Por Dr. Rosinha,
São sete meses de intervenção, cerca de 30 mil mortos e 20 mil feridos. São 142,857 assassinatos por dia. Em estatística não faz diferença arredondar o número acima e afirmar que foram assassinadas, entre homens, mulheres e crianças, uma média de 143 pessoas por dia, ou seja, quase 6 pessoas por hora.
Não é a última morte, mas foram chocantes (como toda morte violenta é) as imagens do linchamento de Khadafi. Quantas outras imagens iguais ou piores a essa houve em mais essa guerra patrocinada pelos Estados Unidos (Barack Obama), França (Nicolas Sarkozy) e Reino Unido (David Cameron)?
Longe de defender a ditadura de Khadafi, pelo contrário, condeno-a com todos seus crimes.
A barbárie foi desenhada desde o início com o desrespeito à resolução 1973/2011 da ONU e com o comportamento parcial da mídia internacional na cobertura da invasão (da Otan) estrangeira da Líbia, que acobertou, ao não divulgar, o abuso aos direitos humanos dos “soldados rebeldes da liberdade”.
É bem provável que a Líbia continuará por um longo tempo sem democracia e com seu povo sofrendo todo tipo de desrespeito aos seus direitos humanos.
Como afirma Marcelo Zero no seu artigo “Democraciaou Barbárie?”, se “o novo governo líbio tivesse um compromisso mínimo com valores democráticos, Khadafi e seus filhos teriam sido levados a julgamento pelos seus inúmeros crimes, num processo legal e com direito à defesa. No entanto, preferiram linchá-los e executá-los de forma cruel”.
É inegável que o autodenominado Conselho Nacional de Transição (CNT) tem, entre seus lideres, inúmeros ex-integrantes do governo Khadafi. Eram eles democráticos e por acaso faziam parte de um governo ditatorial? Qual é o compromisso deles e desse conselho com a democracia e os direitos humanos?
Provavelmente, nenhum, ou muito pouco, e isto já esta consubstanciado no recente relatório da Anistia Internacional, intitulado “Detention Abuses Staining the New Lybia”. O relatório trouxe à luz a prática de tortura e de execuções sumárias que o novo e “democrático” regime de “liberdade” tem imposto.
Grupos armados (soldados do CNT), segundo o artigo “Líbia – Um relato pessoal”, de Juliana Medeiros, no blog Substantivo Comum, rondam Tripoli. Os homens desses grupos “em sua maioria, não são líbios, mas mercenários contratados pela Otan, qatarianos e soldados das forças especiais britânicas[…] Eles mantém guarda nas ruas, para evitar que algum cidadão se “indisponha” com o “novo” regime que estão implantando.”
Qualquer indisposição ou mínima discordância com o novo regime, esses “soldados da liberdade” fazem “justiça” com as próprias mãos. Há execuções e prisões todos os dias.
Morto Khadafi, a Otan anunciou a retirada de suas tropas. Os mercenários também sairão, ou continuarão remunerados pelo CNT, uma vez que não há forças policiais da nova ordem? Na guerra, a Líbia vive o caos e os líbios são vítimas da barbárie. Com a saída das tropas estrangeiras de intervenção, não há a perspectiva de recuperação a curto prazo, pois agora começa a disputa entre as várias tribos e etnias.
Nunca é demais lembrar que Khadafi, ao sentir que não tinha mais apoio popular e militar para sustentar-se no poder, tentou, com a mediação da Organização da Unidade Africana (OUA), negociar uma transição política. O Conselho de Segurança da ONU, com o patrocínio da Otan (leia-se Sarkozy e Cameron, que assim como Obama, precisam desviar a atenção da crise política, econômica e social de seus países), rejeitou esta saída pacífica.
Como sempre, os donos do capital preferem a guerra, pois é assim que se sustentam. Sustentam-se com a guerra e, depois, com a reconstituição do país arrasado. Sete meses, no mínimo 50 mil vítimas (não contamos a migração forçada, os estupros, a fome, a dor, as doenças posteriores, e o sofrimento dos sobreviventes), com cerca de 30 mil vidas sacrificadas.
Para o dono do capital e os governantes que o sustentam, a guerra não conta, pois a morte, o ferimento, a dor e às vezes até as lágrimas também geram lucros.
* Dr. Rosinha, médico pediatra, é deputado federal (PT-PR) e ex-presidente do Parlamento do M