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Mulheres na política: falar alto até que todas sejamos livres |  Isolda Dantas

Na Câmara Federal e no Senado ocupamos apenas 18% das vagas, mesmo sendo mais da metade da população brasileira.

Foto: Marcha Mundial das Mulheres

Foi em Mossoró, no Rio Grande do Norte, em 1927, que Celina Guimarães Viana foi registrada como a primeira eleitora do Brasil. E foi também aqui que elegemos, em 1929, a primeira prefeita da América do Sul, Alzira Soriano, na cidade de Lajes. Desde o surgimento da democracia, contamos 95 anos da nossa primeira prefeita eleita. De lá para cá, a sub-representação das mulheres nos espaços da política ainda é gigantesca.

Na Câmara Federal e no Senado ocupamos apenas 18% das vagas, mesmo sendo mais da metade da população brasileira. Segundo o TSE, entre 2016 e 2022, o Brasil teve, em média, 52% do eleitorado constituído por mulheres, 33% de candidaturas femininas e 15% de eleitas. Na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, somos cinco entre 24 deputados. E quando conseguimos acessar esses espaços, novos desafios se apresentam. O governo e o parlamento são espaços extremamente difíceis para as mulheres, marcados pela violência política de gênero. Segundo dados da ONU Mulheres Brasil, 82% das mulheres em espaços políticos já sofreram violência psicológica, 45% já foram ameaçadas, 25% sofreram violência física no ambiente parlamentar e 40% afirmaram que a violência atrapalhou sua agenda legislativa. Arrisco dizer que todas nós eleitas vivemos algum episódio de violência.

No meu primeiro mandato de deputada estadual foram muitos os casos. Em determinada reunião de Comissão Parlamentar, um deputado disse para que eu falasse baixo ao discordar de mim durante uma discussão. Não só não baixei a voz, como segui e continuarei falando alto em defesa das trabalhadoras e trabalhadores em todos os espaços que ocupo. Enquanto mulher na política sei que essa é uma das muitas estratégias usadas para nos calar, nos coagir ao silêncio.

A violência de gênero é uma ferramenta utilizada para subjugar a nossa existência plena, diminuir nossa força e encurtar nossos passos. Na política, não é diferente. Todos os dias, de diversas formas, tentam invalidar nossos posicionamentos, roubam nossas ideias, e se nos mantemos firmes, somos tidas como “desequilibradas”, “austeras” e até “agressivas”. Quem nunca viu/ouviu algum comentário desse tipo relacionado às mulheres na política?

Essa é a tarefa que se impõe: falar alto para desmantelar o patriarcado, o racismo, a lgbtfobia e todas as formas de opressão com as quais o capitalismo faz aliança para explorar e controlar nossos corpos e nossas subjetividades. Por isso, participar da política se converte em uma estratégia de resistência. Nesse contexto, o feminismo segue sendo uma das mais importantes ferramentas de transformação da realidade e garantia de direitos. Ele nos ajuda a entender como as opressões vividas pelas mulheres são estruturadas de forma sistêmica, e devem ser combatidas desde uma estratégia ampla. É também o feminismo que nos dá forças para seguirmos erguendo nossa voz, pois percebemos que não estamos sozinhas nas nossas batalhas.

As mulheres organizadas protagonizaram os principais movimentos contra o retrocesso social e democrático na história recente do Brasil. Sabemos que quando a democracia se fragiliza, a vida das mulheres fica mais difícil. No último período, o neoliberalismo aprofundou sua relação com a agenda conservadora, a nível mundial, na tentativa de sustentar sua base de exploração. Isso significa dizer que nos últimos anos sofremos um avanço muito acelerado do reforço ideológico da família e de valores como o individualismo e a heteronormatividade. Por isso, além da resistência popular das mulheres nas ruas, é preciso tê-la também nos espaços de poder.

Quando dizemos que queremos mais mulheres na política, queremos dizer mulheres comprometidas com a reorganização da sociedade, ampliando o conceito tradicional de trabalho e economia, pensando o bem viver a partir de uma prática em harmonia com o meio ambiente, e sempre articulando os conceitos de gênero, raça e classe. Portanto, aumentar a representatividade das mulheres feministas é tarefa permanente. Também o é articular políticas públicas, fortalecer os movimentos sociais, conquistar territórios livres de violência, avançar nas reformas estruturais do Estado e defender a sustentabilidade da vida no centro da agenda política.

Nossa fala seguirá muito alta porque carrega milhares de vozes. Lutamos cotidianamente por um tempo onde nossas vozes ecoem sem barreiras, sem fronteiras. A única política que nos serve é aquela verdadeiramente popular, onde caiba nossa autonomia, nossos sonhos e a nossa vida plena até que todas nós sejamos livres!

Isolda Dantas é professora e deputada estadual PT-RN.

Via Teoria e Debate.

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