O impasse para a aprovação da minirreforma eleitoral na Câmara, que colocou PT e PMDB em campos opostos e ameaça até mesmo a viabilização do programa Mais Médicos, é a prova de que a presidenta Dilma Rousseff estava certa quando defendeu a realização de um plebiscito para que a sociedade brasileira possa decidir qual é o sistema eleitoral mais adequado para o país.
Quem afirma é o deputado Henrique Fontana (PT-RS), um dos maiores defensores de que, ao invés de uma minirreforma, o Congresso efetive, de fato, a reforma política estrutural pela qual a sociedade anseia. “Se em 15 anos o parlamento não saiu do impasse e o que ele apresenta como possibilidade de voto é exatamente uma antirreforma que mexe em meia dúzia de coisas cosméticas, a presidenta Dilma estava certa: nós só vamos sair do impasse quando a população for consultada”, disse ele, em entrevista exclusiva à Carta Maior.
Para Fontana, a ameaça feita na última quarta (2) pelo líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), de convocar a bancada a obstruir a votação do programa Mais Médicos, caso o PT continue impedindo a aprovação da minirreforma, “varia do inacreditável ao inaceitável”. “Não há o que possa constranger o PT a exercer sua opinião política, até porque o PMDB também teve toda a liberdade de detonar o plebiscito que a presidenta Dilma queria fazer”, afirmou.
Carta Maior: Essa ameaça do PMDB de obstruir a votação do Mais Médicos para garantir a aprovação da minirreforma eleitoral pode afetar, de fato, a posição histórica do PT sobre o tema?
Henrique Fontana: Olha, eu considero que essa posição que o líder do PMDB expressou varia do inacreditável ao inaceitável, porque a minirreforma é uma assunto e o Mais Médicos é outro assunto. O PT tem uma visão de que a minirreforma é um prejuízo para a política do país, porque ela propõe um conjunto de mudanças que pioram a política do país. E ela também carrega o símbolo do anticlímax – e por isso eu a apelido de antirreforma – porque não muda nada do que precisa ser mudado na política brasileira.
CM: A alegação do PMDB é a de que ela baratearia as campanhas políticas…
HF: Essa frase usada pelo líder do PMDB na tribuna para justificar a minirreforma soa, inclusive, de maneira irônica. Não é verdade que ela vai baratear as campanhas eleitorais. Ao contrário, ela vai vender a ilusão do barateamento de campanha como outras minirreformas já fizeram porque, ao proibir um determinado tipo de campanha sem colocar um determinado teto de gastos para cada nível de eleição, você simplesmente só transfere os gastos eleitorais de um tipo de propaganda para outra.
Não é por nada que parte do PMDB, através do líder da bancada, tem uma posição pública e conhecida pela continuidade do financiamento de empresas às eleições. O Eduardo Cunha é defensor convicto disso, até porque ele é beneficiário dessa lógica política. Ele faz uma das campanhas mais caras do Brasil, recebe muito dinheiro empresarial em campanha. Eu não estou dizendo que isso seja ilegal, estou falando de dinheiro legal. Mas quando um pode fazer uma campanha dez vezes mais cara do que o outro candidato, este tem vantagem no processo eleitoral. E o líder do PMDB defende essa lógica.
CM: Esta é a grande diferença de concepção entre o PT e o PMDB sobre a minirreforma?
HF: A grande diferença entre a concepção do PT e a concepção hegemônica do PMDB, porque o líder da bancada defende esta posição, é que o PT defende o financiamento público de campanha ou, pelo menos, que seja proibido o financiamento de empresas, que haja o teto de RR$ 700 par contribuições de pessoas físicas, como propõe o Movimento Eleições Limpas, e que haja um teto geral de gastos. Isso, sim, é baratear campanha. Se um candidato tem muita facilidade de arrecadar dinheiro empresarial ou tem muito dinheiro próprio, mesmo que ele queira, não vai poder gastar R$ 6 milhões numa campanha para deputado federal, porque o teto será, por exemplo, R$ 800 mil. Então, ele vai ter que baixar, pela lei, sete ou outro vezes. E isso vai baratear a campanha.
Não há o que possa constranger o PT a exercer sua opinião política, até porque o PMDB também teve toda a liberdade de detonar o plebiscito que a presidenta Dilma queria fazer. O líder do PMDB não demorou 24 horas para se colocar em posição frontal contra a posição da presidenta, que queria chamar uma constituinte exclusiva ou fazer um plebiscito. Só o que falta é o líder do PMDB querer mandar na vontade política da bancada do PT. Quem elegeu a bancada do PT foram os eleitores que confiam na bancada do PT, no nosso conjunto de ideias.
O nível de desrespeito que ele [Eduardo Cunha] chega é extremo. Ele tem o direito de fazer o que quiser, regimentalmente. E até usou isso no discurso que fez ontem quando nós nos confrontamos no debate: “Se o PT quer obstruir a votação da minirreforma, nós também vamos obstruir a votação do Mais Médicos”. Eu espero que, se for o caso, ele obstrua uma votação porque ele é contra. Isso é outra coisa. Agora, se for uma simples chantagem para obrigar o PT a mudar de ideia sobre o sistema político do país, não dá. É óbvio que ele não vai conseguir fazer isso porque o PT tem uma posição unânime da executiva nacional contra a minirreforma. Não tem como.
CM: Não tem como, mas é sabido que o programa Mais Médicos é muito caro ao governo e também à maioria da população brasileira, que abraçou essa causa. Então, uma ameaça a este projeto coloca as coisas em um termo muito complicado, não?
HF: Eu tenho convicção de que o PMDB vai apoiar o programa Mais Médicos. Aliás, já está apoiando. O vice-presidente da República é um defensor do Mais Médicos. E eu imagino que a bancada do PMDB apoia as posições políticas que são tomadas no governo de comum acordo entre a presidenta e o vice. Eu estive em uma reunião com todos os líderes em que o Eduardo Cunha elogiou o programa. Temos que partir do pressuposto que nós estamos governando juntos o país. E em relação ao sistema político, do mesmo modo que o PMDB assumiu uma posição frontal contra o plebiscito ou contra a alteração do sistema de financiamento eleitoral, o PT tem todo o direito – mais do que o direito, o dever – de defender suas ideias. A nossa base social quer eleições mais baratas, quer retirar dinheiro empresarial. É uma diferença de concepção efetiva sobre o sistema político.
O Cunha tenta várias vezes fazer uma fala de que o relatório que eu apresentei [ sobre reforma eleitoral, em 2012] não foi votado porque eu não tive habilidade de negociar uma maioria. Não, não foi votado porque eu propunha uma mudança estrutural e substancial do sistema eleitoral, e um conjunto de bancada foi contrário a isso. Eu prefiro ver a sintonia que meu relatório tem com o da OBA, o da CNBB, da CUT, da Contag, do Movimento de Combate à Corrupção. A essência do projeto apresentado pelo Movimento Eleições Limpas [que reúne essas e outras entidades] tem muito a ver com a do que eu apresentei. Mas eu compreendo muito bem porque o Eduardo Cunha pensa diferente de mim e do PT: ele é um beneficiário deste modelo de campanha com financiamento empresarial caro.
CM: O ponto mais polêmico da minirreforma é o que autoriza as concessionárias públicas a doarem dinheiro para as campanhas. Isso não injeta mais recursos em relação à legislação atual?
HF: Na legislação atual, é proibido que concessionárias de serviços públicos financiem campanhas eleitorais. Infelizmente, muitas vezes a gente sabe que elas colocam recursos de caixa dois. Essa proposta vai totalmente na contramão daquilo que a sociedade está reivindicando. Tem pesquisas mostrando que 75% da população, quando perguntada se empresas devem financiar campanhas eleitorais, responde que não. Quer dizer, a maioria já compreendeu que o financiamento das empresas é canal de privilégios, corrupção e outras disposições que precisam ser mudadas. Esse ponto da proposta piora o sistema eleitoral, mas tem outras coisas piores.
CM: Como?
HF: A pior coisa do projeto é o que chamo desse anticlímax. Está-se esperando uma mudança estrutural, abre-se a pauta do legislativo para mudar algo, e isso não muda nada estrutural. É um desrespeito, inclusive, com a necessidade efetiva de mudanças que o país e a política brasileira precisam. E o pior, vai de medidas que eu chamo de “cosméticas” a outras piores. O limite de cabos eleitorais, por exemplo. No Rio Grande do Sul, para se ter uma ideia, o limite sugerido pelo projeto do senador Romero Jucá (PMDB-RR) é de 940 para cada candidato. O limitador é de 940 cabos eleitorais. Outra coisa que dizem deste projeto, e que eu acho que tem lógica, é que ele beneficia quem já é deputado, ou seja, vai dificultar ainda mais a renovação de quadros do legislativo.
CM: Com este parlamento, existe alguma forma da reforma política sair da gaveta?
HF: Eu acho que existem duas formas. A primeira é a votação o quanto antes do projeto que estabeleça o plebiscito. Se em 15 anos o parlamento não saiu do impasse, e o que ele apresenta como possibilidade de voto é exatamente uma antirreforma que mexe em meia dúzia de coisas cosméticas, a presidenta Dilma estava certa: nós só vamos sair do impasse quando a população for consultada. E não podemos ter medo de pergunta nenhuma. “O senhor concorda que empresas devem financiar campanhas eleitorais?” É sim ou não. Eu vou responder que não e acho que o não vai ganhar. Mas é justamente disso que o líder do PMDB tem medo. Ou, outro exemplo, o PSDB que diz que quer fazer a primeira pergunta sobre a reeleição. Pode fazer.
Vamos votar o decreto do plebiscito, e cada partido vai colocar as perguntas que quiser, as perguntas são votadas uma a uma. Vamos votar o decreto legislativo nos próximos 60 dias e chamar o plebiscito para abril do ano que vem. E aí nós podemos, inclusive, votar que a primeira pergunta do plebiscito seja se a população concorda que se eleja uma assembleia constituinte para fazer a reforma política.
O segundo caminho é o fortalecimento do projeto Eleições Limpas [de iniciativa popular]. Você lê o projeto Eleições Limpas e lê a minirreforma. Não vou dizer que tem zero, mas talvez tenha 1% de coincidência de contato entre as duas propostas.