Cada vez mais, o Congresso tenta governar com o Executivo. Confere mais poderes a si mesmo, empareda governos e abocanha recursos públicos. Golpe de 2016 e emendas impositivas são expressões do achaque. Lula poderá contorná-lo?
Desde que Sérgio Abranches, em 1988, cunho o termo “Presidencialismo de Coalizão” para explicar a forma brasileira de relação entre o Executivo e o Legislativo, em que o primeiro depende de formar, a posteriori das eleições, uma coalização que viabilize o governo, houve, particularmente nos últimos anos, um fortalecimento do Congresso que tornou ainda mais difícil a tarefa do Executivo de construir uma coalizão que o sustente.
Nos últimos governos do país essa relação Executivo-Legislativo vem mostrando sua cara e o próprio perfil e força do Congresso. Basta lembrar a lambança da aprovação da reeleição no governo Fernando Henrique, em 1997, para perceber que o modus operandi não é tão recente.
O governo Lula sofreu uma verdadeira devassa em suas relações com o Congresso no processo chamado pela mídia empresarial de “mensalão”, cujo início foi marcado pela auto incriminação por parte do então deputado Roberto Jefferson sobre as relações que dizia manter com o Executivo como forma de viabilizar a aprovação de projetos do governo no Parlamento.
Com o sucesso do governo Lula de 2003 a 2010, tais episódios perderam força de mídia, viabilizando inclusive a vitória eleitoral de Dilma Rousseff em 2010.
O segundo governo Dilma, iniciado em 2015, enfrentou um Congresso em que o campo por ela representado estava bastante enfraquecido e a liderança do deputado Eduardo Cunha saltava à vista e se colocava em claro confronto com o governo.
Marcando esse confronto e, ao mesmo tempo o recente processo de fortalecimento do Congresso em suas relações com o Executivo, já em 2015 o Congresso cria, por Emenda Constitucional, as “Emendas Impositivas” (EC 86/2015), ampliando ainda mais a capacidade de ação de parlamentares em sua relação com o governo.
Dilma enfrenta (essa é a palavra) um Congresso pouco amistoso e com mais poder graças, entre outras coisas, às emendas impositivas.
No enfrentamento entre Legislativo e Executivo, o primeiro vence e cassa o mandato da presidenta eleita pelo voto popular com a desculpa esfarrapada das famosas pedaladas fiscais, em clara demonstração de força, o famoso “mostrar quem manda”. Com isso o Congresso se fortalece ainda mais.
Temer assume o governo sem o respaldo das urnas, sem legitimidade, dado o processo que o levou à Presidência, e necessita ainda mais do Congresso. Temer é como um deputado na Presidência, praticando o que ele defendia chamando de ‘semipresidencialismo’. O Congresso se fortalece ainda nesse período.
Bolsonaro, parlamentar por quase 30 anos, mas todo o tempo no chamado baixo clero, ou seja, sem a experiência de negociação no Congresso ou com o governo, toma posse após campanha em que condenava as negociações com o Parlamento, os mecanismos parlamentares utilizados pela Centrão, que chamava de velha política e prometia um governo de novo tipo, em que não haveria o que chamava de “toma lá, dá cá”.
Ainda em 2019, o Congresso avança e define que, além das emendas impositivas individuais, que garantiam aos parlamentares emendas de até 1,2% da Receita Corrente Líquida (RLC), passam a existir também as emendas de bancada impositivas, (EC 100/2019), adicionando mais 1% da RLC à parte do orçamento controlada pela Congresso.
Bolsonaro parece se dar conta do modelo de jogo com o Congresso e o poder deste e sucumbe, abrindo mão do controle do governo e do orçamento para o Parlamento, representado no governo e no comando da Câmara e do Senado por lideranças do chamado Centrão, tão criticado na campanha. Esse novo empoderamento do Parlamento em sua relação com o Executivo reforça tanto as lideranças do Centrão e do Congresso, uma vez que essa liderança avança além dos partidos e se espraia pela base do Parlamento brasileiro.
Some-se a isso o perfil das lideranças que assumiram a Presidência da Câmara, principalmente, e do Senado nesse período e teremos o retrato do empoderamento do Congresso que passou a compartilhar mais do que a aprovação de projetos do governo, para controlador de parte significativa do governo através do controle da parte do Orçamento Geral da União.
O modelo de “negócio” em que as lideranças do chamado Centrão se especializaram, e não escondem de ninguém, é do mais alto fisiologismo, em que parlamentares votam a partir dos cargos e verbas prometidas ou obtidas, sem qualquer vínculo com um projeto de país. Por isso a mídia nem se espanta que os mesmo personagens possam servir a governos com projetos tão distintos. Há personagens que estiveram nos governos FHC, Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro e novamente se colocam como possíveis aliados, desde que devidamente alimentados com verbas públicas na forma de cargos ou recursos.
É com esse Novo Congresso, de perfil majoritariamente conservador e liberal, com bancadas grandes e fortes organizadas em torno de temas como a agroindústria e o cristianismo de perfil evangélico neopentecostal, de corte profundamente fisiológico, extremamente empoderado e convicto de seu poder, que Lula está obrigado a negociar, uma vez que, mais do que nunca, o Congresso governa com o Executivo.
Via Outras Palavras