Francisco Rocha da Silva *
O chamado mundo desenvolvido vive um momento de grande turbulência política, econômica e social. A falência do modelo neoliberal levou a situações antes impensáveis, como a quebradeira de países europeus e a possibilidade de os Estados Unidos darem o calote em sua dívida externa. No antes admirável Primeiro Mundo, a crise social, fruto do desemprego em massa, faz surgir revoltas populares ao mesmo tempo em que alimenta movimentos xenófobos de extrema direita.
Já a América Latina, que passou pelos mesmos problemas num passado recente, hoje apresenta outra realidade. Partidos de esquerda assumiram vários governos e romperam com a cartilha neoliberal, reorganizando o Estado e investindo prioritariamente em políticas sociais. Não foi um rompimento tranqüilo, mas os resultados mostram o acerto dessa mudança.
Todos lembram – embora alguns gostem de esquecer – como foram difíceis, no Brasil, os primeiros anos do primeiro mandato do presidente Lula. Recebemos uma nação quebrada, o desemprego batendo recordes, a inflação, o dólar e os juros disparando, o país sem crédito no exterior, a indústria paralisada, a especulação mandando na economia. A herança maldita dos anos do neoliberalismo também tinha sucateado a máquina pública e limitado a ação do Estado no combate às muitas e históricas carências nacionais. Superarmos estas e outras dificuldades, ajeitamos a casa, restabelecemos o emprego, valorizamos os salários, combatemos como nunca as desigualdades, criamos oportunidades, fizemos do Brasil um país mais justo e soberano. Também demos início a um inédito ciclo de crescimento com distribuição de renda, mudando radicalmente a base da pirâmide social, e produzimos dezenas de políticas públicas em parceria com movimentos sociais, valorizando e ampliando mecanismos democráticos de debates e deliberações.
Oito anos depois, o país está melhor e tem rumo. Apostando no fortalecimento do Estado, na força de nosso mercado interno e, sobretudo, na inclusão sócio-econômica de milhões de brasileiros, fomos uma das últimas nações a sentir os efeitos da crise econômica mundial e uma das primeiras a nos recuperar. Não por acaso, Lula deixou o governo com 80% de aprovação e elegeu sua sucessora, a hoje presidenta Dilma Rousseff.
Mas os desafios ainda são enormes. No cenário internacional, a crise parece longe de acabar e ainda pode trazer reflexos indesejáveis. No plano interno, temos o compromisso de continuar avançando, já que, apesar de tudo o que fizemos, e não foi pouco, ainda há muito a fazer.
Arrisco dizer que nosso maior desafio está na política. Nos últimos anos, aperfeiçoamos a democracia, elegemos um operário presidente da República e hoje temos, pela primeira vez, uma mulher comandando os destinos do país. São vitórias não apenas do PT e da esquerda, mas de toda a sociedade brasileira, que está mais madura, politizada e tolerante. Exemplos claros são as recentes decisões do STF a favor da liberdade de expressão e da união civil entre pessoas do
mesmo sexo.
As forças conservadoras tem sofrido muitas derrotas, mas isso não significa que tenham desaparecido. Pelo contrário. Nunca é demais lembrar que no nosso principal adversário na campanha presidencial do ano passado, apoiando-se em valores altamente reacionários e trazendo para o centro da discussão temas que nada tinham a ver com uma disputa de caráter nacional, conseguiu obter 40 milhões de votos.
Nesse início de governo Dilma, enfraquecida, a oposição e seus porta-vozes na mídia mudaram de tática. Agora se valem da intriga, da fofoca e do cinismo para fabricar um falso dissenso entre a presidenta e o PT, estimular rachas na base aliada e opor a figura de Dilma a do ex-presidente Lula. Nessa cruzada, contam, como sempre contaram, com o incessante apoio de setores da imprensa. Os mesmos que fizeram de tudo para que Dilma não fosse eleita, agora tentam convencer a chamada opinião pública de que Lula, o PT e os partidos aliados “atrapalham” o governo, enquanto eles, da oposição, “ajudam”.
Ora, não pode haver dúvida, entre nós, quanto aos objetivos dessa estratégia: num primeiro momento, enfraquecer o PT e desconstruir o governo Lula; depois, voltar-se contra a própria Dilma, preparando o caminho para o retorno da direita ao poder. Para fazer frente a esse movimento, o PT e o governo tem diante de si tarefas que considero urgentes, já que o primeiro grande embate se dará nas eleições municipais do ano que vem.
O governo tem projetos e propostas para o país, está claramente avançado sobre as bases deixadas por Lula. Mas só a boa gestão não basta. Junto devem vir a política e a eficiência da comunicação com as massas. Nesse ponto, é fundamental encarar o tema da democratização das comunicações, trabalhando para garantir a diversidade de opinião e o fim dos monopólios informativos. A reforma política é outra bandeira que não pode sair da pauta. O fortalecimento dos partidos, a formação de maiorias parlamentares programáticas e a diminuição da influência do poder econômico na política, entre outras mudanças, são fundamentais para que o país avance mais rapidamente em vários setores.
Ao PT, principal partido de sustentação do governo e do próprio projeto, não cabe apenas a obrigação de manter-se unido e coeso. Neste momento em que retomamos nossa pauta política, temos de formular estratégias que dêem conta da nova realidade social brasileira – reforçando nossos vínculos históricos com os movimentos populares, de um lado, e elaborando políticas para as classes médias emergentes, de outro.
Em setembro, em nosso 4º Congresso Extraordinário, iremos concluir o importante processo de reforma do Estatuto partidário – cujo resultado, em linhas gerais, será o fortalecimento da democracia petista e a criação de mecanismos que reduzam, entre nós, a ocorrência de personalismos, de desvios éticos e outros vícios da política partidária brasileira. Para além disso, precisamos também melhorar nossa comunicação interna e com a sociedade.
Hoje, muitas vezes, os gabinetes parlamentares tem mais estrutura, mais capacidade e mais eficiência, na comunicação, do que os diretórios municipais e estaduais do PT. Não defendo o enfraquecimento dos mandatos em benefício do partido, mas sim que as ações dos mandatos sejam também instrumento para fortalecer o PT. Mandatos passam; o partido permanece. É preciso ter a clareza de que, sem o apoio do partido, todas as posições, mais cedo ou mais tarde, saem enfraquecidas.
Além das questões estatutárias, proponho que aproveitemos o 4º Congresso para definir a política de alianças e a estratégia eleitoral para 2012. Diferentemente no ano passado, quando colocamos o projeto nacional acima das questões locais, agora é hora de trabalhar o crescimento do PT em todo o país, levando em conta, naturalmente, as possibilidades reais do partido em cada localidade. Nesse sentido, temos de priorizar as médias e grandes cidades, onde está a maior parte das massas trabalhadoras beneficiadas por nosso projeto de país.
Nosso desempenho em 2012 formará a base política para uma discussão democrática e segura a respeito da reeleição da presidenta Dilma em 2014. Naturalmente, a oposição neoliberal que aspira voltar ao Planalto também sabe disso. Não por acaso recrudesce em setores da mídia brasileira (que nada ficam a dever a certos tablóides estrangeiros) a onda de denuncismo contra administrações petistas e/ou candidatos em potencial.
Por isso a necessidade de estarmos sempre atentos, fortalecendo nossa estrutura, nossa organização e nossa comunicação. A continuidade do projeto que mudou para melhor a vida de milhões de brasileiros, e que continuará mudando, depende
fundamentalmente de nossa capacidade política de compreender o processo, de articular a política e de nos desviarmos das armadilhas de percurso.
* Francisco Rocha da Silva, o Rochinha, é dirigente do PT e da corrente “Construindo um Novo Brasil” (CNB).