1-As políticas neoliberais são organizadas pela insistente visão de austeridade nas políticas socais que apontam Estado mínimo como sinônimo de eficiência, autorregulação dos mercados, privatizações de setores estratégicos e ajustes fiscais como as receitas prontas para o desenvolvimento da economia. Mais do que isso, os economistas da grande mídia costumam anunciar a ausência de qualquer alternativa a esse modelo. Recentemente, porém, a pandemia do novo coronavírus (COVID-19) – que já matou mais de 16.000 pessoas no mundo e infectou quase 3000 brasileiros até a noite do dia 26 de março de 2020 – tem colocado em xeque esse dogma capitalista.
2- Com as medidas necessárias de distanciamento social como mecanismo de contenção da propagação do vírus, setores importantes do comércio e indústria paralisaram ou reduziram significativamente suas atividades. Enquanto isso, o mercado financeiro operou em forte queda por semanas consecutivas. O impacto econômico das medidas sabidamente mais efetivas para a preservação das vidas no planeta já é latente. Assim, aqueles que sempre se utilizaram da racionalidade neoliberal, hoje clamam socorro do Estado para salvar seus lucros. Esses mesmos que clamam por socorro do Estado dizem que a economia não pode parar e que portanto a classe trabalhadora uma vez mais será sacrificada. Quando a resposta deveria ser justamente o contrário e o Estado garantir políticas de proteção social para assegurar a vida e dignidade mínima para sua sobrevivência.
3- Esse cenário revela o papel fundamental do Estado nos momentos de crise, que deve atuar para garantir a economia com a produção dos bens e serviços para sustentar a vida e isso inclui garantir os direitos mais básicos da população, como a saúde e trabalho. Não podemos mais aceitar soluções privadas para problemas públicos. Neste sentido, Portugal, Singapura e até países como Estados Unidos e o Reino Unido acenam com medidas de subsídio a pequenas empresas, cobertura de salários que eventualmente deixarão de pagos pela iniciativa privada, apoio financeiro a trabalhadores informais, autônomos, inquilinos e desempregados.
4- No Brasil, entretanto, Bolsonaro vai na contramão das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de seu próprio Ministério da Saúde. Sugere o fim das medidas de distanciamento social, ataca e deslegitima ações dos governos estaduais e minimiza as milhares de vidas que podem ser perdidas em nome da manutenção do desempenho econômico da classe dominante que o colocou no poder. No mesmo dia em que o Banco Central injetou cerca de 1 trilhão de reais de liquidez para ajudar bancos, Bolsonaro apresenta a Medida Provisória n. 927 que atinge justamente os trabalhadores e trabalhadoras da iniciativa privada. Dentre outros elementos, essa MP dá a possibilidade de redução de salários em até 25%, num contexto em que cerca de 63 milhões de brasileiros já enfrentam dívidas que têm extrema dificuldade para pagar. O presidente expõe ainda mais ao risco de vida a população que deveria proteger e extrapola todos os limites de irresponsabilidade no exercício do cargo.
5- A despeito das posições genocidas do presidente, as iniciativas efetivas tomadas até então no enfrentamento à pandemia vêm do Poder Público: os testes são produzidos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) ou Universidades públicas; a maior parte dos tratamentos realizados pelo SUS, através de sua presença em todos os municípios do país; contratação extraordinária de profissionais da saúde; abertura de linhas de crédito através da Caixa Econômica Federal, dentre outras, reforçando a importância de um Estado forte para minimizar os efeitos da pandemia na vida do povo.
6- Na perspectiva de solidariedade internacional neste momento, os governadores do Nordeste solicitaram ao embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, o apoio do governo chinês por meio do envio de materiais médicos, insumos e equipamentos, como leitos de UTI e respiradores. Entendendo quem são realmente os mais afetados com a crise, os governadores Camilo Santana (PT) do Ceará e Fátima Bezerra (PT) do Rio Grande do Norte, meu estado, suspenderam a cobrança de água para as categorias mais pobres. No Maranhão, o governador Flávio Dino (PCdoB) solicitou abertura de edital para apresentações culturais online, visando minimizar a crise em um dos setores mais atingidos, o setor cultural. Aqui em nosso estado também solicitamos à governadora a realização de iniciativas similares.
7- Apesar de esse momento histórico escancarar as mazelas do modelo de Estado mínimo e sua completa incapacidade para solucionar os desafios da população em momentos de crise, a síntese deste período não será necessariamente a emergência de um futuro mais solidário, com Estado mais presente na garantia de direitos. As classes dominantes continuarão defendendo seus privilégios de um modelo que priorize seus lucros e compartilha os prejuízos, precarizando o trabalho, a vida e esvaziando a democracia de seu sentido mais substancial.
8- Caberá, então, aos setores populares do país a exigência da defesa da nossa gente. Se os bancos centrais podem salvar os mercados financeiros, os governos devem ser responsáveis por políticas que amparem quem tem a vida em risco nesse momento. Se devido o distanciamento social a produtividade é impactada, urge que o estado subsidie a renda das pequenas empresas e famílias trabalhadoras. O Congresso deu uma demonstração disso, ao aprovar a Renda Básica Emergencial apresentada pelo PT e demais partidos de oposição.
9- O Projeto aprovado consiste em benefícios para pessoas com renda familiar per capita de até meio salário mínimo, ou renda familiar de até três salários mínimos. Os benefícios são de R$ 600,00 reais por trabalhador ou de R$ 1.200,00 reais para famílias com dois ou mais trabalhadores e mulheres chefes de família com filhos menores de 18 anos pelo período de 03 meses, prorrogável por igual período. A proposta aprovada passará ainda pelo Senado e pela sanção presidencial. A medida deve alcançar mais de 100 milhões de brasileiros beneficiários do Bolsa Família, pessoas inscritas no Cadastro Único e todos os trabalhadores informais e de baixa renda, que precisam permanecer dentro de casa e parar suas atividades.
10- Por fim, e mais do que isso, precisamos defender uma transformação social profunda, que passa pela construção de um modelo de Estado mais forte, capaz de priorizar a vida e os direitos básicos da população. No Brasil, isso está vinculado a recuperar a democracia e um governo comprometido com essa transformação social. Nesse momento tão difícil, o que Bolsonaro expressa é que é inimigo do povo, fato absolutamente explicitado na sua irresponsabilidade e recusa de enfrentamento à pandemia. O que gerou o coronavírus não foi a política, mas os remédios para seus impactos passam fundamentalmente por ela. E como quem não somente sonha, mas também organiza o sonho, afirmo com toda a certeza: salvaremos as vidas, os empregos e a política. Fora Bolsonaro!
Isolda Dantas é deputada estadual (PT/RN).