Este documento traz uma síntese de notícias veiculadas na imprensa acerca da relação do agronegócio com o aquecimento global e, em particular, do Brasil, baseado em estudos realizados pela Embrapa e pela Unicamp, os quais serão divulgados nesta semana.
Somam-se a essas tendências e constatações, alguns comentários que julgamos pertinentes, por estarem diretamente associados à dinâmica produtivista conduzida pelo agronegócio no Brasil.
1. Estudos realizados pela Embrapa e Unicamp confirmam as mudanças climáticas no Brasil
Estudo da Embrapa Informática Agropecuária e do Cepagri/Unicamp, que será apresentado na primeira Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais (Conclima), a ser realizada em São Paulo de 9 a 13 de setembro, trará evidências de que eventos climáticos extremos estão se acentuando no Brasil.
Relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PMBC) confirmará essa constatação e alertará para o agravamento do quadro climático do Brasil, caso persista o grau de emissão global de gases estufa.
O coordenador do estudo, Eduardo Assad, agroclimatologista da Embrapa e membro do PMBC, conta que sua equipe avaliou nos últimos anos os máximos e os mínimos de temperatura no Brasil. Os pesquisadores constataram que os eventos extremos estão se acentuando. Nas temperaturas mínimas essa intensificação é muito clara, diz ele. “Frio intenso por pouco tempo.” Foram pesquisadas todas as estações meteorológicas do Brasil, para buscar “as máximas das máximas e as mínimas das mínimas”. O resultado obtido foi de tendência crescente dos extremos de frio e calor, em períodos mais curtos. Isto é, ondas de frio e calor intensos.
Esses extremos climáticos estão afetando a produtividade da agricultura brasileira e seu agravamento pode pôr em risco a segurança alimentar brasileira, se nada for feito globalmente e no país. No Brasil, é preciso “reorganizar urgentemente o espaço agrícola brasileiro”, disse Eduardo Assad.
A produtividade tem caído em algumas culturas e regiões, notadamente no café, soja e milho, diz Assad, que alerta ser “preciso agir já, para evitar que esse quadro piore”. Recomenda, ainda, investir em sistemas agrícolas mistos, abandonando a monocultura; aumentar a fixação biológica do nitrogênio no solo; aumentar rotatividade de culturas e reduzir o uso de pesticidas, dos quais somos hoje o maior consumidor mundial.
Para quem imagina que esta pesquisa foi conduzida por alguma entidade ideologicamente oposta ao agronegócio, é importante enfatizar que o Observatório ABC, é uma iniciativa da GVAgro, ligado à Fundação Getúlio Vargas.
2. Estamos fazendo tudo errado
“Temos de agir para evitar o pior”, comentou Eduardo Assad em abril, em uma conferência em São Paulo, ao apresentar as conclusões de um dos capítulos do primeiro relatório do PBMC. Os pesquisadores esperam que as informações do relatório sirvam para nortear a elaboração e a implantação de políticas públicas e o planejamento das empresas.
Os desafios apontados no relatório brasileiro são muitos. “Temos de mudar a política agrícola, industrial e urbana, incluir a preocupação com a sustentabilidade e os eventos climáticos extremos, como as chuvas e as secas”, comenta Antonio Magalhães, assessor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). “Precisamos ampliar os debates e superar a rigidez institucional, as resistências e os interesses de curto prazo.”
A previsão de um estudo formulado pela Embrapa em 2008, confirmada no relatório do PBMC, é que as mudanças do clima devem prejudicar a produção de alimentos e causar perdas estimadas em R$ 7,4 bilhões em 2020 e R$ 14 bilhões em 2070, comprometendo o agronegócio, responsável por 24% do PIB nacional. A soja deve ser a cultura mais afetada, com perdas de até 40% da área de plantio. A produção de café arábica deve cair 33% em São Paulo e Minas Gerais, embora possa aumentar no Sul do país. As previsões indicam que, em 2020 e 2030, deve haver uma redução na produção de algodão, arroz, feijão, soja, milho e trigo – como efeito do provável aumento da temperatura.
Cheias e secas mais intensas e frequentes, de acordo com o relatório do PBMC, devem também alterar a vazão dos rios e prejudicar o abastecimento dos reservatórios das hidrelétricas, acelerar a acidificação da água do mar e reduzir a biodiversidade dos ambientes aquáticos brasileiros. A diminuição de biodiversidade dos ambientes naturais brasileiros deve se agravar; alguns já perderam uma área expressiva – o Cerrado, 47%, e a Caatinga, 44% – a ponto de os especialistas questionarem se a recuperação do equilíbrio ecológico característico desses ambientes seria mesmo possível.
3. As iniciativas e avanços são tímidos
O grupo de trabalho coordenado por Assad e Magalhães sugeriu medidas de adaptação à inclemência do clima nas cidades. Entre essas, estão a implantação de parques lineares na margem de córregos, o controle da erosão nas cidades costeiras, onde vivem 85% da população do país, e o remanejamento dos moradores das áreas de risco, visando reduzir o impacto de cheias e evitar inundações como a da cidade de Petrópolis, há dois anos.
“As incertezas não justificam o adiamento das decisões sobre mitigação de emissão de gases do efeito estufa”, comenta Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília e coordenadora da equipe que examinou as perspectivas de redução dos impactos (mitigação) e de adaptação às mudanças climáticas.
Emilio Rovere, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro que também esteve à frente da equipe que elaborou essa parte do relatório, reconheceu a “quase impossibilidade de estabilização da temperatura em apenas dois graus acima do nível pré-Revolução Industrial e dos objetivos voluntários de limitação de emissões já aprovados pelo governo brasileiro – a redução de 36 a 38% na emissão de gases do efeito estufa até 2020, anunciada em dezembro de 2010, por meio da redução do desmatamento, recuperação de pastagens degradadas e da implantação de políticas agrícolas, ambientais e energéticas ambientalmente sustentáveis”. E conclui Rovere: “ Caso não sejam aprovadas medidas adicionais de mitigação, certamente irá ocorrer a retomada do crescimento das emissões brasileiras após 2020”.
Uma iniciativa é o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, que tem como resultado, a queda do desmatamento de 27 mil quilômetros quadrados para quatro mil quilômetros quadrados em menos de dez anos. Mas os ajustes nas áreas de transportes, por exemplo, ainda são lentos. “Precisamos de mais trens, metrôs e ciclovias, não podemos nos basear mais nos meios de transporte individual, principalmente nas cidades”, diz Assad.
No Brasil, foram dados alguns passos importantes. Hoje já existe uma Comissão Nacional sobre Mudanças Climáticas, um Fórum Nacional e Fóruns Estaduais, que incluem a sociedade civil, um Plano Nacional, e agora estão sendo elaborados planos setoriais de adaptação àquelas mudanças que já são inevitáveis. Vários ministérios e instituições já planejaram suas ações, mas ainda falta esforço e maior consistência nas respostas.
4. O que deveria ser feito e as propostas barradas pelos ruralistas
Diante dos argumentos apresentados, e observando-se, ainda, as práticas políticas adotadas pelos ruralistas, não é difícil detectar alguns dos fatores que estão contribuindo decisivamente para as mudanças climáticas, conflitos fundiários e degradação ambiental. É notória a articulação ruralista na Câmara dos Deputados, que conta com, no mínimo, 161 parlamentares.
Nas relações do governo brasileiro com o Congresso Nacional, a delicada relação política que se estabelece pela manutenção da governabilidade acaba por reforçar, de forma inevitável, reforçando a influência política dos ruralistas.
Todas as mudanças assinaladas terão um efeito dramático nas colheitas das lavouras brasileiras, mas até agora os agricultores têm demonstrado pouca sensibilidade à percepção dos problemas futuros e, consequentemente, não começaram a se adaptar à mudança climática. Não há comprometimento com as gerações futuras. As monoculturas continuam a se expandir e a invadir a região Amazônica e tomam conta do Cerrado.
Como exemplo da ação conservadora e imediatista do setor ruralista na Câmara dos Deputados, que vocalizam os interesses do agronegócio, temos o texto do Novo Código Florestal, eminentemente favorável aos desmatadores.
Portanto, faz-se necessário que diferentes medidas sejam adotadas, tanto no que concerne ao sistema produtivo, quanto no que diz respeito às questões fundiárias e ambientais.
Para a reversão do quadro descrito, sugerimos algumas medidas a serem adotadas nos sistemas produtivos:
– investir intensivamente em sistemas agrícolas mistos e consorciados e abandonar a prática da monocultura;
– aumentar a fixação biológica de nitrogênio no solo, ampliar o uso de insumos orgânicos, adotar a rotação de culturas e os manejos sustentáveis de produção;
– reduzir o uso de pesticidas e fertilizantes químicos;
– mudar radicalmente a concessão dos créditos agrícolas, que estimulam os sistemas químicos de produção e a transferência de recursos financeiros para as multinacionais de fertilizantes, máquinas e implementos, agrotóxicos e sementes;
– ampliar fortemente as práticas orgânicas e agroecológicas de produção e,
– utilizar sementes varietais, condenando as sementes transgênicas, que intensificam o uso de agrotóxicos.
Mas não basta atuar no sistema produtivo. A estrutura fundiária no Brasil e a concentração de terras, herdadas dos tempos imperiais, continua a produzir o cenário de conflitos fundiários, o favorecimento da monocultura e o desmatamento.
Não obstante o Brasil ter a maior concentração fundiária do planeta, os ruralistas estão de olho nas terras indígenas e quilombolas, verdadeiros depositários da biodiversidade. A ganância pela expansão territorial e a truculência nos métodos de ação caracterizam a tradição colonialista dos ruralistas e grandes proprietários de terras.
Para ampliar ainda mais seu poder político e econômico, soma-se aos ruralistas, o sistema judiciário que não pune, não condena e não educa, pois favorece flagrantemente a impunidade dos que cometem os crimes contra lideranças dos movimentos sociais rurais e que violam os direitos humanos, negam a existência do trabalho escravo e não respeitam a função social da propriedade.
Com isso, sugere-se:
– rever os índices de produtividade agrícola, que influenciam na avaliação produtiva das propriedades e no atendimento da função social da terra;
– defender e preservar os territórios indígenas e quilombolas;
– acelerar a criação de projetos de assentamento e fortalecer as políticas de reforma agrária;
– estabelecer e implementar o tamanho máximo da propriedade da terra, combatendo a existência de grandes propriedades rurais e latifúndios;
– combater o trabalho escravo, punindo os aliciadores e os empregadores que se valem desta prática;
– ampliar as unidades de conservação, parques e reservas biológicas em todos os biomas.
Essas sugestões vão ao encontro, certamente, do desejo de milhões de brasileiros, que compreendem que a injustiça social e a destruição ambiental estão intimamente ligados ao atual modelo de produção e de estrutura fundiária.
* João Marcelo Intini é engenheiro agrônomo e assessor técnico da Liderança do PT na Câmara dos Deputados.