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O neoliberalismo galináceo brasileiro | Marcio Pochmann

A situação econômica do Brasil regride à figura de um galináceo toda vez que se submete ao receituário neoliberal. Na Era dos Fernandos (Collor, 1990-1992 e Cardoso, 1995-2002), por exemplo, o desempenho do conjunto das atividades econômicas ficou mundialmente conhecido por seu “voo de galinha”, sem conseguir imprimir o crescimento sustentado no tempo.

Ora a economia inflava um pouco, ora desinflava outro pouco. O resultado foi estagnação produtiva acompanhada de maior atraso tecnológico, perda de competitividade, paralisia da produtividade, desindustrialização, bem como de graves consequências para a maioria da população (desemprego, desigualdade, fome).

Com o intervalo da sequência neoliberal durante os governos do PT, o país voltou a recuperar parte do vigor econômico. Com isso, os ganhos de produtividade e de competitividade reapareceram, contando com a retomada da trajetória tecnológica associada aos avanços no padrão de bem-estar social (pleno emprego, redução da desigualdade, saída do mapa mundial da fome).

Desde a segunda metade da década de 2010, contudo, o neoliberalismo retornou à centralidade na agenda governamental. Imediatamente, a figura de um galináceo se estabeleceu como equivalência à situação da economia nacional. Raquítico, o desempenho dos últimos anos do conjunto das atividades econômicas não tem conseguido sequer vislumbrar “voo de galinha”, conforme experimentado na primeira experiência neoliberal dos anos de 1990.

Atualmente, o Brasil consegue somente “ciscar para trás”. Já são sete anos de contínua incapacidade de recuperar o nível de produção alcançado em 2014, cujas consequências negativas atingem praticamente todas as dimensões: anarquia nas contas públicas, abandono tecnológico, retardo acentuado na incorporação tecnológica, desemprego, desigualdade e fome.

Algumas das evidências disso podem ser constatadas no Relatório de Riqueza Global produzido pelo grupo financeiro Credit Suisse sediado em Zurique. Em 2020, por exemplo, o Brasil assumiu a terceira posição de país mais iníquo do mundo, segundo o índice Gini de desigualdade na distribuição da riqueza nacional (0,89) – o índice mede a desigualdade de renda, quanto mais próximo de 1,0, maior a desigualdade.

No ano de 2010, quando o Índice de Gini foi de 0,82 (8,5% maior que o de 2020), o Brasil ocupava a décima posição de país mais desigual do mundo. Se comparado com o Índice Gini de 2000 (0,85), quando o Brasil estava no oitavo posto de país mais iníquo do mundo, a queda na desigualdade na repartição da riqueza nacional entre 2000 e 2010 foi de 3,5%.

Para o Credit Suisse, o país respondeu por somente 0,67% da riqueza global do ano de 2020, ao passo que em 2014 chegou a representar 1,04% de todos ativos mundiais (financeiros e não financeiros). Em apenas seis anos, a presença brasileira na riqueza mundial declinou 35,6%.

No período de tempo anterior, o Brasil conseguiu multiplicar por 2,8 vezes a sua participação relativa na riqueza global. Entre 2002 e 2014, por exemplo, o peso do país na soma mundial dos ativos financeiros e não financeiros mundiais saltou de 0,37% para 1,04%.

Apesar disso, a quantidade de bilionários brasileiros permaneceu estável em 65 nos anos de 2014 e de 2021, conforme o ranking da Forbes sobre os bilionários do mundo. Nesse mesmo período de tempo, a riqueza média por adulto no Brasil decaiu 17,6%, pois passou de 22,2 mil dólares, em 2014, para 18,3 mil dólares, em 2020.

O mistério da prevalência da quantidade de bilionários, não obstante a queda na riqueza no Brasil decorre fundamentalmente de dois diferentes mecanismos.

O primeiro é associado à máquina financeira de valorização do estoque da velha riqueza, cada vez mais concentrada em poucas famílias proprietárias. No ano 2000, por exemplo, a composição da riqueza líquida podia ser dividida em menos de 40% pertencentes aos ativos financeiros e mais de 60% em ativos não financeiros. Duas décadas depois, a maior parte da riqueza do Brasil provém dos ativos financeiros.

Por isso, o papel fundamental do Banco Central Independente dos interesses da população: a dependência do Banco Central exposta à vontade popular colocaria em risco a melhor gestão financeira do estoque da velha riqueza pertencente aos maiores proprietários de ativos no país.

O segundo mecanismo resulta do papel do Estado em atuar favoravelmente aos ricos, privilegiados e poderosos. O funcionamento da República depende do sistema tributário que onera mais os pobres que os ricos proporcionalmente à renda, bem como a despesa pública se volta aos que menos precisam.

Esses mecanismos conformam, em síntese, os monopólios sociais por intermediação estatal que garantem a prevalência da desigualdade entre ricos e pobres, poderosos e fracos, privilegiados e desfavorecidos. Isso tem prevalecido no Brasil pelas atribuições do papel do Estado na garantia diferenciada da educação, saúde, previdência, entre outras políticas públicas ao conjunto da população.

  • Marcio Pochmann é Economista, professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais da UNICAMP, ex-presidente do IPEA, autor de vários livros e artigos publicados sobre economia social, trabalho e emprego.
  • Publicação original: Terapia Política

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