Em uma eleição tão imprevisível quanto essa, segue sendo difícil apontar um favorito. A única certeza é que não é Milei quem dá as cartas.
Para a surpresa de muitos, haverá segundo turno na Argentina em 19 de novembro. Para o abalo de mais alguns, o ministro Sergio Massa enfrentará o extremista Javier Milei nesse novo pleito. E para o choque de todos, é Massa quem larga com uma boa vantagem. Mas, em uma eleição tão imprevisível quanto essa, segue sendo difícil apontar um favorito. A única certeza é que não é Milei quem dá as cartas.
Massa conseguiu ampliar a votação da coligação oficialista União pela Pátria em cerca de 3 milhões de votos e fez o bloco saltar de 27,3% para 36,6% dos votos válidos. Milei, por outro lado, recuou percentualmente para baixo dos 30% e ganhou apenas 500 mil com relação ao pleito de agosto. Mesmo com todos os holofotes sobre ele e com a pecha de favorito, o candidato do Liberdade Avança ficou estagnado.
Nas PASO, Milei era o azarão. Não se esperava a vitória do “libertário”, então foi no primeiro turno que o grande eleitorado colocou de fato os olhos sobre ele. E o candidato se empolgou com isso. Tomando como base algumas pesquisas que davam a ele uma nova vitória, Milei fez um movimento brusco para tentar abocanhar o eleitorado de Patricia Bullrich, do Juntos Pela Mudança, para vencer em primeiro turno.
Ao invés de buscar consensos, decidiu dobrar a aposta e radicalizar. Uma série de declarações polêmicas vieram à tona e Milei não negou nada. Da venda de órgãos à venda de bebês. Das privatizações ao fim da disputa pelas Malvinas. Em meio a isso, prometia fechar o Banco Central e acabar com a justiça social. Às vésperas das eleições, estimulou uma corrida especulativa e falou para os argentinos tirarem o dinheiro do banco.
Cada vez que dava um passo rumo à radicalização, Milei deixava sua campanha mais próxima de uma das clássicas cenas do filme Relatos Selvagens. Distribuía metaforicamente passagens para que seus eleitores viajassem em seu voo que terminaria esmagando a democracia argentina. Mas a política argentina está mais próxima de uma locomotiva de paixões do que de um avião suicida.
Milei não conseguiu roubar o eleitorado de Bullrich, terminou com um percentual menor que o que obteve nas PASO e perdeu o controle de bordo. Atônito, viu o ministro da Economia de um país à beira da hiperinflação — diante de muita pressão do mercado — ser o candidato mais votado no primeiro turno das eleições da Argentina.
O triunfo de Massa passa pelo avanço de uma agenda progressista na economia e pela construção de consensos na política. Para o segundo turno, larga na frente por ter feito um discurso de vitória coeso, propositivo e com o objetivo certeiro de desmontar as frases feitas de Milei.
O extremista seguiu radicalizando e seu único gesto foi o de tentar se abraçar com o derrotado bloco Juntos Pela Mudança contra o kirchnerismo. Mas as fraturas no grupo do ex-presidente Maurício Macri parecem sinalizar para uma erosão dessa força política, com a tendência de uma União Cívica Radical (UCR) fechando com Massa.
Tudo está indefinido, e, assim como em Relatos Selvagens, ninguém sabe o que acontecerá nas próximas cenas.
Esse texto, no entanto, não poderia terminar sem citar dois personagens que fazem parte da reviravolta da União pela Pátria. O primeiro é, sem dúvidas, o governador de Buenos Aires, Axel Kicilof. O kirchnerista foi reeleito em primeiro turno na província e em momento algum abriu mão de fazer campanha para Massa.
A segunda se manteve fora dos holofotes na campanha, mas é seguro dizer que se Massa hoje consegue convencer o eleitorado que existe uma possibilidade de o peronismo fazer diferente do trágico governo Alberto Fernández, é porque Cristina Fernández de Kirchner, a vice-presidenta, abriu fogo contra o presidente já em 2020.
Lucas Rocha é jornalista formado pela UFRJ e mestre em Estado, Governo e Políticas Públicas pela FLACSO Brasil. Com passagens por Revista Fórum, Jornal do Brasil e Sputnik Brasil, faz parte da equipe de redes do ICL Notícias.