Desde a revolução de fevereiro o país tinha vivido sob dois poderes. Por um lado, o governo provisório que integravam correntes políticas liberais e socialistas. Buscava deter as transformações na conquista do fim da monarquia. Por outro, os sovietes de operários, soldados e camponeses que buscavam realizar as reivindicações mais sentidas das massas do fim da guerra e por terra. Mas os sovietes se encontraram inicialmente sob influencia majoritária de setores socialistas moderados que buscavam reduzir sua atuação ao apoio ao governo, isto é, que se auto-limitassem.
Foi Lenin através da ação do seu partido que modificou o cenário. E graças ao primeiro governo soviético que se conseguiu completar as tarefas democráticas da revolução abandonadas pelo governo provisório e, em seguida, avançar em tarefas socialistas. Entre as três primeiras resoluções adotadas pelo II Congresso dos Sovietes se aprovou a constituição de um governo operário e camponês, com Lenin como presidente do Conselho de Comissários do Povo.
TROTSKY, HOJE – POR LUIZIANNE LINS
Os estudiosos ainda vão nos explicar o êxito de público que teve o romance “O homem que amava os cachorros” do cubano Leonardo Padura no Brasil e em muitos outros países. Ficção baseada em muita pesquisa histórica e política o livro traz ao presente da revolução cubana o drama da revolução russa: o enfrentamento entre revolução e termidor; entre os dois dirigentes que personificam essas opções, Trotsky e Stalin; entre as trajetórias pessoais de dois comunistas, Trotsky um revolucionário nas mais difíceis condições que a vida e a história poderiam colocar a um militante, e Ramon Mercader seu algoz, um revolucionário transformado em pistoleiro.
O romance reflete a tragédia que marcou o século XX e nos lembra que houve alternativas. Além de muito bem escrito, talvez tenha tocado fibras da consciência de uma ampla militância de esquerda que continua buscando transformar a vida, que não se contenta com os legados daquelas forças – o imperialismo americano, o estalinismo – que finalmente dominaram o século XX e nos entregaram um mundo com múltiplas crises.
A vida militante e a obra teórica de Trotsky emergem nesse contexto. Mas não é o único. O marxismo revolucionário com o qual a Democracia Socialista se identifica desde seu início, é o continuo esforço de síntese das contribuições de militantes e processos revolucionários desde que a revolução russa foi bloqueada nos anos 1930. Não se confunde com os “trotskismos” que se transformaram em seitas. Por isso, na trajetória da DS tem sido tão importante a obra de Trotsky, mas também a de Rosa Luxemburgo e do Che Guevara. E entre nossos contemporâneos, as formulações do feminismo anticapitalista, a luta contra o racismo e as elaborações da teologia da libertação, alem de autores marxistas como Ernest Mandel, Livio Maitan, Daniel Bensaid e Miguel (“Moro”) Romero. Com essa visão, mantemos sempre abertos os canais de diálogo e construção conjunta com direções revolucionárias latinoamericanas como as do Partido Comunista Cubano ou do Movimento de Libertação Nacional MLN-Tupamaros de Uruguai.
Mas obviamente entre eles, e ao lado do Lenin, se destaca Trotsky. Aquele que elaborou as melhores análises sobre o desenvolvimento desigual e combinado que o capitalismo propiciava em escala planetária, superando dualismos estanques e caracterizações de feudalismo nas formações sociais na periferia.
Quem formulou a estratégia da revolução permanente, que retomando Marx contra o marxismo oficial da Segunda Internacional Socialista e o estalinismo, afirmava que uma revolução democrática, se é verdadeira, não se deteria até chegar ao socialismo. Essa permanência da revolução era o antídoto que os revolucionários deviam ter para superar a doutrina estalinista da revolução por etapas nos países periféricos, a primeira das quais seria a luta anti-feudal liderada por partidos da burguesia que devia ser apoiada pelos trabalhadores.
Quem em igual sentido que Marx, Engels, Lenin e Rosa Luxemburgo defendeu uma visão internacionalista da revolução, contra a cretinice teórica do socialismo em um só país, as manipulações em nome do interesse nacional da diplomacia estalinista e as miopias das estratégias puramente nacionais de algumas esquerdas.
O Trotsky que na luta contra a burocratização nos anos 1920 recuperou uma visão democrática da construção partidária. Porque depois que, com Lenin ainda ainda em vida, se suprimiu temporariamente o direito das frações dentro do PCUS, o estalinismo a transformou em doutrina permanente junto com a fórmula de partido único.
Quem propôs, em aliança com o mexicano Diego Rivera e o francés André Breton, um manifesto pela liberdade da criação artística revolucionária contra o sufocamento da cultura e arte pelo realismo socialista estalinista.
Quem defendeu as conquistas obtidas pela classe trabalhadora com a revolução de outubro sem deixar de questionar a contrarrevolução estalinista. Que soube apontar as enormes potencialidades que a socialização dos meios de produção traria para a vida de uma sociedade ao tempo que denunciava como a casta burocrática no poder as desperdiçava.
A obra de Trotsky não resolve todos os problemas teóricos que a ação revolucionária enfrenta hoje. Mas aponta um campo de formulações, um método e uma postura ética militante revolucionária. Com esse legado há muito ainda por desenvolver, hoje. Sobretudo depois da vergonhosa debacle do socialismo realmente existente, herança do Stalin, o marxismo revolucionário tem a tarefa inconclusa de fazer um balanço definitivo dessa experiência e renovar o projeto socialista.
Para ler mais
León Trotsky (1923), Questões do Modo de Vida. Lisboa: Edições Antídoto, n°441°. Maio, 1979.
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