As mobilizações de jovens indignados em vários países europeus são importantes, sem dúvida, mas não há democracia sem partidos”, avaliou o ex-presidente de Portugal, Mário Soares, em Madri, durante o seminário Crise de representação e desafios da democracia no século XXI, que reuniu políticos, acadêmicos, sindicalistas e lideranças da sociedade civil de Brasil, Portugal e Espanha, no primeiro final de semana de maio. A reportagem é de Guilherme Kolling, direto de Madri.
Por Guilherme Kolling, publicado na Carta Maior
O ex-presidente de Portugal Mario Soares reconhece a legitimidade de movimentos da sociedade civil que questionam a representatividade de partidos e de sindicatos. É o caso dos Indignados, grupo que surgiu na Espanha há um ano (no dia 15 de maio, razão pela qual é também chamado 15M) e que oxigenou a discussão política na Península Ibérica e no mundo, já que inspirou movimentos semelhantes, em diversos países, organizados através das redes sociais na internet.
“Essas mobilizações são importantes, sem dúvidas, mas não há democracia sem partidos”, avaliou Soares em Madri, durante o seminário Crise de representação e desafios da democracia no século XXI, que reuniu políticos, acadêmicos, sindicalistas e lideranças da sociedade civil de Brasil, Portugal e Espanha, no primeiro final de semana de maio.
Um dos principais temas discutidos foi a perda de credibilidade e o envelhecimento dos partidos políticos, tese sustentada por vários painelistas. Caso do professor da Universidade de Alcalá de Henares, historiador Pedro Perez Herrero, para quem está ocorrendo um distanciamento do cidadão em relação à política, já que cada vez mais gente não se sente representada pelos partidos.
“Há uma clara mudança na forma de participação, como nos mostra o 15M, que provocou um repensar da nossa democracia, que não está funcionando. As pessoas querem interferir nas decisões. Como a política dos estados-nação não está funcionando e os deputados não têm comunicação direta com os seus representados, o cidadão se volta ao município para poder participar.”
Nicolas Sartorius, vice-presidente da Fundación Alternativas, da Espanha, que promoveu o encontro em parceria com o governo do Rio Grande do Sul, sustentou que as legendas devem se abrir aos cidadãos e não ficarem restritas aos seus filiados.
Sartorius ainda disse que, para vencer a crise de legitimidade por que passam, as siglas deverão adotar uma democracia mais direta. E formarem “autênticos partidos de esquerda europeus”, já que a solução para a crise passa por uma política conjunta para todo o continente.
Mario Soares concordou que a esquerda europeia passa por um momento muito difícil. “Houve o colapso dos governos socialistas de Portugal e Espanha. Os partidos social democratas estão todos em crise. E os países da Europa foram para as mãos de governos populistas e conservadores.”
Mas o ex-presidente português observa que o movimento socialista começa a se animar de novo com a vitória de François Hollande na eleição na França, a segunda maior economia da Zona do Euro. O pensador português acredita que vai se iniciar uma nova fase na Europa, em que Hollande irá discutir saídas para a crise do continente em pé de igualdade com a chanceler alemã, Angela Merkel, o que poderá mudar a política de cortes nos gastos públicos adotada até aqui, apoiada pelo atual presidente francês Nicolas Sarkozy.
“É importante que haja uma reação. A situação é muito grave, o continente está tomado de governos ultraconservadores. E a direita quer destruir o Estado de bem-estar social, que deu 30 anos de paz e felicidade para a Europa. Não podemos aceitar isso. Ou mudamos este capitalismo selvagem – que dá mais importância ao dinheiro que ao atendimento médico a pessoas doentes -, ou vamos todos para o fundo do poço. Se deixarmos esse neoliberalismo que está aí, ninguém sai da crise na Europa”, concluiu Soares.
O ex-presidente observa que o problema não é pontual, mas de todo continente, que, para ele, passa por uma crise não apenas econômica, mas também política e de civilização. “Essa crise começou com uma roubalheira. E não dá para aceitar quando dizem que a Grécia, berço da nossa civilização, é a culpada, como se lá vivesse um bando de ignorantes. Fiquei furioso quando ouvi, no início da crise, gente dizendo que ‘Portugal não é a Grécia’. O problema é de todo continente. Basta ver que depois vieram os problemas na Irlanda, Chipre, Itália, Espanha, Portugal. E vem mais por aí: Eslôvenia, Holanda, Hungria. Enfim, é toda Europa.”