os alimentos adquiridos são consumidos de pé, na calçada, passando uma imagem de improvisação e pobreza que são dolorosas.
Enquanto isso, os vendedores de hortaliças e algumas outras produções agrícolas optam por locais ainda menos apresentáveis e pior montados, e, inclusive, pela venda nas calçadas do produto nas mesmas caixas de madeira em que foi transportado ou armazenado. Sem um toque de sofisticação, com a convicção de que a demanda supera em muito a oferta e sem intenções de atrair pela qualidade, apresentação ou pelo preço, estes pontos de venda, mais que uma imagem de pobreza e improvisação, estão trazendo à cidade ares rurais e retrógrados dos quais Havana havia se afastado há muitas décadas.
Junto a esses dois itens dados à luz, oficialmente aceito, o negócio da venda de CDs de músicas, filmes e séries de televisão, pirateados das mais imaginativas e diversas formas. Este negócio, que parte da ilegalidade da atividade que o sustenta, floresce em Havana graças à ilegalidade que lhe concede o fato de que se dedicar à sua venda é um ofício permitido e fiscalizado. Assim, bancadas rústicas, colocadas em portas e calçadas, oferecem ao comprador as últimas produções do cinema norte-americano e as mais recentes gravações dos astros da música, por preços que inclusive atraem os turistas estrangeiros de passagem pela cidade.
A busca por soluções individuais por meio da montagem destes pequenos negócios, sem que existam muitas regulamentações arquitetônicas e urbanísticas que os controlem, vão dando à capital cubana uma imagem de feira sem limites, de cidade onde o rural se mistura ao urbano, a novidade com a improvisação e a feiúra, e a sensação de pobreza se convertem no selo mais característico. Enfim, Havana muda porque tinha que mudar… E um dos preços que paga é o de sua já bastante deteriorada beleza. Envolverde/IPS
*Leonardo Padura é escritor e jornalista cubano. Suas novelas foram traduzidas para mais de 15 idiomas, e sua obra mais recente “El Hombre que Amaba a los Perros”, tem como personagens centrais Leon Trostki e seu assassino, Ramón Mercader. Artigo retirado do sítio da Agência de Notícias IPS – Inter Press Service.