Não basta a revolta contra o fenômeno, é preciso desconstruí-lo para o reconstruí-lo como concreto pensado (Marx). Essa dinâmica permitirá perceber que a violência não é o começo, é o fim, o resultado. Combatê-la écorreto, indispensável.
FREDERICO LISBÔA ROMÃO
Desde o último dia 12 de maio (sexta feira), o Brasil foi sacudido por mais uma onda de violência. Dessa feita o epicentro da crise foi São Paulo, a capital do estado mais rico da federação. Os ataques desfechados pela organização criminosa, Primeiro Comando da Capital (PCC), se espraiam pelo interior. Fizeram vítimas mais de três centenas de pessoas, entre mortos e feridos. A vida de São Paulo fora completamente modificada. Shoppings Centers, colégios e comércio de portas fechadas, o prejuízo ronda a casa dos milhões.
Após a tragédia, assistimos mais uma vez a cenas que se nos repetem com freqüência: autoridades do Executivo se reúnem e afirmam estarem tomando todas as providências. No Congresso Nacional deputados e senadores envidam “todos os esforços” para aprovar “novas leis que porão fim ao descalabro”. Os especialistas em segurança pública se pronunciam detectando falhas e responsabilidades. Após reunião entre autoridades e dirigentes do PCC, a situação começa a se acalmar. A pergunta que fica no ar é: até quando? Em que local a violência explodirá na próxima vez? Quem será a vítima? ou serão vítimas?
O fato é que, ou se corrigem os desvios sociais e éticos que pululam no nosso país, ou para a “próxima vítima” (e não será mais um título de novela), será apenas uma questão de tempo.
Analistas das ciências sociais relacionam a desigualdade social com a violência. Essa relação explica o porquê desses fatos atingirem o estado mais rico e não o mais pobre da federação. A elucidação é simples: a revolta se amplia quando, além de não ter como sustentar a si e aos seus, o indivíduo se depara com a opulência do vizinho. Um país possuidor de um PIB de R$ 1.769 trilhão, convivendo com 72 milhões de pessoas, que vivenciam a fome de alguma forma, não pode dormir tranqüilo.
Muitos preferem esquecer esses dados, tangenciando as questões centrais. Os responsáveis em São Paulo foram dessa vez os celulares, “deixados entrar nos presídios” pelos antiéticos agentes penitenciários. Mas o que se dizer de concursos públicos nos quais se pisoteia o ordenamento jurídico e se passa por cima de resoluções endógenas, permitindo-se adentrarem no serviço público o vício e o compadrio.
Como se calar frente a parlamentares que rasgam seus juramentos, envolvendo-se em “valeriodutos” e esquemas “sanguessugas”, desviando milhões e milhões de recursos que seriam destinados às classes subalternas, aos que passam fome.
Sabe-se que muitas vezes os títulos honorários se distanciam das rendas monetárias. Mas é factual também que o status dado pelos títulos, na maioria das vezes, posiciona os seus detentores, como preconizam Max Weber e Amartya Sen, em condição de elevado prestígio que muito deveria distar de comportamentos antiéticos Infelizmente, os prejuízos sociais de toda ordem, resultado do abandono da ética, que deve alcançar tudo o que da lei dista, de acordo com Derrida, são de difícil visibilidade. O que salta aos olhos são as rebeliões, os celulares e os agentes carcerários nos presídios.
Não basta a revolta contra o fenômeno, é preciso desconstruí-lo para o reconstruí-lo como concreto pensado (Marx). Essa dinâmica permitirá perceber que a violência não é o começo, é o fim, o resultado. Combatê-la é correto, indispensável. Mas é preciso também voltar ao princípio. Deve-se combater com firmeza e urgentemente a exclusão social e trabalhar no sentido de fundar uma nova ética para a Nação na qual se perceba igualmente perverso tanto fazer entrar celulares nos presídios, como descumprir normas de concurso ou aproveitar-se de cargos públicos com o fim de se locupletar. Um desvio é cometido por “autoridades”, o outro por simples agentes carcerários.
É basilar que o exemplo deve vir dos de cima, daqueles que foram privilegiados pela vida. Não é isso que se vê, Brasil. Um dia, são os mensaleiros, no outro as sanguessugas, no outro administradores e promotores de concursos públicos. E assim, vão sempre os fenômenos valendo mais do que suas causas.
Frederico Lisbôa Romão, é doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP – fredericoromao@uol.com.br
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