Ao referir-se à Copa América, Luis Suárez, jogador da seleção uruguaia e campeão espanhol, 2021, pelo Atlético de Madrid, declarou: “Havia que dar prioridade à saúde do ser humano antes que a um torneio”
Suárez sabe que as condições de organização de jogos não são jogadas no campo.
O jogo é extracampo.
Ao entrar em campo, jogadores e torcedores podem não saber, mas às vezes só falta decidir o resultado do jogo.
O restante está tudo definido: preparativos, organização, lucros, vantagens, riscos políticos, etc.
A deliberação se dá entre os patrocinadores/publicidade, mídia (rádio e TV principalmente), apostadores e empresários.
Ou seja, entre os “donos” dos jogadores, dos times de futebol e os dos governos.
O futebol hoje é disputado entre empresas e empresários e não mais entre clubes e/ou seleções de países.
Representam e disputam interesses econômicos e políticos.
O futebol como entretenimento é secundário e limitado.
São poucos os “futebolísticos” e “boleiros” que enxergam as pessoas como cidadãos com direitos, como direito à saúde, à educação e ao bem estar social.
Em geral, enxergam as pessoas como objetos, consequentemente, fontes de lucros.
Como todos sabem, a Colômbia abriu mão de sediar os jogos da Copa América.
Mas, apesar do aumento de casos e mortes por covid-19, o motivo não foi a preocupação com a saúde da população.
O presidente da Colômbia, Iván Duque Márquez, assim como o do Brasil, Jair Bolsonaro, não combate a pandemia.
A razão principal é que não quer ser denunciada internacionalmente pela violência que pratica cotidianamente contra o seu povo. Situação que, diga-se de passagem, recrudesceu nos últimos anos e meses.
Já o governo da Argentina — consciente do aumento de infectados pelo novo coronavírus e a obrigatoriedade de isolamento social — decidiu que a Copa América não poderia ser realizada lá, segundo os parâmetros propostos pelo Conmebol.
A Argentina exigiu que a Conmebol apresentasse um protocolo sanitário de prevenção contra o coronavírus.
A Conmebol não apresentou.
Não apresentou porque não tem nenhum parâmetro e/ou protocolo de enfrentamento da pandemia, como tampouco o Brasil tem.
Os argentinos também fizeram estas perguntas à Conmebol :
1. É necessário, mesmo, que o torneio ocorra neste contexto de pandemia?
2. A Copa América não pode esperar?
3. Os interesses econômicos são tão fortes que se sobrepõem à saúde pública?
A Conmebol, em vez de responder ou suspender o torneio, preferiu procurar outro país para sediar a Copa América.
E, aí, nada melhor que o Brasil, do governo Bolsonaro, cujo objetivo é alcançar a imunidade de rebanho, mesmo que para isso seja necessário matar 1 milhão e 400 mil de brasileiros.
As Olímpiadas do Japão – muito mais importante que a Copa América – foi adiada e continua sem definição se será ou não realizada.
A Copa América era para ter sido realizada em 2020. Não foi devido à pandemia.
Deveria, portanto, ser adiada novamente ou até mesmo cancelada dada a sua inutilidade como disputa e entretenimento.
— Ah, mas vai ter prejuízo econômico… — dizem os empresários genocidas que colocam seus lucros acima da saúde da população.
Sediar a Copa América, além de contribuir para termos 1,4 milhão de mortes pela covid-19, é uma oportunidade para Bolsonaro destruir mais o Estado brasileiro.
Ou seja, enquanto o povo se “entretém”, Bolsonaro aprofunda sua política ultraneoliberal e avança na organização de suas milícias digitais e militares, agora explicitamente reforçada com o comando do exército.
Um dos poucos entraves foi a crise ocorrida na CBF pela denúncia de assédio moral e sexual contra o seu presidente Rogério Caboclo.
Mas isso já foi resolvido e com a volta por cima. Assumiu a presidência da CBF o coronel Antônio Carlos Nunes, mais um baluarte da ditadura e da apologia à tortura e aos torturados.
“Domar” os jogadores “rebeldes” que questionaram o torneio foi fácil.
A maioria tem histórico de individualismo e nunca de defesa da cidadania.
Isso está implícito na nota que soltaram. O interesse individual ficou acima do coletivo que é o enfrentamento a pandemia.
Segundo a Conmebol, ao anunciar que a disputa seria no Brasil, “o torneio de seleções mais antigo do mundo fará vibrar todo o continente”.
Esta manifestação da Conmebol é própria de uma entidade que não enxerga as agruras dos homens e das mulheres de Nuestra América.
Nuestra América e seu povo, como sempre, e no momento com intensificação de ações opressivas e de terror dos Estados – Colômbia, Equador, Brasil, Peru, Chile, para ficar em alguns exemplos – sofre com a violência, prisões, sequestros, desaparecimentos, agressões, assassinatos e estupros de seus cidadãos e cidadãs.
O povo do Brasil e de Nuestra América necessita de direitos e não de “entretimento” deste necrotorneio.
- Dr. Rosinha é médico pediatra, militante do PT. Pelo PT do Paraná, foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017). De maio de 2017 a dezembro de 2019, presidiu o PT-PR. De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul.
- Publicação original: Viomundo
Charge do cartunista Renato Machado em seu perfil no Instagram