REGINALDO MORAES
Se tem um tópico do programa da Marina Silva que deveria ser bom, esse seria o da energia e meio ambiente, não é? Pois é, não é.
Acredite, prezado leitor: no país que desenvolveu uma tremenda tecnologia de pesquisa e extração de petróleo e que graças a isso prepara um enorme salto de riqueza e investimento, o programa não menciona uma vez a palavra Petrobrás. Pré-sal? Menciona uma vez, no capítulo da educação, para dizer que cumprirá a lei dos royalties, que o Congresso já aprovou.
Em compensação, uma tagarelice enorme sobre as “energias limpas”. Mas, mesmo nessa, o programa controla o verbo para falar das hidroelétricas. Como se sabe, Marina acha que elas incomodam os bagres e passarinhos. Além de sacrificar o modo de vida tradicional dos ribeirinhos – aquele bucólico modo de vida que consiste em perder os dentes aos 30 anos e morrer aos 40.
Mas o programa desanda a falar em energia do vento, da biomassa, do sol e do calor interno da terra (num país sem vulcões nem geigers). Pensamento preguiçoso de “cientistas” ambientais incapazes de resolver uma equação de segundo grau ou definir energia cinética? Não, não é só isso, me parece. O programinha da Marina, ai também, revela o seu ponto central, a sua fixação: ela gosta é de banco. Ou o banco é que gosta dela. Não tem segredo: você mexe e remexe e Marina é puro banco. Como sabemos, até a “educadora” dela só fala em banco, só pensa em banco.
A chave da “proposta energética limpa” da candidata está justamente aí. Está numa ideia, nada nova e nada nossa, de transformar a poluição em um ‘produto financeiro”, um papel negociável em bolsa. Como todo “produto” desse tipo, o crédito-poluição precisa de seus negociadores, os brokers que entendem de mercado de capitais e quejandos.
Na pátria do Capital, o banco que nunca se dá mal
Agora, um parêntese para lembrar nomes que vão aparecer na nossa estorinha. Preste atenção neles, porque não são indivíduos estranhos à obra.
O primeiro é Robert Rubin, ex-secretário do Tesouro de Clinton e executivo chefe dos bancos Goldman Sachs e Citigroup, uma divindade no mundo das finanças. É o homem que descobriu Obama, cevou o bicho e levantou finanças para elegê-lo. Depois, vêm seus três porquinhos, que Obama nomeou para cargos estratégicos: o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, o chefe do conselho nacional de economia, Larry Summers e o diretor do orçamento, Peter Orszag. Por algum acaso não casual, é o pessoal do City Bank e do Goldman Sachs, a agiotagem perfumada.
O City não dorme, como diz o seu slogan. Alguns analistas também dizem que o City é o mais ‘criativo’ dos bancos, vive inventando novos “produtos” financeiros. Cada produto, em geral, deixa atrás de si um rastro de destruição para os outros e um pote de ouro para o Banco.
Faz algum tempo, o City ficou “verde” e criou várias ONGs e “produtos financeiros” para essa área – passou a comer avidamente as verbas do Depto. de Energia americano para as chamadas “fontes alternativas”. E, claro, passaram a expandir essas bondades mundo afora…
O City Bank é velho conhecido do Terceiro Mundo e do Brasil, por um de seus criativos “produtos financeiros” – a emissão de “dívida soberana”. Empresas quebram e não pagam. Países, não. Gemem, mas pagam. Pagam privatizando, isto é, liquidando patrimônio público. Ou pagam adotando políticas de “ajuste” – ou seja, esfolando seu povo. Um economista tucano, certa vez, disse que a questão da dívida externa se resumia em “transformar sangue de baiano em dólar”. Com a elegância de sua ‘paulistanidade 9 de julho”, foi franco e grosso.
Pois é, foi isso. O City foi o banco mais envolvido nos famosos empréstimos dos anos 1970, que por sua vez acabaram na crise da dívida dos anos 1980. Seus executivos percorriam o mundo reciclando os petrodólares – subornando ditadores para que endividassem seus países. Depois, quando a conta chegava, pressionavam para que privatizações e reformas neoliberais esfolassem os povos desses países. Missionários do progresso. Nos anos 1980 e 90, eles eram os donos da dívida externa brasileira.
Na sua “pátria”, o City também não dorme. Aliás, seus operadores, segundo se sabe, vivem à base de certas droguinhas, para jogar 24 horas ao dia.
Rubin e o City ficaram amplamente conhecidos pelas malandragens no reino da agiotagem. Por exemplo, a tal crise da subprime. O banco financiava empresas de “crédito” para lá de suspeitas, que vendiam empréstimos e hipotecas que sabiam impagáveis. Vários deles eram simplesmente fraudes – os emprestadores não existiam. O honorável Banco “comprava” as hipotecas fraudulentas e impagáveis, embutia disfarçadamente em “produtos financeiros” misturados no seu liquidificador bancário e vendia para os ‘investidores’, principalmente para fundos de pensão e secretários de finanças de municípios e condados. Deviam ter bons argumento$ para convencê-los, claro. Argumentos verdinhos. Os corretores trocaram os ditadores africanos e latino-americanos que assinavam contratos de dívidas por diretores de fundos de pensão e secretários de finanças de municípios. Eram os desavisados da hora – ou os subornados da hora, mais provável. Quando a coisa estourava, o banco ficava com as comissões, os executivos com os bônus de produtividade e os fundos de pensão ficavam com o papel sem valor. Para completar, o banco alegava dificuldades financeiras, dizia que era grande demais para quebrar e… Obama lhes dava alguns bilhões dos contribuintes. Para isso tinham elegido aquele cara, oras! Capitalismo sem risco.
Verde que te quero verde – o Banco que se apaixonou pela ecologia
Agora uma curiosidade…. mais do que curiosa, se olharmos para o envolvimento do City com candidaturas no Brasil. No seu segundo mandato, Obama inventou de se ligar numa tal “prioridade da mudança do clima”. Virou verdinho e começou a tagarelar sobre energias alternativas. Humm…. Por alguma coincidência, desde 2007 o Citi tinha se envolvido com “atividades ligadas à mudança climática”, procurando “transações com energias alternativas através de diferentes setores, geografias e produtos”, como dizia um de seus relatórios anuais. Idílico, mas bem pragmático. No seu Global Citizenship Report, de 2011, o banco se gaba de ter a parte maior dos financiamentos do Depto. de Energia americano (DOE) na área de energia alternativa. Que interessante, não é?
Jornalistas investigativos americanos foram atrás desses dados e levantaram informações escandalosas sobre essa estória de energia verde e camaradagem banco-governo. Por exemplo, apenas verificando os clientes listados no documento de um dos ‘seminários’ do banco sobre energia renovável, descobriram que perto de 60% deles tinham comido gordos subsídios federais, quase 20 bilhões de dólares. Numa tacada. E era apenas uma parte da festa. O resto estava embaraçado num novelo de dinheiro que ia de um lado para outro e ninguém conseguia rastrear. Parece estória de avião que não tem dono.
Os nomes dos executivos do banco apareciam em todas essas maravilhosas atividades verdes. Assim, Michael Eckhart se vinculou ao Citigroup em fevereiro de 2011, depois de passar a década anterior como alto dirigente (e fundador) do Board of Directors of the American Council on Renewable Energy (ACORE). Por algum outro curioso acaso, dentro desse tal ACORE encontramos muitos dos ganhadores da loteria verde do governo. Bom, também por alguma providência divina, dessas que derrubam aviões, Eckhart, agora ban-ban-ban do City, ajudara a redigir os programas do Departamento de Energia. Fica de um lado do balcão, depois pula para o outro. Parece certo pessoal que redigiu o programa de privatizações do Brasil – e depois montou corretoras para assessorar os compradores. A vida é cheia de repetecos.
Acho que dá para perceber a estratégia dos agiotas “verde-alternativos” no Brasil: eles também são ecologistas. Adoram uma verdinha. Vejamos.
O tesoureiro de Marina Silva, como se sabe, é Álvaro de Souza, um nome conhecido no mercado de capitais, ban-ban-ban do City Bank. A revista Exame fez seu perfil, faz algum tempo. Sousa presidiu o Citi no Brasil (1993-95). Como era homem de confiança do cabeção do Bank, naquela hora, John Reed, foi chamado a NY, onde comandou nada menos do que a área de mercado de capitais e private banking. Voltou ao Brasil com a missão de recuperar, para o City, o terreno que perdera para concorrentes estrangeiros (HSBC, Santander, Chase).
Bem, como se fora por acaso, Souza também era presidente de uma ONG ambiental – World Wildlife Fund (WWF). E ai conheceu… Marina. Amor ambientalista à primeira vista. Foi Souza que organizou, já na primeira candidatura de Marina, seu encontro com a fina flor das finanças americanas, em New York, no hotel Palace. Além de conversas com o Council of Americas, a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos e a imprensa financeira (Bloomberg e Wall Street Journal).
Quem diria, a providência divina desabrochou no Acre mas acabou em Wall Street
E assim chegamos a um programa de candidata verdinha que promete privatizar a formulação de política econômica – cambio, moeda, crédito, política fiscal… Tudo isso ficará a salvo da “política”, será colocado nas mãos de um “banco central independente”, isto é, de uns operadores do mercado financeiro, “do bem”, claro. E nas mãos de uma “comissão de homens bons”, também imunes à influência perniciosa da política. Como as eleições também seriam unificadas e mais espaçadas, a cada 5 anos, eles teriam tempo para gerir suas malas de bondade sem depender dos humores da plebe. Agora, o guruzinho de Marina, Giannetti de tal, disse que seu sonho era que um chefão do banco Goldman Sachs fosse ministro da Fazenda. Por que será que isso não nos surpreende? Mais um pouco, mudam o nome do país: United States of Brazil, com z, claro.
Se tudo der certo, além de dirigir a política econômica do governo, a moçada do City, Goldman Sachs, Itaú e amigos também ganha transformando a floresta em derivativos e outros produtos financeiros tóxicos, as armas de destruição em massa dos perfumados de Wall Street. Estamos bem arrumados com essa tropa de malandros.
Talvez a política ambiental da Marina seja inconsistente. Mas a armação do golpe não é nada inconsistente. Pode não dar certo – afinal, a plebe pode recusar a fada. Mas o lance é bom.
Bom, é só uma estorinha. Não tem final feliz. Na verdade, não tem final. É só o começo.
PS: Vem a calhar a imagem anexa, fotografada numa exposição precisamente na rua dos homi, Wall Street – o Mu$eu of American Finance. Será que o futuro do Brasil é virar um Zaire? Serve o Quênia? O cineasta do Jardineiro Fiel gostou da ideia?
*Reginaldo Moraes é professor da Unicamp, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu) e colaborador da Fundação Perseu Abramo
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