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O meio ambiente e o nosso futuro | Demilson Figueiró Fortes

Em 17 de julho é celebrado o Dia de Proteção das Florestas, uma forma de dar visibilidade à atividade desenvolvida por pessoas e organizações em defesa da causa ambiental no Brasil. Presume-se que todos sabem a importância das florestas e da natureza em geral para as sociedades. Entretanto, às vezes, mesmo o óbvio preciso ser dito, mostrado e trazido à reflexão e à memória coletiva. Nesse tempo atual, tão veloz e fluído, de simplificações e falsificações, muitos esquecem nossas origens, nossa essência e o que pode nos garantir ter algum futuro como espécie humana.

Quais são as verdadeiras bases de sustentação das sociedades? Uma civilização que não compreende isso pode fragilizar-se correndo o sério risco de desaparecer. Isso já aconteceu. Então, por exemplo, como seria se ficássemos sem as florestas? Ou, talvez, a questão colocada de outra forma mais ampla: se a natureza entrasse em colapso, a humanidade teria alguma chance de sobreviver? São questões atuais e incontornáveis, para quem considera, com atenção, o que a ciência está a alertar há décadas: estamos a caminho da tempestade.

É verdade que o planeta nunca foi o paraíso para milhões de seres humanos que foram escravizados ou que habitam as periferias do mundo. Mas, também é bem verdade que sem esse porto seguro chamado Planeta Terra a espécie humana não tem futuro, muito embora bilionários excêntricos brinquem dizendo que sim.

Entretanto, é correto dizer que havia mais esperança ou crença de que o futuro seria ou poderia ser melhor, seja pelos movimentos liberais-democráticos da modernidade – que se confrontaram com aristocracias – pelos movimentos de trabalhadores ao redor do mundo, que impulsionaram transformações, pelas lutas de libertação colonial ou pela evolução científica e tecnológica que aportava conhecimentos contra a ignorância e as trevas. Mas essa percepção mudou. Entramos na Era do aquecimento global e das mudanças climáticas, que juntamente com o novo período de extremismos políticos, religiosos e tecnologias de riscos como a Inteligência Artificial, colocam-nos dúvidas sobre o futuro.

Do todo, a nossa relação com a natureza é algo que ganha relevância. Estamos na metade de 2024, o Rio Grande do Sul acabou de passar pela maior tragédia climática-ambiental de sua história. Neste mesmo período, chegam informações que a região Norte tem uma nova estiagem. Tempos de climas extremos, que de exceção tornam-se rotina. Tempos de incertezas e riscos.

Os dados de pesquisas mostram um Brasil mais seco. O aquecimento global reduziu a umidade, inclusive temos no país a primeira zona árida. Com o aumento da temperatura, aumenta a evapotranspiração, perda de água dos solos e das plantas. As mudanças climáticas aceleram o ciclo da água. Em algumas regiões não está mudando o total anual de chuvas, mas a distribuição está sendo alterada, ou seja, pode chover muito em pouco tempo, caso das enchentes que ocorreram no Sul em 2023 e 2024.

Vejamos o caso da Amazônia, o bioma com o maior estoque de água doce no país. As florestas influenciam no ciclo da água, na reposição dos aquíferos e nos padrões regionais de precipitação, contribuindo para a formação de chuvas e criando condições para microclimas regionais e estão ligadas ao sistema climático global. As florestas são repositórios de carbono, abaixo e acima do solo, porém estão sob constantes ameaças pelo desmatamento, o fogo e o trator, mas sobretudo pelos humanos que buscam retornos imediatistas que podem comprometer o futuro.

Segundo o Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, a floresta Amazônica é uma fonte de vapor d’água, que atua para regular o clima, espalhando umidade sobre si mesma e sobre outras regiões. Parte desta umidade é transportada para o Centro, Sudeste e Sul do País, são os denominados “rios voadores”. Reportagem da Revista Fapesp 285, publicada em novembro de 2019, coloca que “diariamente, esses rios aéreos transportam cerca de 20 bilhões de toneladas de água, 3 bilhões de toneladas a mais que o rio Amazonas, o de maior volume de água do mundo, despeja cotidianamente no Atlântico”.

A Amazônia é uma “floresta de chuva”, onde existe um ciclo contínuo. Mas, este está sendo afetado pelo desmatamento, pela fragmentação que alteram de forma drástica a cobertura vegetal, agravado pelo aquecimento global. As instituições científicas têm um consenso: o desmatamento está alterando a hidrologia na região Norte com consequências para o restante do país, com impactos diretos na produção agrícola e na segurança hídrica de boa parte do Brasil.

As florestas são essenciais para os ciclos da vida no planeta. Influenciam decisivamente no ciclo da água, evitam erosão dos solos, purificam o ar, retém carbono e são ambientes que preservam a biodiversidade. É preciso lembrar que fornecem alimentos, fibras, óleos, energia, madeira, insumos e essências que servem de base para medicamentos e outros produtos importantes para as sociedades humanas. A biomassa fornece energia.

Em relação aos alimentos são muitas possibilidades encontradas, como mel, sementes, castanhas, nozes, frutos secos, folhas, fungos comestíveis. Além de alimentação para os humanos, fornece alimento para animais, pois no âmbito de um ecossistema de floresta nativa há uma enorme diversidade de vida, uma boa parte são microrganismos que não são visíveis, mas se sabe da importância deles para os ciclos e processos biológicos na Terra. São teias de vida que abrigam organismos que reciclam nutrientes, fazem polinização e disseminam sementes que renovam e mantêm a vida.

Infelizmente, no Brasil, os biomas sofrem devastação. Além da Amazônia e da Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado, Caatinga e Pampa estão ameaçados. A produção agrícola do país sofre investidas do setor agropecuário e mineração que ameaçam esses biomas.

No Sul, a Mata Atlântica forneceu aos povos indígenas alimentos e outros produtos. Da mesma forma, os imigrantes tiveram nesse bioma, a base para refazer suas vidas, seja pela madeira para casa e energia, seja pelos alimentos como pinhão e outros frutos, bem como a caça para alimentação proteica. Porém, desse bioma que fica ao longo do litoral Atlântico brasileiro, resta uma faixa de 12,5% da que existia originalmente. No Rio Grande do Sul, a Mata Atlântica ocupava 48% do território e hoje ocupa 7,5%. Essa realidade remete à responsabilidade de proteger a Mata Atlântica, porque além de preservar a biodiversidade, significa também garantir água para as maiores cidades brasileiras, que estão concentradas na faixa litorânea.

As árvores e florestas, quando parte das cidades, contribuem para amenizar as altas temperaturas urbanas, regulando o clima, amenizam a poluição sonora, embelezam, são abrigo da fauna e ajudam na infiltração da água pluvial, além de diminuírem o rigor do vento. Em síntese, as árvores isoladamente ou florestas, trazem qualidade de vida à população e fornecem serviços ambientais muitas vezes não percebidos pela maioria.

Um conceito atualmente difundido por pessoas e organizações que pensam a sustentabilidade das cidades chama-se soluções baseadas na natureza. Assim, difunde-se pelo mundo a ideia de cidade-esponja, ou seja, um ambiente urbano, habitado, mas planejado com espaços com vegetação e estratégias para absorver o excesso de água da chuva dos eventos extremos. Nessa perspectiva, se impõe a necessidade de adaptar os municípios e seus ambientes rurais e urbanos, e nisso se coloca a importância de plantio de árvores, de restaurar florestas e demais ecossistemas com vegetação nativa, de preservar margens de rios, campos, banhados e várzeas. 

O mundo corre para frear a velocidade do aquecimento global, reduzindo emissões, mitigando impactos e criando condições de adaptação climática. No Brasil temos muitos desafios na área ambiental e climática. Boa parte das emissões de gases de efeito estufa são oriundos de queimadas e conversão do uso da terra. É crucial, portanto, combater o desmatamento e a destruição de outras formas de vegetação nativa. É inaceitável que, diante da realidade dramática das mudanças climáticas, as áreas com florestas e outras formas de vegetação nativa sejam convertidas em lavouras. É preciso mudar o padrão produtivo agrícola e a forma de ocupação e o planejamento das cidades . É necessário recompor as Áreas de Preservação Permanente (APP), espaços fundamentais para proteção dos cursos d’água e garantia da segurança hídrica, evitando assoreamento de rios e protegendo as cidades de enchentes.

Nos anos de 2019-2022, com a extrema-direita na Presidência da República, ficou evidente que para proteger o meio ambiente é necessário ter democracia e fortalecer as instituições, que é importante a transparência pública e promover a educação científica e o acesso à informação. Combater a extrema-direita, o fanatismo religioso e o negacionismo científico é vital para a preservação ambiental.

No âmbito global precisamos de uma nova relação com a natureza e relação ética com as futuras gerações. Isso enfrenta limites no capitalismo como padrão de produção e consumo, de exploração do trabalho e da natureza, que não considera os limites planetários. 

Curupira é um personagem do folclore brasileiro. Trata-se de uma lenda, surgida entre os povos indígenas. Personagem guardião da floresta, tem nela seu ambiente de vida e trava confronto contra quem entra na floresta para derrubar árvores ou caçar animais. Chico Mendes, seringueiro, líder sindical, socialista, foi nosso maior Curupira, de dimensão internacional. Mas existem centenas de pessoas, alguns no seu fazer cotidiano, outros em instituições de pesquisa, jornalistas, ativistas, líderes comunitários e políticos que se dedicam ao debate, à crítica e à construção de caminhos ecologicamente sustentáveis. Muitos foram mortos, caso do próprio Chico Mendes e da irmã Dorothy Stang. Que Curupira e Chico Mendes, a lenda indígena e a ecologia política concreta, sejam inspiração e ajudem a sociedade evoluir em consciência ambiental da necessidade de proteção dos ecossistemas.

O que será do mundo é uma construção política. O futuro está em disputa. Nosso compromisso deve ser superar a desigualdade social global ao mesmo tempo trabalhar para manter as condições básicas de vida no Planeta. Tudo ao mesmo tempo e com urgência. Neste contexto de crise ecológica e política, o ecossocialismo como programa estratégico que alia a tradição de luta do mundo do trabalho com a luta ambientalista global, coloca-se como atualidade política capaz de contribuir teoricamente para enfrentamento aos desafios colocados. Representa o melhor da tradição socialista da construção da igualdade e da esperança de um mundo melhor, porém, em sintonia com as pautas, urgências e riscos dos tempos atuais.

Demilson Figueiró Fortes é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pela Escola de Direito do Ministério Público do RS. Ativista do movimento ecológico no RS.

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