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Notas sobre a situação mundial

Notas sobre a situação mundialPor Eduardo Mancuso, publicado no blog Aldeia Gaulesa.

 

Crise de civilização capitalista

A crise de civilização capitalista em sua fase atual – a da globalização neoliberal – abre um período de transição na história. Socialismo ou barbárie, dizia Rosa Luxemburgo no início do século 20. Outro mundo é possível, afirmou o Fórum Social Mundial no primeiro ano do século 21. É evidente que o “sistema-mundo” capitalista (o mercado mundial globalizado) vive uma crise estrutural devido a suas contradições internas e desenvolve uma relação insustentável da sociedade humana com a ecologia do planeta. A razão dessa crise de civilização advém (como dizia Marx) do fato de o capitalismo só poder existir e se reproduzir através da exploração das duas fontes de riqueza: o trabalho humano e a natureza. O capitalismo, historicamente progressista (como ensina o próprio Manifesto Comunista de Marx e Engels), em sua fase tardia e senil transformou-se em crise civilizatória (como destaca o Programa de Transição de Trotsky): anti-humanista e antiecológica.

A globalização imperialista e neoliberal, hegemônica desde 1980 – com o “momento unipolar” dos EUA nos anos 1990 e a “nova ordem mundial” instaurada depois da queda do Muro de Berlim e do desabamento da URSS que pôs fim à Guerra Fria – levou a humanidade e o planeta a uma crise sistêmica. Após a Era de Ouro do capitalismo pós-Segunda Guerra (1945-1973), segundo a caracterização de Hobsbawm, a economia mundial entrou em um ciclo longo recessivo (previsto por Ernest Mandel em O capitalismo tardio), levando o capital a deflagrar a ofensiva neoliberal global dos últimos trinta anos contra os trabalhadores. A crise econômica e financeira aberta em 2008 nos países ricos, considerada a mais grave desde a crise de 1929, reforça a idéia de que entramos em uma era de transição, um período de bifurcação histórica onde a crise estrutural do “sistema mundo”, segundo Wallerstein, possibilita que a sociedade humana “escolha” alternativas de futuro solidárias e sustentáveis (mais difíceis de concretizar quando o sistema está estável e se reproduz funcionalmente).

A América do Norte e a “velha” Europa (como chamavam os neocons de Bush) estão perdendo o predomínio mundial em riqueza e poder para a Ásia (com a China “comunista” à frente) e os países dos BRICs. A geopolítica mundial sofre um deslocamento de poder (relativo) do Ocidente para o Oriente, do Norte para o Sul global. Guerras imperialistas fracassadas (Afeganistão, Iraque), estagnação econômica e a maior crise financeira desde 1929 impactam fortemente a tríade capitalista – EUA, União Européia e Japão – nos primeiros anos do século 21. As teses proféticas de Marx e Engels no Manifesto Comunista (1848) sobre a globalização do capitalismo; a teoria do imperialismo de Lenin em Imperialismo, fase superior do capitalismo (1916), assim como a lei do desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky – base da teoria da revolução permanente (1905-1930) –, demonstram absoluta atualidade tanto para a compreensão teórica do capitalismo como para a ação política socialista e revolucionária nesse início de século 21.

As Internacionais socialistas…

No Manifesto Comunista, Marx e Engels mostraram que o internacionalismo dos trabalhadores repousa sob bases materiais objetivas. Porém, a história da luta de classes moderna nos ensina que isso não significa uma consciência de classe internacionalista e socialista automática para as maiorias exploradas e oprimidas nos diferentes países.

A Revolução Francesa (1789) e a Primavera dos Povos (1848) inspiraram o internacionalismo dos trabalhadores, que tem no Manifesto Comunista seu programa fundador: Proletários de todos os países: uni-vos! Em 1864 surge a Primeira Internacional em Londres, e Marx inscreve no seu programa o princípio universal da autoemancipação humana: a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores. A Comuna de Paris (1871), o seu exemplo heróico e seu esmagamento sangrento, marcam ao mesmo tempo o auge e decretam o fim da Primeira Internacional socialista.

Em 1889, com a presença de Engels no congresso de Paris, é fundada a Segunda Internacional, agrupando os partidos operários da Europa. Os partidos social-democratas (assim chamados porque além da democracia política lutavam pela democracia social e econômica) organizaram politicamente a classe trabalhadora nas últimas décadas do século 19, e foram os primeiros partidos de massas modernos. A Internacional entrou em colapso quando a maioria dos partidos social-democratas traiu o programa socialista, aderindo ao patriotismo chauvinista dos seus governos nacionais, envolvendo os trabalhadores na Primeira Guerra Mundial imperialista (1914-1918), que levou a 10 milhões de mortes.

A esquerda socialista com o Partido Bolchevique de Lenin e Trotsky à frente, após a vitória da Revolução Russa (1917) funda em Moscou a Terceira Internacional (Comunista), em 1919. Após a morte de Lenin (1924) e com o isolamento internacional da revolução russa, se desenvolve um processo de burocratização do partido bolchevique, da Internacional Comunista e do estado soviético. O surgimento do stalinismo e sua política revisionista e burocrática de “socialismo em um só país”, seguida por seus crimes contra os bolcheviques leninistas, e a responsabilidade direta (juntamente com a social-democracia) pela vitória do nazismo na Alemanha (1933) faz Trotsky declarar que “um mar de sangue separa o stalinismo do socialismo e do marxismo” e decretar a revolução soviética, definitivamente, “traída”.

É nesse contexto de derrotas históricas e de contra-revolução aberta que Trotsky vai fundar a Quarta Internacional em 1938, às portas da Segunda Guerra Mundial, com a participação de pequenos grupos internacionalistas anti-stalinistas, com a tarefa de manter a herança dos ideais da revolução russa e do marxismo revolucionário. Com o assassinato de Trotsky no México em 1940 e a derrota do nazismo na Segunda Guerra (graças à resistência heróica do povo soviético e ao Exército Vermelho), o stalinismo expande os seus domínios para os países do Leste Europeu e se firma como a grande referência mundial do movimento comunista internacional. A Quarta Internacional não conseguirá superar, ao longo de 70 anos de existência minoritária, sua pequenez e isolamento político entre a classe trabalhadora, hegemonizada pelas duas grandes correntes reformistas do movimento operário: a social-democracia e o stalinismo.

…e o Internacionalismo do século 21

O movimento altermundialista e o Fórum Social Mundial (“uma Internacional sem donos” nas palavras de Hugo Blanco) expressam no início do século 21 o surgimento de um novo internacionalismo, que deve buscar inspiração na democrática experiência histórica da Primeira Internacional de Marx. O grande desafio é articular mais e melhor as forças políticas antissistêmicas e socialistas, construir alianças com os governos democráticos e populares, e criar estratégias revolucionárias e alternativas políticas concretas (além de novos paradigmas de desenvolvimento sustentáveis) à crise civilizatória da globalização capitalista e imperialista, destruidora dos direitos humanos e sociais e do meio-ambiente.

A mundialização das lutas dos trabalhadores e da juventude, as novas formas de resistência social e o movimento altermundialista, com os fóruns sociais; a primavera democrática dos povos árabes, de europeus (“indignados” lutando por “democracia real já”) e norte-americanos (Ocupe Wall Street), com a retomada da praça como espaço público da cidadania (verdadeiras ágoras em rebelião); as marchas de camponeses e das mulheres; as grandes manifestações pela paz e contra a guerra nos primeiros anos do novo século; as vitórias políticas de governos progressistas na América Latina; a disseminação das redes, virtuais e sociais – representam a nova fase da luta pela contra-hegemonia dos povos, da esfera local, passando pela nacional ao global, em busca da democratização do mundo e da transformação do sistema internacional.

Se os trabalhadores e os jovens estão se mobilizando e protestando nos Estados Unidos e na Europa, na China, a luta de classes se acentua e preocupa o partido comunista mais capitalista da história. Se hoje derrubam ditadores e desestabilizam regimes autocráticos e corruptos no norte da África e no Oriente Médio, há mais de uma década os povos conquistam vitórias políticas e eleitorais sobre as forças neoliberais na América Latina. Porém, nem no Oriente ou no Ocidente, no Norte ou no Sul global, as novas resistências e revoltas populares possuem uma alternativa estratégica à ordem mundial em crise. Mas o importante é assinalar que estamos em outra fase da luta de classes internacional, difícil, certamente, mas sem dúvida melhor do que as últimas décadas, completamente dominada pela ofensiva neoliberal. Um novo período em que governos democráticos e populares buscam construir as bases de um projeto pós-neoliberal, enquanto se acumulam movimentos e sinais, ainda fragmentados de que um estado de rebelião internacional parece estar se gestando no interior da crise de transição que estamos vivendo mundialmente.

As revoluções árabes, o movimento dos indignados na Espanha e o Ocupe Wall Street nos Estados Unidos, combinando a ocupação da praça pública com o direito de rebelião, demonstram que o território da cidade é o espaço estratégico dos grandes movimentos de massa do futuro que podem transformar o sistema internacional capitalista, na relação dialética entre o local e o global, em um rumo alternativo, buscando uma sociedade mundial democrática, sustentável e solidária. Para que homens e mulheres possam construir um futuro melhor para a humanidade, é preciso um esforço estratégico de articulação de uma frente única entre os novos e os antigos movimentos sociais antissistêmicos, entre os poderes locais democráticos e as organizações cidadãs que emergem da sociedade civil, tecendo alianças com governos nacionais e blocos regionais progressistas, visando impor aos poderes econômicos dominantes, aos governos imperialistas e ao sistema internacional hegemônico, uma democratização real, autêntica, que abra perspectivas concretas de transformação no sistema mundial.

Na última década o movimento altermundialista mostrou através das mais diversas formas (sempre criativas e radicais), como globalizar a luta pela paz e contra a guerra, pela justiça social, pela democracia e pela defesa dos direitos humanos das atuais e das próximas gerações. Somente um processo de revolução democrática global pode levar às transformações das relações sociais em escala mundial, influenciando o período de transição aberto pela crise de civilização capitalista em um sentido ecossocialista.

A Primavera Árabe

Não foi mera coincidência o fato do Fórum Social Mundial de Dakar (Senegal) se realizar no mesmo período (fevereiro de 2011) e no mesmo continente onde iniciou a Primavera Árabe, podendo celebrar a derrubada dos ditadores da Tunísia e do Egito através de processos em que as massas impulsionam uma revolução democrática espontânea e autônoma. Essa convergência espacial e temporal do movimento altermundialista com processos populares de revolução democrática parece indicar as “dores de parto” de um novo internacionalismo.

As revoluções árabes iniciadas na Tunísia e no Egito derrubaram ditadores de décadas que eram peças chaves do imperialismo francês e norte-americano na região, e tiveram na juventude, nos sindicatos de trabalhadores e nas camadas médias, esmagados pelo desemprego e indignados com o autoritarismo e a corrupção dos regimes, seus principais atores em luta por liberdade e dignidade. As vitórias eleitorais recentes de partidos islâmicos (que não tiveram papel importante nas revoluções árabes) se explicam, em parte, por suas estruturas e organizações financiadas pelos regimes reacionários do Golfo, pelo apoio da mídia local, mas também pela ausência de representação política organizada da esquerda, dos trabalhadores e da juventude radicalizada.

O processo na Líbia, que iniciou como revolução popular contra o regime despótico de Khadafi (inaceitavelmente apoiado por Hugo Chávez), degenerou em guerra civil com a participação decisiva das tropas da OTAN – em um contexto de ausência de organização da sociedade civil e da esquerda política, além da complexa divisão tribal do país – que influenciaram decisivamente o desfecho atual, frustrando as potencialidades revolucionárias presentes no processo inicial. Assim como na Líbia, na Síria o regime ditatorial da dinastia alauíta dos Assad entrou em crise sob o impacto das ondas de choque da Primavera Árabe (onde as novas tecnologias da internet e as redes de TV faziam com que “todos os árabes estivessem na Praça Tahrir” no Egito). O levante popular pacífico contra o regime sírio chocou-se com a intransigência e a violência do estado, conduzindo o país a uma guerra civil, onde o regime enfrenta a insurreição popular e as deserções no exército com métodos brutais de repressão indiscriminada contra a população, e está isolado na região pela Liga Árabe e internacionalmente, pelas potências imperialistas. A ditadura síria conta apenas com o apoio da Rússia, que utiliza portos do país como base militar e vende armas ao regime, e da China, que mantém relações com o Irã (único aliado do regime de Assad, que está sob cerco diplomático, sofre sanções econômicas e ameaça de bombardeio por Israel e os EUA).

O paradoxo da Primavera Árabe é que nos países onde iniciou o processo revolucionário (Tunísia e Egito) o movimento democrático da juventude e dos trabalhadores em luta por democracia e liberdade, em face da ausência de representação e organização política, não conseguiu conquistar espaços nas eleições recentes, vencidas pelas forças religiosas conservadoras (inclusive fundamentalistas), que estabelecem acordos com os regimes pró-imperialistas (e com o próprio imperialismo) para estabilizar a nova ordem social. Enquanto na Líbia e na Síria a intransigência e a violência repressiva dos regimes de Khadafi e Assad levaram o movimento de massas pacífico a dar lugar a guerra civil, arena privilegiada para o imperialismo ocidental e os regimes reacionários da região intervirem diretamente no processo.

A crise dos países imperialistas…

A crise européia que se seguiu ao estouro da bolha imobiliária e da queda de Wall Street nos EUA em 2008, iniciou como crise financeira – quando os governos para evitar o colapso sistêmico injetaram trilhões de dólares e de euros nos bancos – mas evoluiu para uma grave crise fiscal dos países da zona do euro. Sob a pressão dos mercados que haviam sido salvos pelo dinheiro público, os governos europeus, sob a batuta do FMI, do Banco Central Europeu e da Alemanha, deflagraram um ataque às conquistas sociais dos trabalhadores e ao Estado de Bem-Estar, jogando a conta da crise financeira nas costas da maioria da sociedade e impondo uma Era de Austeridade que vai levar a União Européia à recessão prolongada.

Está claro que os países centrais do capitalismo, estimulados pela chantagem dos mercados e pelas diretrizes das instituições financeiras globais, estão aproveitando o choque provocado pela crise econômica e o crescimento da dívida pública (originada exatamente para salvar os mercados responsáveis pela crise) para impor uma nova onda de contra-reformas liberais e medidas anti-sociais aos trabalhadores, aposentados, estudantes e funcionários públicos. Em nome do perigo gerado pelo aumento massivo do déficit público – causado pelo custo exorbitante do salvamento dos bancos, sem que isso tenha servido para impor algum controle público sobre o sistema financeiro – estamos assistindo a imposição de medidas brutais nos países periféricos da zona do euro mais impactados pela crise de endividamento: Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha, além de países do Leste europeu. Chegamos à Era da Austeridade, que pode ser definida como um ataque patronal sem precedentes aos trabalhadores e ao Estado de Bem-Estar Social desde a contra-revolução neoliberal dos anos 1980 e 1990. Isso significa dizer que as vítimas da crise (a maioria da sociedade) pagarão o custo da crise produzida pelos mercados e seus executivos super-ricos. Esta profunda injustiça social que já produziu mais de 30 milhões de desempregados apenas no continente europeu está se revelando um grande detonador político.

Os acontecimentos pós-crise mundial de 2008 estão despertando um processo desigual de lutas e resistências. Movimentos democráticos pela derrubada de governos ditatoriais no Norte da África, no Golfo e no conjunto do Oriente Médio, assim como a resistência social diante da crise nos países da União Européia demonstram a instabilidade gerada pela maior crise do capitalismo desde 1929 no cenário internacional. A situação internacional também é marcada pela incapacidade do imperialismo norte-americano em administrar a instabilidade sistêmica e de controlar as metamorfoses geopolíticas em curso no mundo. Podemos divergir na ênfase sobre “o declínio do império americano”, mas ele é real. O paradoxo da falida (literalmente) ortodoxia neoliberal é justamente impedir a recuperação econômica, portanto, a melhoria das contas públicas, o que, naturalmente não irá “acalmar os mercados” e nem impedir as agências de rating de rebaixar as “notas” dos países, o que vai continuar pressionando e desestabilizando os mesmos governos que salvaram o sistema com dinheiro público, evitando o colapso mundial.

A política dos mercados e dos governos de jogar o custo da crise em cima da população vai impedir a recuperação da economia européia e obrigar a resistência da sociedade e dos trabalhadores. A juventude se radicaliza, os sindicatos se mobilizam, e a maioria da sociedade começa a perceber que a resistência social é a única alternativa para impedir a perda de direitos e condições de vida, duramente conquistados ao longo de décadas de construção do Estado de Bem-Estar Social (que a social-democracia, convertida ao social-liberalismo, não reivindica e nem parece defender mais). A chave para superar a crise passa pela construção de um verdadeiro projeto de integração dos povos alternativo ao modelo atual, neoliberal e antidemocrático da União Européia: uma Europa social, solidária e sustentável.

Portanto, o projeto neoliberal da União Européia está em cheque e não parece ter futuro. A Primavera Árabe resgatou a praça pública como espaço de democracia e liberdade, inspirou o movimento dos Indignados na Espanha, que atravessou o Atlântico e despertou o movimento Ocupe Wall Street nos Estados Unidos. O futuro desses países e regiões, tanto os desenvolvidos como os “emergentes” e os subdesenvolvidos, está em conquistar tanto a soberania como a “democracia real” das suas sociedades, a integração de seus povos e territórios, construindo um novo paradigma de desenvolvimento sustentável e solidário. A América do Sul, que vem avançando nesse sentido na última década, buscando construir regionalmente alternativas pós-neoliberais, deveria servir de inspiração para os setores democráticos e a esquerda política e social da Europa e dos Estados Unidos, para a saída da crise atual.

…e a revolução democrática na América do Sul

Em meados da década passada, os EUA sofreram uma grande derrota geopolítica ao não conseguirem expandir o Nafta da América do Norte para a América Latina, através do projeto da Alca (Àrea de Livre Comércio das Américas). Tiveram frustradas suas expectativas graças à aliança estratégica dos movimentos sociais com os governos progressistas do Brasil, da Argentina e da Venezuela.

As regiões do mundo que constituem o Sul global – Oriente Médio, Ásia, África e América Latina – têm o grande desafio de definirem seus projetos regionais rumo a integração dos povos e territórios. Para isso, precisam realizar revoluções democráticas e refundar seus estados, precisam se livrar das bases militares imperialistas ou, em alguns casos, da ocupação militar; precisam erradicar a extrema pobreza e o analfabetismo; derrotar politicamente suas corruptas classes dirigentes e superar as divisões nacionais. A América do Sul, até agora, é a única região periférica do mundo global que tem avançado na superação política do neoliberalismo e na construção de alternativas democráticas e populares ao Consenso de Washington, em crise aberta desde a virada do século (mas, infelizmente, ainda vivo e dominante, na região e no mundo).

Se o continente latino-americano ainda carece de um projeto de integração, a América do Sul apresenta as melhores condições para construir um projeto regional próprio. Nossas nações e povos compartilham as mesmas aspirações por independência e soberania, e podem construir uma identidade comum a partir da riqueza de nossa diversidade ecológica e cultural. Nossas economias são assimétricas e podem se complementar, gerando ganhos a serem socializados. Em um planeta cada vez mais ameaçado ambientalmente e energeticamente, contamos com recursos naturais abundantes: água, energias renováveis e não-renováveis, terra e alimentos. Temos acesso a dois grandes oceanos, o Atlântico e o Pacífico. Temos uma população jovem e baixíssimos riscos de guerras e conflito nacionais.

A América do Sul iniciou a primeira década do novo século enfrentando a crise do projeto neoliberal que devastou a região nos anos 80 e 90 com governos nacionais democráticos buscando de forma soberana a integração de povos e territórios e desenvolvendo políticas de crescimento com distribuição de renda, visando superar a pobreza de nossa população e a situação periférica no mundo atual. Para esse projeto democrático e popular avançar é necessário resgatarmos a herança de luta e o sonho de nossos antepassados que há duzentos anos colocaram nossa região na vanguarda política da independência nacional e do anticolonialismo, lançando as bases da integração de “nuestra America”.

Nesse início de século 21, o Brasil e a América do Sul podem avançar (aproveitando a oportunidade histórica do declínio norte-americano, com suas prioridades geopolíticas voltadas para a Ásia e Oriente Médio), em uma estratégia de revolução democrática, na reforma do estado (onde os exemplos das constituições boliviana, equatoriana e venezuelana devem nos servir de inspiração) e na construção de um projeto de integração através da cooperação e do desenvolvimento sustentável e solidário na região: primeiramente constituindo uma federação sul-americana (reforçando o MERCOSUL e aprofundando a UNASUL), para em seguida lutarmos, em melhores condições estratégicas, por uma América Latina livre, democrática, soberana, integrada e socialista.

* Eduardo Mancuso é historiador e membro da Coordenação Estadual da DS-RS.

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