Democracia Socialista

Não basta condenar cada massacre sem ir às causas

O ataque das forças armadas de Israel contra o governo de Gaza, com milhares de vítimas, entre mortos e feridos, muitos de não combatentes, está despertando uma onda mundial de solidariedade aos moradores de Gaza e por tabela de apoio à causa palestina. Vistos como genocidas, os habitantes de Israel perdem a simpatia da opinião progressista, que começa a questionar se realmente o estado judeu continua tendo o direito a existir.

PAUL SINGER

É preciso ponderar que infelizmente esta “guerra de Gaza” é apenas mais um episódio de uma vendetta que opõe árabes e judeus desde os anos 1930, portanto há mais de duas gerações. Os que neste momento lançam foguetes contra civis, dos dois lados, são netos daqueles que iniciaram ações também genocidas numa época em que as duas comunidades ainda estavam sob o domínio do protetorado britânico. Não há espaço aqui para recordar os episódios destas guerras intermitentes. Mas não há dúvida que ambos os lados tomaram repetidamente a iniciativa de recorrer à força, quase sempre como resposta ou revide à agressão precedente do outro lado.

O que importa é reconhecer que dos dois lados – dos judeus e dos palestinos – há e sempre houve muita gente que abomina os massacres sofridos e os massacres perpetrados, com ânsia de construir bases consistentes de convivência entre os dois povos. Em vários momentos palestinos e judeus com este propósito foram maioria em suas comunidades e as negociações de paz entre os seus representantes políticos pareciam se encaminhar a um desfecho positivo. Nestes momentos os grupos que recusam qualquer conciliação – novamente dos dois lados – intensificam os ataques contra a população inimiga, o que nunca deixa de provocar revides ainda mais sangrentos. O resultado é que as correntes pacifistas judias e palestinas rapidamente perdem apoio para os intransigentes do seu próprio povo, levando ao fracasso o processo de paz encetado.

Este condicionamento recíproco não fica claro para grande parte da opinião pública mundial porque Israel goza de inegável superioridade militar em relação aos palestinos. Os atentados genocidas perpetrados pelo lado mais fraco têm dimensões menores e menos dramáticas que os perpetrados pelo lado mais forte, de modo que qualquer balanço de sangue derramado revela uma trágica ‘vantagem’ dos judeus. Consequentemente, pesa sobre eles uma parcela bem maior de responsabilidade pelos massacres havidos e em curso do que sobre os palestinos. Isto pode até ser justificado, mas em nada contribui para fazer cessar os massacres, pois é evidente que qualquer processo de trégua, armistício e paz exige demonstrações de vontade de transigir dos mais fortes e dos mais fracos.

Exigir neste momento que cessem os ataques israelis à população de Gaza é necessário, sendo de se notar as manifestações neste sentido de soldados israelis com apoio de intelectuais e personalidades judeus, dentro e fora de Israel. Provavelmente deve haver manifestações no mesmo sentido entre os palestinos. A única esperança de por fim à vendetta é dar apoio público em cada país àqueles que efetivamente lutam contra os acumuladores do ódio, tanto em Israel como nos territórios palestinos. Isto é exatamente o oposto do que fazem os que se manifestam ostensivamente a favor de um dos lados sem levar em consideração os direitos à vida em paz dos que se encontram do outro lado.

É preciso unir de fato judeus e árabes que sinceramente se dispõem a lutar pela paz, não só no Oriente Médio, mas nas Américas, na Europa, África, Ásia e Oceania. Só quando os que se recusam ao fratricídio dos dois lados se sentirem apoiados pela maioria da opinião pública mundial, crescerão as chances de paz entre judeus e palestinos. Se os sulafricanos, sob a liderança de Mandela,  conseguiram superar os traumas de décadas de apharteid, todos os protagonistas de conflitos aparentemente irreconciliáveis também podem. No Brasil, líderes das comunidades árabes e judias vêm trabalhando neste sentido e é preciso lhes dar apoio para que não esmoreçam antes que a construção da paz esteja assegurada.