Lucas, um adolescente francês, de 13 anos, colocou um ponto final na sua vida no último sábado, 14. O motivo comoveu o país. O jovem não suportou mais o “bullying” que sofria na escola devido ao fato de ser homossexual. Sua família chegou a notificar a escola das situações enfrentadas pelo filho. A instituição de ensino se declarou “atenta diariamente” ao tema. Lucas recusou-se a permanecer num mundo em que não o aceitava. Negou as formas e moldes que tentaram lhe impor. Resolveu voar. Lucas e todos os jovens – meninos, meninas, menines – que ele representa têm o direito a um mundo livre e a uma escola inclusiva, que não seja território de uma comunicação violenta.
A violência sofrida por Lucas não é um fato isolado da sua escola, nem do seu país. Já em 2018, a Universidade Bicocca, de Milão – publicou um estudo, reproduzido em reportagem do Instituto Humanitas Unisinos, que apontou que o risco de suicídio entre adolescentes LGBTQI+ era três vezes maior do que entre adolescentes heterossexuais (IHU,15/11/2018). A pesquisa contou com 35 estudos sobre o tema, envolvendo uma amostra de quase 2,5 milhões de adolescentes de diferentes nacionalidades. De acordo com estes estudos, os adolescentes e jovens homossexuais, bissexuais ou transsexuais estão mais propensos ao isolamento social, à violência e à estigmatização. Em 2019, a Revista Carta Capital, em reportagem sobre o suicídio LGBT, mencionou estudo realizado pela organização The Trevor Project, que apontou que “para um jovem LGBT, a existência de um adulto próximo que o aceitasse e o acolhesse diminuiria em 40% a chance de uma tentativa de suicídio” (Carta Capital, 26/08/2019).
O quadro brasileiro não é muito diferente. Nosso país está entre os que mais assassinam pessoas LGBTQI+ do mundo, principalmente pessoas trans. Em 2021, o Brasil ponteou este triste e revoltante ranking mundial pelo 12º ano consecutivo. De acordo com o relatório produzido pelo Observatório de Mortes Violentas de LGBTQI+ no Brasil, foram 207 mortes somente entre janeiro e agosto de 2021. Até que ponto esse cenário de preconceito e violências pressionam os casos de suicídio nesta população?
Reportagem publicada pela CNN – por ocasião dos 10 anos do massacre na escola de Realengo – apresentou dados de uma pesquisa realizada pela USP com 119 escolas públicas e privadas de São Paulo. O estudo apontou que” 28,7% dos adolescentes já foram vítimas de bullying – os índices são maiores quando se considera grupos como homossexuais (42,1%), deficientes (39,7%) e obesos (31,5%)” (CNN, 07/04/2021). Dados do IBGE, de 2022, revelaram que 40% dos estudantes brasileiros já foram vítimas de bullying no ambiente escolar. Dos estudantes pesquisados, 24% declararam que “a vida não vale a pena” (UOL, 21/08/2022).
No cenário brasileiro, os dados dos últimos anos refletem as consequências de vivermos sobre um governo autoritário, preconceituoso, que incentivou o machismo, o racismo e a LGBTIfobia sempre que teve oportunidade. A escala crescente do “bullying” nas escolas é resultado de um governo que motivou que os preconceitos saíssem do armário e virassem “capas de patriotas”, para cobrir toda espécie de ataques aos direitos humanos. É também fruto de um congresso nacional majoritariamente conservador que patrulha o debate de gênero e sexualidade nas escolas, que não tolera a promoção de uma educação com respeito à diversidade.
Em dezembro, no The Voice Brasil, o cantor Lulu Santos fez um apelo público ao ministro da Justiça, Flávio Dino, por uma Secretaria de Políticas Públicas para a população LGBTQIAP+, respondido pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, de que a Secretaria já estaria contemplada neste ministério. Os desafios postos para o Brasil nesta temática vão muito além de uma caixa posicionada em um organograma. Exigem políticas públicas transversais nas três esferas governamentais. Requerem do Ministério da Educação o protagonismo de criar uma grande frente contra o preconceito e discriminação em todo território nacional, fazendo com que as habilidades e competências estabelecidas para a Educação Básica na BNCC realmente saiam do papel e entrem no cotidiano da comunidade escolar. Urgem por mecanismos transversais junto ao Ministério da Saúde para o acolhimento e o acompanhamento psicológico das vítimas, priorizando a manutenção plena de sua vivência em sociedade. Quem sabe assim, construiremos um ambiente social que faça com que estudantes como o Lucas não se sintam convidados a sair da vida.
Artigo produzido pela jornalista Eliane Silveira, com a colaboração de Bruno Mendes e Drika Cordonet, militantes da Setorial LGBTQI+ do Partido dos Trabalhadores e do Movimento Cores.