O homem armado – que até agora não foi identificado – sequestrou um ônibus com 37 pessoas na ponte Rio-Niterói, na manhã do dia 20 de agosto. O caso mobilizou a polícia, agentes públicos do governo do Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel e grande parte da imprensa.
Depois de 3h30 de sequestro, o homem foi morto por tiros disparados por um atirador de elite da PM. O criminoso estava armado com uma pistola falsa, uma faca, um taser (eletrochoque) e também ameaçou atear fogo no veículo com um galão de gasolina.
O governador comemorou o desfecho e abraçou o policial que atirou. O porta-voz da Polícia Militar, coronel Fliess, disse que “essa é a polícia que queremos ver. Foi necessário o disparo do sniper para neutralizar o marginal e salvar as pessoas do ônibus. Ele está em óbito no local”. Ao final, os policiais comemoraram e rezaram um Pai Nosso.
As polícias Militar e Civil do Rio mataram 881 pessoas de janeiro a agosto deste ano, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ). Foram quase quatro mortos por dia, recorde para o período na série estatística de 21 anos, iniciada em 1998. Desse total, 813 vítimas viviam na capital ou em cidades da região metropolitana, com destaque para Niterói, São Gonçalo e Belford Roxo. É a política de ‘abate’ defendida pelo governador Witzel do PSC que mata bebês e jovens negros sem ligações com o crime.
Sobre o caso específico de hoje, desconheço protocolos policias ao redor do mundo que não orientem o Estado a atirar em caso de ameaça a outras pessoas – inclusive nos países com policiais mais humanistas e progressistas. Em um modelo de policiamento minimamente civilizado, o único caso em que o uso da arma deveria ser cogitado é quando há, justamente, ameaça real de vida a outras pessoas. Os questionamentos sobre a ação policial que as cenas de hoje despertam – a arma era de brinquedo?; o sequestrador estava se entregando? – deverão ser respondidas ao longo de uma investigação. Qualquer conclusão agora seria precipitada.
De qualquer forma, surpreende como políticos tentam fazer uso do caso para se projetar, comemorando o desfecho. Independente de possíveis divergências políticas, o que ocorreu hoje de manhã foi uma tragédia: pessoas devem estar traumatizadas, com medo; uma outra família deve estar chorando a perda de um ente. O caso escancara uma sociedade violenta e doente que comemora a morte ao vivo em rede nacional. Isso não é algo a ser comemorado. Vergonha que governantes assim o façam.
Jordana Dias Pereira é socióloga, mestranda da UFSCAR na área de Segurança Pública e militante da Democracia Socialista.
Originalmente publicado em Fundação Perseu Abramo.