Democracia Socialista

“O nosso país está de luto e revoltado”: Apelo unitário da esquerda francesa

Dezenas de associações, coletivos e partidos políticos apelam à participação nas manifestações no sábado em toda a França a exigir que o Governo assuma as suas responsabilidades e apresente respostas imediatas para pôr termo ao conflito social.

Foto Patrice Leclerc – phototheque.org

O nosso país está de luto e revoltado

O nosso país está de luto e revoltado. O assassínio de Nahel por um agente da polícia à queima-roupa em Nanterre pôs a nu os efeitos de décadas de políticas públicas discriminatórias e securitárias que têm como alvo os bairros populares e os jovens que neles crescem, em especial as pessoas racializadas e precarizadas. A escalada da violência é um beco sem saída e tem de acabar. A abordagem essencialmente repressiva da polícia e as alterações legislativas introduzidas em 2017 sobre o uso de armas de serviço estão a agravar o que a população está a viver e a sofrer em termos de discriminação e práticas racistas.

As tensões entre os cidadãos e a polícia têm uma longa história, marcada por injustiças, preconceitos, violência, discriminação, sexismo… e por um racismo sistémico que permeia toda a sociedade e que ainda não foi erradicado.

Os habitantes dos bairros em causa, e as mulheres em particular, têm muitas vezes de remediar sozinhos a falta de serviços públicos. É a diminuição destes serviços – escolas, equipamentos sociais e culturais, instalações desportivas, correios, serviços administrativos, etc. – e a redução do apoio do Estado ao tecido associativo que contribuíram em grande medida para a marginalização destes bairros e de regiões inteiras muito para além deles, nomeadamente nos territórios ultramarinos franceses.

O abandono destes bairros é agravado pelo contexto económico de empobrecimento, inflação, aumento das rendas e dos preços da energia, e pela reforma das prestações de desemprego. As desigualdades sociais afetam particularmente as crianças e as mães solteiras. É o que demonstram as revoltas que abalaram os bairros populares nos últimos dias, em reação à tragédia de Nanterre.

Para além de décadas de atropelos nas políticas de policiamento, nas leis de segurança (Lei de Segurança Global, Lei do Separatismo, etc.) e nas medidas de exceção, nos últimos dias temos assistido a pressões do governo para que a justiça seja célere. A detenção preventiva sistemática com penas cada vez mais pesadas é inaceitável!

A necessidade urgente não é a repressão, que apenas reforçará a extrema-direita e fará retroceder mais uma vez os direitos e as liberdades.

Uma paz duradoura só é possível se o governo tomar as medidas necessárias para responder à urgência da situação e às exigências das populações afetadas.

A ONU criticou repetidamente as políticas de segurança e os problemas institucionais de racismo em França, nomeadamente nas forças policiais.

A discriminação é um veneno tóxico que mina a própria ideia de igualdade e semeia o desespero.

A extrema-direita utiliza-o para dividir ainda mais a sociedade. Condenamos o apelo à guerra civil contra os bairros populares e a descrição das pessoas desses bairros como “nocivas” pelos sindicatos da polícia.

Condenamos a criação de um fundo de apoio ao polícia que matou Nahel, por iniciativa de um membro da extrema-direita, e a ausência de qualquer ação por parte do governo, que vem assim alimentar o fogo.

Tudo tem de ser repensado e construído. É preciso partir de novas bases, criar amplos fóruns de discussão e aprender com os erros de décadas de políticas públicas, respeitando as histórias, as origens, as culturas e as singularidades que alimentam a nossa aspiração coletiva à igualdade. Já é tempo de ouvir e ter em conta as reivindicações dos habitantes dos bairros populares, nomeadamente da sua juventude!

A situação exige que o Governo assuma as suas responsabilidades e apresente respostas imediatas para pôr termo ao conflito:

– revogação da lei de 2017 que flexibiliza as regras de utilização de armas de fogo pelos agentes da autoridade;

– uma reforma profunda da polícia, das suas técnicas de intervenção e do seu armamento;

– a substituição da Inspeção Geral da Polícia Nacional por um órgão independente da hierarquia policial e do poder político;

– a criação de um serviço dedicado à discriminação dos jovens no seio da autoridade administrativa, presidido pelo Defensor dos direitos e o reforço dos meios de luta contra o racismo, incluindo no seio das forças policiais.

No entanto, nada pode ser feito sem uma outra distribuição da riqueza, sem o combate às desigualdades sociais. Nada se faz sem o combate à pobreza e à insegurança, agravadas pelas alterações climáticas e pelo aumento das rendas e encargos, e sem o reforço dos serviços públicos e da educação popular. São estas as áreas que o Governo deveria resolver, em vez de prosseguir políticas públicas regressivas que constituem um terreno fértil para a extrema-direita.

Os nossos sindicatos, associações, coletivos, comités e partidos políticos mobilizam-se para manter as liberdades públicas e individuais.

Para já, apelamos à adesão a todas as manifestações e marchas organizadas em torno destas reivindicações, em todo o país, a partir de quarta-feira, 5 de julho, seguindo o exemplo da marcha organizada pelo Comité Verdade e Justiça para Adama, a 8 de julho, em Beaumont-sur-Oise, e da marcha organizada pela Coordenação Nacional contra as violências policiais, a 15 de julho.

Apelamos a marchas de cidadãos no sábado, 8 de julho, em toda a França e nos territórios ultramarinos.

Trabalharemos em conjunto para dar continuidade a estas marchas.

Lista de subscritores (atualizada a 5 de julho):

Sindicatos :

Associações :

Coletivos :

Organizações políticas :

Apelo publicado no site Solidaires e Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net