Assisti ao filme “No”. A película versa sobre o plebiscito de 1988 no Chile. Naquele ano, a ditadura de Pinochet, por cobranças internas e externas, após 15 anos, se viu obrigada a fazer um plebiscito para consultar o seu povo se Pinochet deveria ou não continuar no cargo.
A regra para o plebiscito, entre outras coisas, estabelecia quinze minutos de TV diária para ambas as posições, o “Si” e o “No”. Pinochet e o “Si” perderam, o “NO” venceu e o Chile iniciou um processo de democratização.
Durante o filme, lembrei-me do PT nas eleições de 1982. A foto, e só podia a foto, dos candidatos dos partidos apareciam na TV e uma voz em off anunciava o currículo de cada um. Esta era a lei do fim da ditadura dos generais brasileiros.
Nestas eleições, parte dos candidatos do PT era assim anunciado: fulano de tal é candidato ao Senado. É um trabalhador como você, foi sindicalista e durante a ditadura foi preso e torturado. Após cumprir a pena saiu da prisão e exilou-se. Agora, com a anistia, voltou ao Brasil e é candidato a senador. Vote no fulano de tal e tenha um senador igual a você.
Esse era mais ou menos o modelo da campanha. Imaginavam os dirigentes do PT e nós militantes daquela época que a história do candidato, trabalhador, militante sindical, perseguido pela ditadura pudesse sensibilizar os eleitores e eleger uma boa bancada. Não conseguimos sensibilizar muita gente. O PT sofreu uma derrota eleitoral e entrou numa profunda crise.
Durante o filme, lembrei-me do nosso passado porque alguns militantes a favor da democracia e contra a ditadura chilena queriam fazer uma campanha a favor do “Não” muito semelhante à campanha do PT em 1982: mostrando o sofrimento do povo chileno e a violência de Pinochet e sua ditadura.
“No” registra parte da construção da derrota da ditadura chilena em 1988. Digo parte porque o todo provavelmente ninguém conhece, pois a campanha pelo “Não” foi diversa, complexa, ampla e de mobilização silenciosa.
O filme demonstra que Pinochet, naquele momento, após 15 anos de ditadura, não tinha hegemonia política e dominava pelo medo. Tinha somente o apoio de setores importantes da burguesia e dos militares.
Como derrotar uma ditadura através de uma campanha pacífica e sem violência? É disso que trata o filme. Alguns entendiam que, nos quinze minutos da campanha política do “No”, tinham que mostrar imagens dos perseguidos, das ações policiais das ruas e dos espancamentos e torturas. Denunciar a ditadura e todas as suas ações. Tinha que aproveitar esse espaço para denunciar, uma vez que era impossível o “No”, na concepção deles e pela manipulação do resultado feito pela ditadura, derrotar Pinochet.
É chamado para debater a campanha o publicitário René Saavedra (interpretado por Gael García Bernal), filho de um exilado, que cresceu fora do país, portanto não gozava do respeito dos antigos militantes da esquerda chilena, pois acreditavam que ele não conhecia a realidade chilena e tampouco as atrocidades da ditadura.
Saavedra, publicitário de ideias novas para o Chile da época, é o principal publicitário da empresa em que trabalha, cujo proprietário é Lucho Guzmán (Alfredo Castro), que orienta a campanha pelo “Si”, o que gera alguns embates entre ambos e ameaças a René.
Habilmente, René vai construindo e convencendo os dirigentes a favor do “No” de que é necessário enfrentar a ditadura com um linguajar publicitário moderno e alegre, e que só assim é possível que as pessoas superem o medo da ditadura. Propõe jingles alegres e, em segundo plano, a denuncia a ditadura.
O filme, apesar de ficcional, dá uma ideia real do ambiente político da realização do plebiscito e da campanha televisiva a favor do “Não”. Foi provavelmente uma das primeiras campanhas modernas e criativas na política.
Com criatividade, denuncia a ditadura. Como exemplo, cito uma cena: uma manifestação de rua é reprimida. Um soldado arrasta um homem e o espanca. A câmera foca o soldado e, em off, uma voz diz: este homem é chileno. Em seguida foca o arrastado e espancado e informa: este homem também é chileno.
E seguidas vezes vai focando, ora um, ora outro, dizendo: este homem quer paz, este também quer paz e, assim por diante, até concluir que o que ambos querem é possível conquistar votando “No” e derrotando a ditadura.
Dr. Rosinha é médico pediatra e deputado federal (PT-PR).