A militância da Democracia Socialista fez parte do processo que resultou na renovação do sindicalismo brasileiro desde finais dos anos 1970 e que teve na fundação da CUT, em 1983, seu momento alto.
A construção da nossa corrente se fez “a quente” em uma conjuntura onde a ditadura vivia uma crise. Era um período de ascensão das lutas estudantis, populares e operárias, que iam muito além das reivindicações econômicas que existiam e respondiam a necessidades urgentes da população; eram claramente reivindicações políticas, bandeiras democráticas contra o regime.
Duas características da construção da DS fizeram que rapidamente ganhasse importante inserção no movimento operário: sua vinculação ao trabalho frentista do jornal Em Tempo, um dos principais meios da imprensa alternativa, que teve um papel-chave na cobertura das lutas sociais e políticas desde finais de 1977; e o fato que a DS resultou de um processo amplo de convergência entre grupos que se reivindicam do marxismo revolucionário fez com que vários trabalhos incipientes de inserção sindical pudessem ser potencializados sob a mesma corrente.
Companheiros e companheiras da DS estiveram presentes em instâncias nacionais de direção da CUT desde o começo e em várias direções estaduais. É bom lembrar aqueles inícios porque nas disputas que travamos então, aconteceram grandes debates sobre vários desafios estratégicos que continuam atuais.
Em 1981 se realizou a Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat) onde se chegou a um consenso para a criação de uma Central Única dos Trabalhadores (CUT) ao ano seguinte. Essa decisão, tomada de comum acordo entre setores do sindicalismo combativo emergente (cuja maior expressão eram os metalúrgicos de São Bernardo), do sindicalismo vinculado às três correntes comunistas da época (PCB, PCdoB e MR-8) e do sindicalismo pelego herdeiro direto dos interventores colocados nos sindicatos pela ditadura depois do golpe (cuja maior expressão era a diretoria do Sindicado dos Metalúrgicos de S.Paulo) não foi pra frente porque houve impasses em relação a dois temas.
Os que decidiram adiar a iniciativa argumentavam que a fundação da CUT poderia atrapalhar a transição à democracia. O sindicalismo combativo defendia a tese que para ter uma transição democrática de verdade era necessário avançar na luta operária, não freá-la.
O outro tema polêmico foi um artigo no regimento para a convocatória de assembleias para tirar delegados ao congresso de fundação da CUT. O sindicalismo combativo defendia que caso a diretoria não quisesse convocar, os trabalhadores reunidos na base poderiam fazê-lo.
Este era um tema central porque desde meados dos anos 1970 havia uma disputa em curso entre os pelegos – muitas vezes apoiados por reformistas dos PCs – e as correntes combativas nas eleições sindicais. A luta era para redemocratizar os sindicatos e combater a estrutura sindical controlada pelo Estado. Foi nesse processo que surgiu a bandeira de “construir a CUT pela base”. Isto é, se a diretoria não representava os anseios de luta e organização da base, que a base, através de uma oposição sindical, pudesse se fazer representar diretamente no congresso de fundação da Central.
Não houve fundação da CUT em 1982. Os setores combativos impulsionados pelas lutas sindicais – que resultaram na realização da greve geral de 21 de julho de 1983 – convocaram o Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, decidindo a fundação da CUT no dia 28 de agosto de 1983. Como fica claro no documentário que o cineasta Renato Tapajós produziu na época, era uma “CUT pela base”.
Se é verdade que a fundação da CUT se fez apesar das resistências dos setores pelegos e reformistas, há que se reconhecer que as pressões para frear a dimensão política da luta sindical e de fazer um acordo em torno à permanência da estrutura sindical controlada pelo Estado se faziam presentes inclusive no sindicalismo combativo.
Os anos 1980 foram um período decisivo. Se, por um lado, registraram uma ascensão das lutas operária, camponesa e popular, por outro, as forças conservadoras conseguiram fazer uma “transição pelo alto” nas disputas pelas Diretas Já! e na Constituinte.
Desde o início, os sindicalistas da DS compreenderam que deviam atuar em aliança com outros setores cutistas que tinham visões próximas às nossas. Em 1985, as condições para o lançamento de uma corrente que unificasse setores à esquerda na CUT tornaram-se possível: em maio a greve dos metalúrgicos pela redução da jornada, em setembro a greve nacional dos bancários pelo reajuste trimestral do salário e em novembro a campanha salarial unificada na Grande S. Paulo germinaram o ambiente político para esta construção.
Nos processos congressuais regionais e estaduais que se seguiram até a realização em agosto de 1986 do II ConCUT no Rio de Janeiro, surgiu a corrente “CUT Pela Base” que integrava sindicalistas da DS, do Movimento de Oposição Metalúrgica de S.Paulo (MOMSP), do PRC (Partido Revolucionário Comunista, que atuava como corrente do PT) e outros agrupamentos, além de muitos independentes. Essa denominação reivindicava as propostas que marcaram sua fundação em 1983 na disputa com outras correntes do sindicalismo e que agora sofriam os efeitos da acomodação política e organizativa dentro do próprio sindicalismo cutista. Neste congresso, no III ConCUT, realizado em Belo Horizonte em 1988, e no IV ConCUT em São Paulo, seriam eleitos para a Executiva Nacional militantes da DS como parte da CUT Pela Base.
Nossa corrente sindical foi fundamental no processo de consolidação da CUT como central classista e democrática. Buscou enlaçar aqueles princípios sobre os quais foi fundada em 1983 com os novos desafios da transição democrática, das disputas eleitorais onde já destacava a figura do Lula e o enfrentamento ao neoliberalismo que se instala no país com o governo Collor em 1990.
Foi essa CUT que organizou a impressionante greve geral de dois dias em março de 1989 e que foi sem dúvida um fator que impulsionou a candidatura do Lula para chegar ao segundo turno nas eleições presidenciais ocorridas no mesmo ano, em uma combinação de luta de massas com participação eleitoral. Foi a Central que aprovou a proporcionalidade como método para integrar suas instâncias de direção, incorporou a luta das mulheres, constituindo uma Comissão da Mulher Trabalhadora já em 1986, e realizou no ano seguinte, em Belo Horizonte, o primeiro encontro de sindicalistas negros, assumindo as bandeiras da luta contra o racismo.
A militância da DS teve uma participação destacada em todos esses momentos mais marcantes dos primeiros anos da CUT. Com este artigo estamos abrindo uma série para resgatar a atuação da militância sindical da DS ao longo dos primeiros quarenta anos da nossa corrente.
Miguel Rossetto é militante da DS e membro de sua Coordenação Nacional, foi membro da Executiva Estadual da CUT-RS (1986-90) e da Executiva Nacional da CUT (1991-94). Em 1994 foi eleito Deputado Federal e em 1998 vice-governador de RS. Nos governos Lula e Dilma foi ministro.
Filme “CUT pela Base”, 1984
Diretor: Renato Tapajós
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