Hoje completa um ano da morte de Marielle Franco. A vereadora carioca, barbaramente assassinada em 14 de março do ano passado, em um atentado que também vitimou o motorista Anderson Gomes, despontava como a grande novidade da combalida esquerda carioca. Obteve 46 mil votos na primeira eleição que disputou, assumindo uma cadeira na Câmara Municipal como a quinta candidatura mais votada (e a primeira mulher).
Mulher, negra, oriunda da favela da Maré, militante socialista, feminista e LGBT. Sua voz era um potente amplificador daqueles e daquelas historicamente silenciados pela opressão. Sua produção legislativa destacava-se na Câmara; sua disposição e firmeza como debatedora contrastava com a indigência política hegemônica na casa. Fora dela, era onipresente em atividades que discutiam a cidade, o extermínio da população negra, a violência policial, os direitos das mulheres.
Hoje completa um ano que duas perguntas ecoam incessantemente: quem matou? Quem mandou matar? Esta semana, a primeira delas foi aparentemente respondida, com a prisão de Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz, dois milicianos oriundos da Polícia Militar. Permanece sem resposta a mando de quem o crime foi cometido.
Explodem, no entanto, novas questões trazidas à baila com a prisão dos suspeitos. Ronnie e Élcio são acusados de integrar o “Escritório do Crime”, grupo de extermínio chefiado pelo também ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, atualmente foragido da justiça. Homenageado na ALERJ por Flávio Bolsonaro, Adriano empregava a esposa e a mãe no gabinete do filho do presidente da República. (sobre este caso, ver o artigo Até onde vai a relação do clã Bolsonaro com as milícias)
Em mais uma sinistra “coincidência”, o mundo descobriu que Ronnie, sargento reformado da PM, é vizinho de Jair Bolsonaro em um condomínio na Barra, e um dos filhos de Bolsonaro namorou uma filha do miliciano. O fato em si não prova nada. Mas é de deixar qualquer um estupefato perceber que qualquer notícia sobre a milícia de Rio das Pedras e o Escritório do Crime acaba, de alguma maneira, com a “família presidencial” figurando no noticiário.
Também assombra a divulgação, por parte do próprio Bolsonaro, de um áudio da jornalista Constança Rezende. Explicitamente editada e manipulada, a gravação divulgada foi encarada como uma tentativa grotesca de intimidação da repórter e de seu pai, o também jornalista Chico Otávio. Otávio, por sinal, se dedicou, no último período, à cobertura do caso Marielle.
Nota-se, também, a economia de declarações do clã Bolsonaro, contrariando a famosa logorreia que parece acometer a todos. Nem mesmo elogios à eficiência policial, tão comuns nas bocas da família presidencial quando ações controversas e violentas são efetuadas pelo aparato de segurança pública.
Além disso, busca realizada na casa de Alexandre Mota de Souza, amigo de Ronnie Lessa, realizou a maior apreensão de armas da História do país: nada menos do que 117 fuzis. O tamanho do arsenal indica que as investigações atingiram algo que pode ser muito maior do que parece, agregando aos assassinatos o contrabando internacional de armas, relações com o poder público y outras cositas más.
Os fatos indicam que a justiça mal começou a ser feita. A hipótese de um crime sem mandante, cometido por “ódio à esquerda”, soa disparatada. A prisão dos suspeitos da execução – que se preparavam para fugir, indicando o vazamento da operação sigilosa – é apenas a ponta do iceberg, e ainda há muitas perguntas sem resposta.
O dia 14 de março deixou de ser uma data comum. Ganhou o caráter de luta por justiça, tornou-se um marco no calendário de todos e todas que repudiam a barbárie. Marielle, por sua vez, ganhou uma dimensão imprevista por aqueles que a tentaram silenciar. Três integrantes da equipe do seu mandato tornaram-se deputadas estaduais eleitas em outubro passado; Marielle tornou-se um gigantesco símbolo da luta contra a violência e a opressão, virou enredo do antológico desfile campeão da Mangueira, e seu legado é um combustível necessário para a renovação das lutas por um mundo melhor.
Que as ruas e praças sejam ocupadas de norte a sul do país no dia de hoje por um imenso coro de Marielles, tão alto que o grito dos excluídos por justiça social, em defesa da democracia e dos direitos do povo não possa ser silenciado.
Marielle Franco: PRESENTE! Hoje e sempre!
Bernardo Cotrim é jornalista e militante da Democracia Socialista.