Democracia Socialista

Heloísa Helena e a tática da direita

A direita brasileira está eufórica e excitada. Não que o seu candidato, o seguidor da seita fascista Opus Dei, Geraldo Alckmin, tenha finalmente deslanchado nas pesquisas eleitorais. Pelo contrário. Todos os institutos confirmam sua estagnação na disputa presidencial. O fato novo que deu tanto alento à oposição liberal-conservadora foi o aparente crescimento da candidatura da senadora Heloísa Helena, que encabeça uma chapa composta por três partidos de frágil densidade eleitoral e de baixo enraizamento social (PSOL, PSTU e PCB).

ALTAMIRO BORGES

Sem escamotear a sua tática diversionista, a direita encara este “fenômeno” como a única forma de viabilizar um segundo turno e não esconde sua intenção de inflar esta “oportuna” candidatura!

Logo que soube da “ascensão” da senadora, Alckmin soltou rojões: “Eu e a Heloisa Helena somos menos conhecidos e a tendência é que as duas candidaturas cresçam, garantindo a realização do segundo turno. Tenho respeito pela candidatura da senadora”. Já um dos novos ícones da direita, Reinaldo Azevedo, editor da falida revista Primeira Leitura, explicitou a manobra tática. Em resposta a um leitor do seu blog, escancarou: “Um leitor aí disse que a minha ‘simpatia por Heloisa Helena acabaria se ela ultrapassasse o Alckmin’. Mas quem disse que eu tenho simpatia por Heloisa Helena? Não votaria nela nem para síndica. O fato de eu achar que ela pode ajudar a levar a disputa para o segundo turno não quer dizer simpatia”.

No ápice da sua arrogância, ele ainda deu conselhos à senadora. “Se sou do PSOL, torço, evidentemente, para que o Alckmin vença a disputa pela Presidência por razões muito objetivas. O PT estando fora do poder, Heloísa Helena tem alguma chance de ter relevância no cenário de esquerda. Aí a luta se estenderá às franjas do poder petista, nos sindicatos e outras organizações da sociedade civil. Mais: a chance de o PSOL continuar existindo, com a cláusula de barreira, é a sua candidata ter bom desempenho nas urnas”. Noutro texto, insiste: “Ah, a mulher vai dar trabalho. Sobretudo ao PT. Como ela não é tonta, já sabe que, se Alckmin ganhar, fica mais fácil para seu partido crescer no terreno em que pode crescer: à esquerda”.

Outro direitista convicto e metido à estrategista eleitoral, César Maia, prefeito do Rio de Janeiro e chefão do PFL, chegou a publicar em seu blog uma estranha “carta aberta” com conselhos publicitários a Heloisa Helena: “Trabalhando com pesquisas qualitativas, verificamos com preocupação que sua contundência na TV está passando da posição firme para a percepção da arrogância. Cuidado, reveja seus pronunciamentos no Jornal Nacional [da poderosa Rede Globo]”. Dias depois, ao saber que a candidata “foi convencida a abrandar o discurso para não assustar a classe média”, o pefelista comemorou e deu novas dicas: “Muito bem, senadora! Mas, além de suavizar o conteúdo, o tom da voz e os olhos devem ser suavizados”.

O impulso da TV Globo

Na avaliação unânime dos especialistas em campanhas eleitorais, o repentino crescimento da candidatura de HH – o novo rótulo da senadora – decorreu da sua forte exposição na mídia nas últimas três semanas. Enquanto o presidente Lula se mantém preso ao cargo e seu partido encerrou seus anúncios na televisão, PSDB e PFL aproveitaram seus programas para fustigar o governo. Já a senadora surgiu em raia própria com inusitado destaque na mídia. Sua ascensão, sobretudo nos extratos mais ricos da classe média, seria um fenômeno passageiro. A tendência, garantem, é que com o começo do horário eleitoral gratuito, em 15 de agosto, e com a inevitável polarização da disputa, ela retorne a patamares inferiores nas pesquisas.

Se o crescimento de Heloísa Helena é apenas um fenômeno volátil, “fogo de palha”, somente a campanha poderá comprovar. Quanto à generosa exposição na mídia, os fatos são irretocáveis. Conforme constatou o jornalista Nelson de Sá, que faz um meticuloso monitoramento da mídia para o insuspeito diário Folha de S.Paulo, desde o final da Copa do Mundo a senadora “jamais faltou, dia após dia”, da cobertura do Jornal Nacional, o programa recordista em audiência da poderosa TV Globo. Ele também observou que a candidata, que gosta de pousar de ultra-radical, “abrandou seu discurso para não assustar a classe média” e que ela inclusive já “agradeceu o tratamento que tem recebido das emissoras de televisão”.

Outro estudioso da mídia, o jornalista Renato Rovai, da Revista Fórum, confirma esta análise. Num artigo intitulado “Jornal Nacional explica o fator HH”, ele garante que foram “os preciosos minutos” da Globo que fizeram a candidatura da senadora decolar. “Esse tipo de fenômeno não é novo. Em outras disputas, candidatos com discurso forte e claro se deram bem na TV. O crescimento da candidatura do PSOL pode ser só isso e, como em outras épocas, se tornar um mero estampido quando a campanha começar de vez, já que as estruturas partidárias precisam ser sólidas nas localidades para garantir o crescimento real”.

A generosidade da mídia chega a ser piegas! Colunistas bem pagos e de ligações sombrias não param de descobrir virtudes na senadora. Dora Kramer, articulista dos jornais O Globo e O Estado de S.Paulo, vê nela uma “mulher, valente, amena no trato, uma fera na tribuna, vitima do autoritarismo do PT petista, que se recusou a vender sua consciência aos ditames do poder”. Já Merval Pereira, tido nos bastidores da mídia como “homem do PSDB”, avalia que candidata cresceu nas pesquisas “devido a um segmento do eleitorado que continua querendo as mudanças que Lula prometeu e não entregou”. Animado, reconhece que a candidatura “ajuda a levar a disputa para o segundo turno”, viabilizando o projeto de Alckmin.

Outra entusiasta da senadora é a jornalista Eliana Catanhêde, colunista da Folha de S.Paulo e uma tucana enrustida. Na sua coluna deste domingo, 23 de julho, ela elegeu a candidata como o principal estorvo do presidente Lula. “Contundente, mulher, nordestina e ‘do povo’, Heloísa Helena é o Lula de saia (apesar de usar calças jeans) e o Lula de antigamente – a mesma empatia, o mesmo calor, a mesma indignação”.  Outro articulista do mesmo jornal, que se transformou em palanque da direita, mostra-se menos seduzido e mais isento. “Heloísa Helena caiu nas graças de uma parcela do que o governador Cláudio Lembo gosta de chamar de ‘elite branca'”, registra Fernando de Barros e Silva com base nas pesquisas eleitorais.

Um discurso adocicado

Outro fato inquestionável é que a candidata abrandou o seu discurso nas últimas semanas, talvez visando atrair os segmentos da classe média como originalmente sugeriu César Maia. Nas suas várias aparições no JN da TV Globo, sempre editadas tão carinhosamente – com a senadora carregando ramalhetes de flores, cercada de populares e beijando criancinhas -, ela já defendeu a “redução da carga tributária para a classe média e o setor produtivo”; diante da onda de violência urbana, ela pregou “uma repressão implacável ao crime organizado”; e reforçando o coro da mídia de satanização do presidente da Venezuela, afirmou  que “se eu tiver a hora de chegar à Presidência, não manda no meu governo nem o Bush nem o Chávez”.

Segundo fontes confiáveis, este discurso tem preocupado várias correntes internas do PSOL – um partido que mais se assemelha a uma frente partidária, com cerca de dez agrupamentos no seu interior. HH já era vista com reservas no movimento feminista, devido a sua ativa posição contrária à descriminalização do aborto. “Não há nada mais primitivo do que o aborto”, costuma desdenhar a senadora. Também causava desconfiança a sua formação teórica. Ela gosta de se jactar que “aprendeu a ser socialista lendo a Bíblia”. Sua postura de cantora solo, que menospreza as instâncias coletivas de decisão, já causou alguns curtos-circuitos no comando da campanha. Para agravar os temores, agora ela resolveu adocicar seus discursos.

As divisões e turbulências no interior do PSOL, que talvez não apareçam antes do pleito presidencial por razões óbvias, tendem a se acirrar. Como tão bem caracterizou o sociólogo Emir Sader, este partido é “um estranho casamento de esquerdismo com eleitoralismo”. Nos próximos dias, o vice de HH, o economista César Benjamin, deverá apresentar a proposta de programa da coligação. Pelo que já circula na mídia, ela terá um nítido viés antineoliberal, o que deverá desagradar e irritar as correntes internas maximalistas que pregam o socialismo. O PSTU, partido coligado de forte marca principista, já tem soltado algumas farpas contra o que considera “o rebaixamento programático para agradar os setores médios da sociedade”.

Enquanto esta crise interna não transborda, Heloísa Helena continua percorrendo o país, sempre com a generosa exposição na mídia. Conforme registro da imprensa nesta segunda-feira, 24, “Heloísa concentra os ataques em Lula para atrair votos do PT”. Num encontro com pequenos empresários, ela simplesmente “poupou o candidato tucano, Geraldo Alckmin” e partiu para a baixaria udenista contra o atual presidente. Esta postura explica porque 39% dos seus simpatizantes afirmam que podem migrar para a candidatura de Alckmin. Na prática, independentemente das intenções dos valiosos lutadores sociais entusiastas da sua campanha, HH faz o jogo da direita ao possibilitar a realização do segundo turno da eleição presidencial.

Caso vire um risco real ao candidato tucano, a mesma mídia que hoje a beatifica fará de tudo para destruí-la – como já fez com um pobre “garotinho” que apareceu com chifres e rabo de demônio na abjeta revista Veja. A disputa sucessória no Brasil será dura e decisiva, inclusive por seus reflexos na América Latina. E a direita nativa e alienígena usará todas as armas disponíveis para retornar ao poder. Se, de fato, houver o segundo turno, PSOL, PSTU e PCB terão de explicar seu papel na disputa e estarão diante de um dilema crucial para o seu futuro: “Lula ou Alckmin, that’s the question”. Os zapatistas até agora não conseguiram explicar sua idílica “outra campanha” e a vitória eleitoral de Felipe Calderón, outro adepto do Opus Dei!

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PcdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, segunda edição).