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Mudar a economia, mudar o país 2

Contribuição da chapa Um novo mundo é possível, um novo Brasil é urgente para a reunião do DN-PT de 17 e 18 de abril de 2004.

1- Para nortear o posicionamento do nosso partido, é importante identificar três imudanças na conjuntura do país que estão em processo.

A primeira delas é a percepção de que a confiança expectante da maioria da população no governo Lula está sendo dramaticamente minada, ameaçando se transformar em crítica, decepção e pessimismo. Todas as pesquisas convergem para a indicação de que este movimento de opinião vem desde agosto de 2003, foi em alguma medida expandido pela repercussão do caso Waldomiro, mas é fundamentalmente centrado na percepção de que o desafio do desemprego, do crescimento, da renda não vem sendo adequadamente enfrentado pelo governo Lula.

A segunda mudança importante na conjuntura está no posicionamento dos partidos que formam a base do governo Lula, das entidades populares, da Igreja progressista. Este vem passando, no período recente, da crítica à exigência de mudanças na política econômica, de um posicionamento de advertência à cobrança pública construtiva, dos debates em fóruns restritos à mobilização popular para que o governo Lula responda realisticamente aos seus compromissos de mudança.

Por fim, a terceira mudança importante está no reposicionamento mais nítido e ativo da oposição liberal conservadora. Tendo a frente o ex-presidente FHC, ela ataca o governo em três frentes articuladas entre si, buscando o enfraquecimento político e social do governo que seria coroado com sua derrota nas próximas eleições. Ao mesmo tempo, cobra a repressão aos movimentos populares, acirra o combate político ao PT e exige continuidade da política econômica que beneficia o capital financeiro e corrói as relações do governo com sua base social.

 

  1. Em uma conjuntura tão decisiva é fundamental que o PT mantenha uma posição nítida, como partido de maior representação social e estruturador do governo de coalizão presidido por Lula. Este posicionamento nítido pode cumprir três funções decisivas.

Evitar que a insatisfação com o governo seja canalizada pelos partidos da oposição liberal, que são os maiores responsáveis pela crise social do país.

Em segundo lugar, manter um diálogo público e franco com sua base social e com as entidades e personalidades que compõem a consciência democrática brasileira, que foram fundamentais para derrotar o neoliberalismo.

Por fim, alargar a legitimidade pública para a tomada de decisões que o governo Lula precisa tomar para atender às reivindicações populares e para cumprir o programa de mudança.

 

  1. O PT defende que, dentro de uma postura democrática de diálogo do governo Lula com toda a sociedade, seja encaminhado de imediato um amplo processo de negociação e diálogo entre o governo as Centrais sindicais, a Coordenação dos Movimentos Socais, os movimentos de luta pela reforma agrária e por um novo modelo agrícola, os movimentos universitários e de juventude para avançar em pauta de objetivos concretos de mudança e de compromissos.

A reforma agrária deve aprofundar seu ritmo e qualidade, desenvolver-se de forma democrática, em diálogo permanente com os movimentos sociais e rechaçando condutas repressivas que são reclamadas pela direita.

É necessária agora uma elevação real em termos substantivos do salário mínimo, tomando por base a proposta da CUT de R$300,00, afirmando o compromisso de dobrar seu poder de compra no período do mandato do governo Lula; e nesta mesma dimensão, acelerar a implantação da redução da jornada de trabalho. Essas duas medidas de impacto têm um papel fundamental na distribuição de renda e na retomada do emprego, mas também tem um forte sentido político na disputa que travamos na sociedade.

Em outros temas o PT defende igual compromisso democrático: frente à Universidade pública, sua expansão e democratização; nas questões urbanas, ambientais e de conquista de igualdade de direitos de gênero e de raça.

 

  1. As ações em defesa da soberania nacional e de construção de um espaço comum solidário, sobretudo na América do Sul, têm um grande impacto nacional e devem ser também parte da pauta de diálogo do governo com os movimentos populares e com a sociedade. O partido já definiu posição favorável ao plebiscito sobre a Alca e deve impulsioná-la junto à sua bancada, ao governo e aos movimentos, buscando criar a mais ampla sustentação para uma política soberana e de solidariedade entre povos dos países do continente, em oposição ao projeto de subordinação levado a cabo pelos Estados Unidos.

 

  1. É muito importante a iniciativa do governo brasileiro de questionar e buscar apoio internacional para mudar o modelo de superávit primário imposto pelo FMI que impede o investimento público. O PT defende que este movimento esteja inserido em uma política para encerrar o acordo com FMI e para a conquista de soberania na definição da política econômica. Esta opção estratégica é fundamental e deve ser preparada econômica e politicamente. Desde o ponto de vista econômico é preciso efetivar um conjunto de medidas coerentes com esse objetivo e que envolvem a definição em novo patamar do investimento público, mecanismos de regulação dos movimentos de capitais, definição de um regime cambial competitivo para o país, acumulação de reservas internacionais, dentre outros. Do ponto de vista político, significa colocar em debate na sociedade esta opção fundamental que significa um corte com a política econômica herdada de FHC e buscar apoio social ativo para ela.

 

  1. Por uma nova política econômica

Os resultados econômicos produzidos pela opção de dar continuidade à política econômica de FHC são conhecidos e são muito negativos. Os atingidos mais violentamente por essa opção foram os pobres e os trabalhadores, a base social do PT. O desemprego recorde tendo ao lado a elevação dos já imorais lucros dos bancos mostra um quadro inaceitável.

A política econômica seguida desorganizou a base social mais ativa do nosso projeto e passou a corroer o apoio popular ao governo.

A direita e o capital financeiro querem a manutenção intacta dessa política e espera que ela produza tanto os resultados financeiros que elevam seus lucros como os resultados políticos que enfraquecem o governo e o torna cada vez mais refém da continuidade dessa mesma política. O argumento de que a inflação é o problema maior a ser evitado ficou anulado pelo remédio utilizado: o problema tornou-se maior ainda.

É preciso afirmar que a continuidade da política econômica é incompatível com um projeto de nação democrática e soberana.

A mudança da política econômica é fruto de decisões políticas. Nesse sentido o DN do PT reafirma a posição da Executiva Nacional tomada em cinco de março último.

Uma nova política econômica deve ser desenvolvida. Há bases sociais e políticas no plano nacional e internacional; há fundamentos de experiências internacionais e mesmo do Brasil; há reflexão teórica: elas permitem construir outro caminho, retomando a coerência dos nossos compromissos históricos com o nosso povo.

A atual política econômica está fundada em concepções da ortodoxia liberal. Estas concepções tornaram-se dominantes nas instituições da globalização financeira e foram impostas em muitos países dependentes, como o Brasil, através de um processo político e social no qual a esquerda e os trabalhadores sofreram derrotas. Mas tem havido resistências políticas e teóricas; diversidade de caminhos de desenvolvimento nos próprios países da periferia e mesmo nos países centrais; em ambos há casos exemplares de não aplicação da ortodoxia liberal. Nossa vitória eleitoral deve ser vista como uma vitória política contra a ortodoxia liberal e que requer a construção de caminho alternativo para que haja desenvolvimento, democracia e uma nação soberana.

Há três dogmas da atual política que devem ser combatidos e frente a eles estabelecer alternativas básicas para estruturar outro caminho de condução econômica do país:

I – a economia é dirigida pelo mercado: trata-se de criar as condições jurídicas e de desregulamentação para que o mercado funcione;

II – o combate à inflação dirige as ações das autoridades monetárias que devem deter um poder acima do poder político eleito;

III – decorrência para o Brasil: sem essa política o país fica ingovernável.

Frente a eles opomos:

I – o mercado, sobretudo na periferia capitalista, não produz desenvolvimento e muito menos igualdade. Seu livre funcionamento leva a desigualdades crescentes e a uma estrutura de dominação cada vez mais excludente no plano internacional. É preciso e é possível definir democraticamente – e o voto popular que elegeu Lula é parte dessa democracia – um processo em que o povo decida os rumos do país e vença a ditadura do mercado;

II – a forma atual de combate à inflação através do chamado regime de metas (que utiliza a taxa de juros para controlar preços) junto com a ditadura das “autoridades monetárias”, além de ser um ataque à democracia, leva a processos de estagnação econômica e ao desemprego (que também passa a ser instrumento de controle da inflação). Não se trata de “flexibilizar” as metas, mas de estabelecer outra política de combate à inflação de forma articulada com os objetivos de crescimento, emprego e distribuição de renda;

III – a política econômica atual leva à ingovernabilidade, ao contrário do que quer parecer, de que sem ela o país “quebra”. Para se justificar, a continuidade da política econômica argumentou com a crise transmitida pelo governo FHC. Não se pode negar essa crise, mas se pode negar que a continuidade da política econômica tenha tido capacidade de enfrentar a crise. Por isso, sua projeção (e a promessa que oferece) para o país é a sua própria continuidade por algo como 10 anos. Enquanto isso, por não atacar as causas das vulnerabilidades externa e interna, a ameaça de deterioração econômica está sempre presente e sendo esgrimida frente aos questionamentos e propostas de alternativas concretas a essa política. Esse círculo vicioso precisa ser rompido.

 

  1. Bases de uma nova política econômica

A base principal para estruturar outra política econômica é o XII Encontro Nacional do PT. É a nossa elaboração coletiva mais atual, resume um longo debate do partido e sua luta contra o neoliberalismo no Brasil.

A esta elaboração devemos agregar o debate que vem sendo realizado neste quase um ano e meio de governo, no PT e nos demais partidos de esquerda.

Não é o caso de enumerar pontualmente as medidas apontadas neste acervo de contribuições.

É o caso, sim, de recuperar as idéias fundamentais para uma mudança de curso na política econômica. Elas estão abaixo com citações das diretrizes do XII Encontro Nacional e adendos extraídos do debate posterior ao encontro.

 

I – O problema básico da economia brasileira é a sua dependência externa, que deve ser enfrentada com prioridade.

O diagnóstico feito pelo XII Encontro Nacional em dezembro de 2001 continua atual. São propostas diretrizes centrais que atualizadas podem ser resumidas assim:

– Elevação do superávit comercial visando acumular reservas; adequar o regime cambial a essa prioridade (de forma equilibrada de modo a não produzir pressão inflacionária); política comercial ativa e defesa da produção nacional; rejeição à ALCA;

– Adequação da política relativa ao capital estrangeiro segundo as prioridades do novo modelo econômico; implantar “mecanismos de regulação da entrada de capital especulativo e reorientar o investimento direto externo com critérios de seletividade”; “regulamentar o processo de abertura do setor financeiro”;

– Em relação à dívida externa e à soberania nacional para definir a política econômica, “será necessário denunciar do ponto de vista político e jurídico o acordo atual com o FMI” (refere-se ao acordo iniciado em 1998 e prolongado sucessivamente até os dias de hoje). “O Brasil deve assumir uma posição internacional ativa sobre as questões da dívida externa, articulando aliados no processo de auditoria e renegociação da dívida externa pública”.

 

II – Não há mudança sem conflito: é preciso impor perdas ao capital financeiro.

– “Redução substantiva e progressiva do comprometimento das receitas com o pagamento de juros da dívida pública”; “revisão completa das atuais políticas que colocam a dívida financeira e seus credores como prioridade número um do Estado brasileiro”. Estas diretrizes – que implicam em redefinição dos termos da dívida pública, redução das taxas de juros e do superávit primário – compõem algumas das condições básicas para recuperar a capacidade de investimento e de gasto social do Estado.

 

III – Crescimento com distribuição de renda e propriedade.

– Cabe ao Estado atuar decisivamente na indução ao desenvolvimento, na elevação do nível de emprego e na distribuição de renda (que não é resultado automático do crescimento), através do investimento público, do fortalecimento do sistema público de financiamento, da recuperação da capacidade de regulação particularmente face à infra-estrutura básica e aos setores que foram privatizados;

– Parte dessas diretrizes vem sendo realizada pelo governo Lula com o novo projeto para o setor elétrico, com a recuperação do BNDES para as tarefas do desenvolvimento e com a retomada ainda muito inicial da revisão das agências reguladoras;

– Nesse mesmo sentido a efetivação das condições financeiras, institucionais e legais para o pleno cumprimento do Plano Nacional de Reforma Agrária e a construção de um novo modelo agrícola, que vêm sendo dinamizados pelo governo Lula, podem cumprir um papel decisivo na viabilização de um novo curso econômico. Luta histórica, a principal reforma de caráter popular em andamento gera emprego e renda, envolve milhões de famílias de brasileiros na agricultura familiar e cooperada, pode ganhar mais dinamismo produtivo e vertebrar uma linha estruturante do desenvolvimento.

– O investimento público, limitado pelo acordo com o FMI e pela forma de servir a divida pública, no entanto, não vem sendo realizado na escala requerida para impulsionar, de forma articulada a um conjunto de outras políticas, novo ciclo de crescimento;

– Por isso mesmo a capacidade de promover emprego e distribuição de renda fica bloqueada e os instrumentos atuais não conseguem nem mesmo compensar os intensos danos provocados pela política econômica em vigor.

 

IV – Nova política de controle inflacionário. Subordinação das “autoridades monetárias” ao poder político eleito.

– Reconhecidamente uma questão complexa, com uma elaboração partidária insuficiente, e que demanda um esforço específico e que pode ser realizado com as competências de muitas equipes no Brasil e no exterior de técnicos que se orientam por abordagens keynesianas, marxistas, desenvolvimentistas, mas, sobretudo não servis à ortodoxia liberal;

– As contribuições das discussões do partido dão ênfase à necessidade de recuperar mecanismos de negociação, como câmaras setoriais, de regulação sobre setores dominados por oligopólios e de proteção ao consumidor. A isso se complementa a recuperação do planejamento de mais largo prazo e a orientação do investimento público, implicando em elevação da oferta, para dar suporte a uma política de crescimento.

– Outras contribuições do debate mais recente mostram o quanto é fundamental substituir a taxa de juros como instrumento de controle de preços (em patamar alto, reduz a demanda e, portanto os preços, mas, inversamente, freia o crescimento) por um conjunto de outros instrumentos que incluem o que já está mencionado no item anterior, equilíbrio entre tornar a taxa de câmbio mais competitiva com não torna-la fonte de pressão inflacionária;

– Um pré-requisito para essas elaborações frutifique em política é que a sociedade e o poder público se sobreponham ao poder do Banco Central, da secretaria do Tesouro Nacional, às autoridades monetárias. Esse, aliás, foi todo o sentido do debate crítico sobre a autonomia do Banco Central, e já era observado naquele momento que este já dispunha de muita autonomia, o que se tratava (e isso continua mais atual ainda) é de submeter a condução econômica às opções democraticamente tomadas pelo povo. A mais importante dessas deliberações, no Brasil recente, foi a de eleger Lula com um programa de mudanças. A política econômica deve obediência a esse programa (e não o contrário).

 

V – O papel do Estado.

– Este talvez seja o ponto de maior elaboração do nosso partido. Quando nossas diretrizes apontam para um Estado com capacidade de investir, regular a economia, induzir emprego e distribuição de renda, trata-se na verdade de promover, como bem define o XII Encontro Nacional (e muitos outros Encontros) uma revolução democrática na sociedade e no Estado;

– É preciso enfrentar o padrão liberal de fazer política sempre presente na história do país. Por isso é preciso desprivatização do que é público, controle democrático sobre as esferas de política econômica, autoorganização dos sujeitos sociais, democracia participativa.

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