O governo de Porto Alegre nas mãos de Melo (MDB) e Gomes (PL) entregou a Cia. CARRIS, empresa pública de transporte coletivo de mais de 150 anos, numa operação que vai além da tradição neoliberal desses partidos. De serviçais do capital agora são criadores de capitalistas sem capital, através da entrega do patrimônio público.
Esse comportamento deve ser orientado pela tal “alma gaúcha” que a propaganda do MDB repetiu à exaustão nos últimos dias no rádio e na TV, como o espírito, o cerne do Partido.
Enquanto distrai e ilude as pessoas com a espiritualidade da “alma gaúcha”, tão nobre e indescritível, se desfaz dessas coisas terrenas, materiais e inservíveis do patrimônio público como fez com a CRT (no governo Britto), CEEE e CORSAN (junto com o governo Leite) e agora a CARRIS (governo Melo e Gomes), sempre em favor para quem governa, os capitalistas e especuladores.
No caso da Cia. CARRIS, não se contentaram em favorecer o capital, agora criam capitalistas. Num leilão sem conhecimento e debate públicos, sem transparência, com um único interessado, entrega-se uma empresa pública por um preço vil, muito aquém do valor real das concessões que opera, de seus imóveis e das centenas de ônibus se sua frota, sem receber nada em troca. Nem exigências e condicionamentos de uma política de transporte público para a cidade.
Ora, o maior patrimônio de uma empresa de transporte coletivo é o conjunto de suas concessões onde exerce e exercerá de forma monopólica seu faturamento. Quanto valem as mais de vinte concessões que a empresa atende? Inclusive, nesse caso, a péssima administração da empresa pelos gestores indicados por Melo (MDB) e Gomes (PL) já vinham entregando linhas da Cia. CARRIS para o setor privados sem licitação, sem transparência.
Mas, voltemos ao grande negócio da dupla Melo e Gomes. O favorecimento é tão grande que prevê o abatimento da dívida com a “devolução” dos imóveis atuais da empresa. E as prestações? Aí é mais que um negócio de “pai para filho”, tem outro nome. São 121 prestações, 10 anos, ou seja mais de duas administrações públicas futuras que sofrerão as consequências desses negócios mal feitos. Assim como as concessões de praças, parques e áreas públicas por 20 anos ou mais.
Desse jeito, a entrega da empresa pública será paga pela própria receita atual e futura da empresa, cujo faturamento em 2023 está previsto em torno de 150 milhões. O desgoverno atual segue o mesmo MDB do governo Fogaça que retirou da EPTC o controle da bilhetagem, da venda antecipada e da caixa de compensação da tarifa social, entregando-o para as empresas privadas.
Agora, o município não ganha nada, perde uma referência de gestão para o setor e garante que os felizardos compradores paguem as prestações com menos de 10% das receitas garantidas com as concessões monopólicas das linhas que receberá. Que grande negócio!
Em artigo recente (Sul21) em defesa do transporte público, mostrei que a CARRIS foi recuperada e modernizada nos anos 90. Passou a ser superavitária e ferramenta importante para o conhecimento efetivo pelo poder público no acompanhamento dos custos e das planilhas que estabelecem as tarifas. Assim como, por efeito demonstração, praticar e cobrar via regulação, qualidade e conforto dos veículos, menos poluição, motor traseiro, ar condicionado, equipamentos para acessibilidade, idade da frota, etc…
Por essa política a Cia. CARRIS, na virada do século, foi premiada várias vezes como a melhor empresa de transporte coletivo do país, entre públicas e privadas, pela Associação Nacional do Transporte Público (ANTP).
O governo atual de Melo e Gomes não fiscaliza, não pratica uma política de qualificação do transporte coletivo, não adequa o transporte a nova realidade do crescimento urbano, não força uma mudança no transporte metropolitano com base no planejamento. Contenta-se em atender e afagar o “mercado”.
Não fez a integração metropolitana com o Terminal Triângulo para racionalizar e diminuir o tempo dos deslocamento como estava projetado.
No eixo norte, a integração com o Trensurb não teve a ação da Prefeitura junto a Metroplan e ao governo do Estado, por sinal, outro também defensor e a serviço do “mercado”.
Porto Alegre perdeu os bondes elétricos na febre rodoviária, mas manteve e, até há duas décadas, ampliava seus corredores exclusivos. Preparou a 3ª Perimetral e algumas radiais para isso e o Plano Diretor daquela época já apontava que, agora, estaríamos implantando nesses corredores veículos leves sobre trilhos (VLT), que já são fabricados no Brasil. Em vários lugares do mundo já rodam ônibus elétricos, não poluidores, silenciosos. E, também, já fabricados no Brasil.
Mas, de um governo neoliberal e bolsonarista, serviçal dos interesses do “mercado”, contra o planejamento e a regulação, defensor da especulação imobiliária, não se pode esperar nada mais do que foi feito com a Cia. CARRIS. Um grande negócio! Para quem?
Raul Pont é ex-prefeito de Porto Alegre
Outubro de 2023