Com informações da Agência Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na tarde de ontem (12), autorizar interrupção da gravidez em casos de fetos anencéfalos, sem que a prática configure aborto criminoso. Oito ministros e ministras foram favoráveis a essa decisão, contra apenas dois votos discordantes. A maioria dos ministros do STF considerou procedente ação movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que tramitava na Corte desde 2004.
A decisão já era esperada e foi bastante comemorada pelos movimentos feministas. Porém, como lembrou a coordenadora da Sempreviva Organização Feminista, Nalu Faria, essa resolução do STF representa apenas uma pequena vitória na luta pelo respeito à autonomia das mulheres:
“Devemos comemorar essa sentença, pois é muito importante por um fim ao sofrimento das mulheres que passam por essa situação. É inclusive um absurdo que essa decisão não tenha sido tomada há mais tempo”, disse.
Para ela, porém, a luta pela legalização do aborto ainda tem uma dura batalha pela frente:
“O aborto continua sendo a 3ª maior causa de morte materna no país, por ser feito de forma clandestina. Ainda existe uma dificuldade de reconhecer o direito das mulheres de decidir o que fazer com seu próprio corpo. A nossa sociedade ainda tem uma grande resistência em separar sexualidade e reprodução”, completou Nalu.
Votaram a favor da ação os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto e Gilmar Mendes e Celso de Mello. O ministro Antonio Dias Toffoli se declarou impedido de votar, porque quando era advogado-geral da União (AGU) posicionou-se favorável à interrupção. Por isso, dos 11 ministros da Corte, somente dez participaram do julgamento.
Essa se tornou a terceira forma de interrupção legal da gravidez no Brasil. A legislação já permite o aborto em caso de estupro ou de risco à saúde da grávida. Fora dessas situações, a mulher que interromper a gravidez pode ser condenada de um a três anos de prisão e o médico, de um a quatro anos. Nos últimos anos, mulheres tiveram de recorrer a ordens judiciais para interromper esse tipo de gestação.
Votos favoráveis
Os argumentos utilizados para justificar os votos favoráveis à interrupção da gravidez vão no sentido de generalizar a legalidade do aborto, ao defenderem a autonomia das mulheres, o direito de escolha e a preocupação com a saúde da mulher.
Para a diretora de Mulheres da UNE, Liliane Oliveira, esses argumentos abrem precedente para uma ampliação do debate sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres:
“Apesar da ofensiva conservadora que certamente será colocada em ação depois dessa decisão, os argumentos utilizados pelos ministros são importantes para a defesa da legalização do aborto, tanto com o viés da saúde pública, quanto pela defesa da autonomia do corpo da mulher”, disse.
Liliane defendeu ainda a necessidade do governo garantir a implementação dessa decisão na prática. Sobre esse assunto, a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM), afirmou em nota oficial que “o governo dará suporte integral à implementação da decisão do STF, garantindo, desta forma, o direito de escolha das mulheres e o seu acesso aos serviços especializados”. A SPM destacou ainda “que o debate do assunto, que mobilizou o país em diferentes frentes, ocorreu de maneira qualificada e respeitosa entre os contraditórios”.
Em seu voto, o ministro relator da matéria, Marco Aurélio Mello, tratou do direito da mulher à saúde, à dignidade, à liberdade, à autonomia, à privacidade, citando as complicações e riscos à saúde da mulher grávida de feto anencéfalo. Para ele os riscos físicos observados neste caso são em número muito maior do que o observado em gestações comuns, além dos riscos e danos psíquicos.
O ministro Luiz Fux também ressaltou a importância de se proteger dois componentes da dignidade humana da mulher: a saúde física e psíquica. Ele afirmou que estas gestantes podem “assistir por nove meses a missa de sétimo dia de seu filho” e questionou se era justo relegar a elas, “que já padecem de uma tragédia humana”, o banco dos réus. “Impedir a interrupção da gravidez nesses casos implica em tortura, o que é vedado pela Constituição”, sentenciou. Esse entendimento é endossado pelo Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Autonomia da Mulher
Já a ministra Rosa Weber destacou a importância da preservação da autonomia da mulher:“A gestante deve ficar livre para optar sobre o futuro de sua gestação do feto anencéfalo”, disse ainda que “Todos os caminhos, a meu juízo, conduzem à preservação da autonomia da gestante para escolher sobre a interrupção da gestação de fetos anencéfalos”, sustentou ainda a ministra.
O ministro Ayres Brito também enveredou seu voto para a preservação da autonomia da mulher. Uma frase que Brito utilizou na defesa de seu voto teve grande repercussão entre aqueles que defendiam a interrupção da gravidez e foi amplamente multiplicada nas redes sociais: “O grau de civilização de uma sociedade se mede pelo grau de liberdade da mulher”, afirmou o ministro, que completou: “Se os homens engravidassem, a interrupção da gravidez de anencéfalo estaria autorizada desde sempre”.
Assim como os demais magistrados, ele ressaltou que o entendimento por ora majoritário da Corte em favor do aborto de anencéfalos não significa uma imposição às gestantes cujos fetos têm a anomalia. “Quem quiser assumir a gravidez até as últimas consequências que o faça. Ninguém está proibindo”, disse.
Alguns ministros se focaram ainda no fato de que a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos não poder ser considerada aborto. “O aborto é um crime contra a vida. O Estado tutela uma vida em potencial. No caso do anencéfalo não existe vida possível”, afirmou o Marco Aurélio Mello durante a leitura do seu voto.
Votos contrários
Os dois ministros que votaram contra a interrupção da gravidez – Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski – basearam seu entendimento na tese que o feto anencéfalo tem vida. Porém, existe um amplo consenso na sociedade de que a morte existe a partir do momento em que se detecta a morte cerebral. Por esse entendimento, um feto que “nasce” sem cérebro, jamais chegou a ter vida.
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